João Sabino Abdalla

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JOÃO SABINO ABDALLA E SUA CASA DE COMÉRCIO
RESUMO

João Sabino Abdalla chegou ao Brasil em 1907, com apenas 17 anos, vindo de Tripoli, no Líbano. Primeiro trabalhou como “mascate”, vendendo tecidos, de porta em porta, por todo o litoral norte. Em 1920 instala no Indaiá a sua primeira casa de comércio, onde negociava diversos itens destinados a subsistência da população local. Em 1932 muda a casa de comércio do Indaiá para a atual Avenida Vicente de Carvalho, em frente a “ponte de atracação”, na Vila de Bertioga. Vem com a esposa e os filhos. Em 1935 constrói uma casa maior, instalada no mesmo local do prédio atual, que não conserva mais as características originais em razão das diversas modificações, ampliações e reformas. João Sabino Abdalla e seus descendentes são comerciantes na cidade desde 1907. A “venda”, nome como era conhecido antigamente esse tipo de comércio, foi aberta em 1920, e com mais de cem anos de história, é o estabelecimento comercial mais antigo de Bertioga.

João Sabino Abdalla

A origem: Trípoli, no Líbano

João Sabino Abdalla nasceu no dia 11 de abril de 1890, na cidade de Tripoli, no Líbano. Filho de Abdalla Ricardo e Aysse Amum Abdála.

Nesta época, o Líbano estava sob o domínio do Império Otomano, já no seu período de declínio, com guerra civil, para posteriormente passar ao domínio francês. O país obteve a independência em 1943, e as tropas francesas retiraram-se em 1946.

Em Tripoli, os irmãos de João Sabino Abdalla e a mãe, Aysse Ammum Abdála, em uma das muitas correspondências trocadas

Trípoli em 1912
Trípoli em 1921

Trípoli atualmente: cidade portuária do Líbano

João Sabino Abdalla chegou ao Brasil em 1907, aos 17 anos. No Consulado ele recebeu o nome de Sabino Abdalla, mas assumiu para si o nome de João Sabino Abdalla. Alguns o conheciam como João Turco ou João Sabino. A revista “Memória Histórica e Genealógica de Bertioga” conta que, a princípio, ele embarcou em Tripoli, no Líbano, em um navio com destino à Itália. Porém, ao chegar no Porto de Gênova, conheceu uma italiana (uma “bella donna”) que embarcaria no mesmo navio, com destino ao Brasil. Apaixonado, resolveu acompanhá-la. Ao chegar no Porto de Santos, desencontraram-se, e João Sabino Abdalla, sozinho, seguiu seu destino e logo precisou arrumar algum serviço para sobreviver.

Navio de imigrantes

Provavelmente aconselhado por conterrâneos, resolveu trabalhar como “mascate” pelo litoral. Como conhecia vários idiomas, logo aprendeu o português. O início do serviço regular de travessia de passageiros entre Santos e Bertioga, instalado em 1912, tornou possível o acesso ao litoral, antes dependente de canoas e embarcações particulares.

 

Ele veio escondido dos pais para o Brasil. Ainda de acordo com o que foi publicado em “Memória Histórica e Genealógica de Bertioga”, os pais de João Sabino Abdalla descobriram seu paradeiro e tentaram convencê-lo a voltar a terra natal, mas não conseguiram. Diziam os antigos que o pai de João Sabino Abdalla, Ricardo Abdalla, veio até Bertioga buscar o filho, mas não teve êxito.

Da esquerda para direita, Maria, João Sabino Abdalla, com Odete no colo, Honorina, com Isaura no colo, Waldemar e uma senhora, em 1929

Mascate

Trabalhou como mascate em Bertioga e no litoral norte do Estado de São Paulo por aproximadamente doze anos.

 

“Memória Histórica e Genealógica de Bertioga” conta que João Sabino Abdalla passou a trabalhar “vendendo os mais diversos tipos de mercadoria, primeiro de Santos até Juqueí, depois de Ubatuba à São Paulo, sempre a pé, carregando suas mercadorias nas costas, apenas com o auxílio de um apoio de madeira, que chamava de pequiá, relíquia até hoje guardada pela família”.

 

Em entrevista ao Jornal Costa Norte de 1994, João Sabino Filho, contou sobre seu pai, que andava quilômetros a pé pelo litoral vendendo fardos de tecidos. Era frequente aceitar o convite de moradores conhecidos para passar uma noite e seguir na caminhada no dia seguinte.

Durante a entrevista, João Sabino Filho cantou ao jornalista um trecho da música “Coitado do Abdala”, uma marchinha do carnaval de 1954, em homenagem aos libaneses mascates, composta por Haroldo Lobo e Milton de Oliveira e interpretada por Cesar de Alencar:

 

“Rala, rala, rala
Coitado do Abdala

Rala, rala, rala
Coitado do Abdala
Sobe e desce o morro
Carregando a sua mala
Chega o fim do mês,
Ninguém paga o Abdala.

Pra comprar fiado
Todo o mundo quer comprar
Mas no fim do mês
Como é duro de cobrar.”

A primeira casa, no Indaiá

Em 1920, João Sabino Abdalla abandona a profissão de mascate para abrir uma casa de comércio, uma “venda”, próxima a Capela do Indaiá. Neste mesmo ano ele se casa com Honorina Mateus Bitencourt (1899/1980), moradora de Barra do Una, São Sebastião/SP, filha de João Mateus Leite Bitencourt e Alicia Rosa Bitencourt. Em 1921 nasce o primeiro filho do casal, Waldemar Bitencourt Abdalla.

Com essa casa de comércio, tornava-se possível estocar mercadorias. Os tecidos continuaram à venda, mas também passaram a ser comercializados todos os tipos de  produtos (grãos, farináceos, enlatados, ferramentas, panelas, louças, fumos, bebidas alcóolicas, munições, calçados, remédios). Segundo Elizabete Bittencourt Abdalla, a casa que aparece na foto abaixo é a “venda” do Indaiá.

É uma das fotos mais importantes da coleção. Deve ser de 1932 ou 1933. Nesta foto aparece a “venda” do Indaiá, aberta em 1920, João Sabino Abdalla, com Waldemar, Maria, Isaura, Odete e Zoraide em cima do caminhão Chevrolet, e Dulce no colo da mãe Honorina. 

Em entrevista ao Jornal Costa Norte, Zoraide, filha de João Sabino Abdalla, conta que os poucos moradores compravam em seu armazém porque “ele foi o primeiro comerciante, não tinha nem farmácia e até remédio ele vendia em seu comércio; depois que abriu a farmácia de Humberto da Silva Piques, a primeira de Bertioga, ele parou de vender medicamentos”.

Embora com a família residindo no Indaiá, João Sabino Abdalla já estava ocupando desde o ano de 1917 as terras da Avenida Vicente de Carvalho em frente a “ponte de atracação”, local onde viria futuramente instalar sua casa de comércio.

O primeiro carro de Bertioga – ano de 1929

Em 1929, ainda com a “venda” no Indaiá, comprou o primeiro veículo automotor de Bertioga. A revista “Memória Histórica e Genealógica de Bertioga” e o livro “Poliantéia de Bertioga”, confirmam este fato histórico.

Era um caminhão Chevrolet, zero quilômetro, do ano de 1929, modelo conhecido popularmente no Brasil como “cabeça de cavalo”. Era um veículo moderno para a época, com 35 cavalos e três marchas com engrenagens deslizantes.

Segundo Maria Conceição Vicente de Carvalho, filha de Vicente de Carvalho e primeira mulher a obter Doutorado no Brasil, João Sabino Abdalla, que ela chamou de “sírio” da casa de “armarinhos”, fretava o caminhão para fazer transporte de tainhas do Indaiá até Bertioga.

Foto de 1951: Chevrolet “Cabeça de Cavalo”, fabricado no ano de 1929, o primeiro veículo automotor de Bertioga, na praia do Indaiá, com João Sabino Abdalla.

Foto da década de 1950: Chevrolet “Cabeça de Cavalo”, na praia do Indaiá, com João Sabino Abdalla.

Foto da década de 1950: Chevrolet “Cabeça de Cavalo”, de João Sabino Abdalla, atravessando o Rio Guaratuba.

Foto da década de 1950: João Sabino Abdalla, de costas, e o caminhão Chevrolet, no Indaiá, transportando passageiros.

Não tinha balsa e nem estrada ligando Bertioga a qualquer outra cidade. O caminhão foi comprado em Santos e numa operação bem arriscada, veio de jangada pelo Canal de Bertioga.

Era o único veículo que existia em Bertioga e era usado com muita frequência para o transporte das mercadorias e de passageiros que chegavam pela “ponte de atracação” e tinham como destino o litoral norte. Os amigos, os ricos e as autoridades e muitos anônimos eram transportados nesse caminhão. O motorista era o próprio João Sabino Abdalla e mais tarde, o filho mais novo, João Sabino Filho assumiu a função.

Bertioga não tinha estradas. O único acesso era através de embarcações, que atracavam na ponte da Vila. Nesta imagem abaixo, um dos registros históricos mostra João Sabino Abdalla e José Ermírio de Moraes, ao lado do caminhão. Uma das inúmeras viagens que fez transportando a família Ermírio de Moraes e os amigos até a casa no cantão do Indaiá.

Foto do final da década de 1940: da esquerda para a direita, José Rodrigues, José Ermírio de Moraes e um amigo, e João Sabino Abdalla, com o Chevrolet “cabeça de cavalo”, em frente a propriedade de José Ermírio de Moraes, no Indaiá.

A mudança do Indaiá para Bertioga

João Sabino Abdalla logo viu que haveria um potencial maior para o comércio se mudasse a sua “venda” do Indaiá para a atual Avenida Vicente de Carvalho, em frente a antiga “ponte de atracação”. O movimento de passageiros era extraordinário.

Diante da perspectiva de melhores negócios, em 1932 João Sabino Abdalla muda a “venda” do Indaiá para a Vila de Bertioga.

A “venda” de 1932

Em laudo produzido em 1955, o perito João Eduardo Saltini atestou em um processo judicial que Geremias Gomes tinha comprado de Joaquim Tavares, por escritura pública, um terreno onde construiu uma casa.

A casa antiga, a esquerda, e a casa nova, maior, a direita

Esse terreno adquirido por Geremias Gomes ficava na atual Avenida Vicente de Carvalho, em frente a antiga ponte de atracação (Pier Licurgo Mazzoni), ao lado da Escola Isolada de Bertioga.

Geremias Gomes alugou essa casa no final da década de 1920 para um dos primeiros comerciantes de Bertioga, João Cesário Bichir (Cesário Turco). Posteriormente, em 1932, João Sabino Abdalla aluga de Geremias Gomes essa mesma casa, instala a “venda”, e permanece ali até 1935.

Coriolano Mazzoni, em 1955, compra esse imóvel dos herdeiros de Geremias Gomes e ali instala a primeira casa de materiais de construção da Vila.

Atividade comercial em Bertioga deve ter existido desde a época de Diego de Braga e seus filhos (1547), mas de modo muito informal, como os libaneses mascates faziam, vendendo de porta em porta ou em bancas. A primeira casa de comércio construída na cidade, com balcão, atendentes, diversas mercadorias, só acontece a partir de João Sabino Abdalla, Miguel Bichir, Cesário Turco, Elias Nehme, Epiphânio Batista (Faninho), Nestor Pinto Florêncio de Campos, Jorge Isaac Nehme.

O único acesso à Bertioga até a chegada da balsa em 10 de dezembro de 1954 era a velha ponte de atracação, o trapiche, em frente a “venda” de João Sabino Abdalla e que, por isso, era um dos primeiros pontos de parada dos viajantes.

A casa nova – ano de 1935

Embora já ocupando parte das terras da Avenida Vicente de Carvalho desde 1917 e com uma “venda” instalada em uma casa alugada de Geremias Gomes, João Sabino Abdalla sabia que era necessária uma casa maior, para abrigar toda a família, e que ficasse, de preferência, de frente para a “ponte de atracação”, o principal corredor comercial de Bertioga, na época.

Foto de 1950: à esquerda, a venda antiga, e à direita, a venda nova.

Foto de 1951: Canal de Bertioga, a ponte e a venda de João Sabino Abdalla no centro da imagem.

A casa alugada de Geremias Gomes era um imóvel pequeno para as duas funções (comércio na frente e moradia da família nos fundos). Por isso, em 1934, adquire de José Otero Monteiro um terreno ao lado, onde constrói a casa nova, ocupada de 1935 até os dias atuais, mas pouco conservando do aspecto original, em razão de diversas reformas e ampliações.

Foto de 1944: a “venda” de João Sabino Abdalla, numa época sem muros e calçadas. Detalhe para as mulheres sentadas com algumas crianças e o cachorro deitado.

Foto do final da década de 1940: a “venda” de João Sabino Abdalla, com as tradicionais 03 portas, e na sequência as vendas de Faninho, Elias Nehme e Miguel Bichir.

A “venda” de João Sabino Abdalla, com ele à frente da casa, de calças brancas e as mãos na cintura, em foto de 1955.

A “venda” de João Sabino Abdalla e ao lado o alojamento da “Santense”, em foto de 1955.

O antigo barracão, à esquerda, que ficava nos fundos da “venda” e a casa de madeira, à direta, ficava nos fundos da Viga-Mestra, em foto de 1955.

O primeiro gerador de energia de Bertioga

O livro “Poliantéia de Bertioga” conta que a “venda” de João Sabino Abdalla foi a primeira casa de Bertioga a contar com energia elétrica, através de gerador, passando a ter iluminação própria muitos anos antes da chegada do sistema público de energia.

Foi instalado em meados da década de 1940. O motor de energia era movido a querosene.

A “casinha do motor” ainda existe, mas o motor de energia foi doado por João Sabino Filho na década de 2000 para um dos mais antigos e melhores clientes, “Olavo da Balsa”, que colocou esse motor em sua bicicleta, tornando-a uma bicicleta motorizada. 

A colônia de férias do SESC

O Serviço Social do Comércio – SESC, iniciou em 1946 a implantação de um empreendimento destinado a servir como hospedagem aos trabalhadores do comércio de São Paulo. As obras foram concluídas em 1948, proporcionando a geração de diversos empregos em Bertioga, com excelentes remunerações, além da movimentação de turistas em direção à colônia de férias.

A ponte de atracação ainda era o único acesso à Bertioga e à Colônia de Férias do SESC.

Foto de 1949: a chegada de hóspedes do SESC através das lanchas da Santense e a ponte de atracação, em frente a “venda” de João Sabino Abdalla.

A “venda” de João Sabino Abdalla já estava no mesmo local dos dias atuais. Assistiu a chegada dos primeiros empreendedores e hóspedes e, por estar em frente a ponte de atracação, João Sabino Abdalla teve o SESC também como um dos seus clientes, por muitas décadas, pois como a “venda” era registrada e possuía emissão de nota fiscal, era útil e conveniente ao SESC comprar mercadorias não previstas na logística, tal como os diversos tipos de ferramentas, cordas e barbantes comercializados pela “venda”.

Foto de 1949: a chegada de hóspedes do SESC através das lanchas da Santense e a “venda” de João Sabino Abdalla ao fundo, com as tradicionais três portas de madeira.

Registro na Junta Comercial do Estado

Bertioga torna-se Distrito do Juiz de Paz de Santos em 1942 e Distrito do Município de Santos em 1944. Com o início da administração santista, os estabelecimentos comerciais passaram a ter cadastro municipal, foi então que a “venda” foi levada a registro na Junta Comercial do Estado de São Paulo, em 1946.

A “venda” foi registrada como “Sabino Abdalla”. Nesse mesmo ano, outros estabelecimentos comerciais, como o de Epiphânio Batista (Faninho) foram registrados.

Foto de 1947: Avenida Vicente de Carvalho e a casa de comércio de João Sabino e na sequência as vendas de Faninho, Elias Nehme e Miguel Seiad Bichir.

O progresso avança mais rápido ainda, e até a Coca-Cola, que acabava de chegar ao Brasil, já patrocinou a fachada da “venda” de João Sabino Abdalla. A “venda” de Miguel Seiad Bichir tinha uma placa igual. Foi uma das primeiras campanhas publicitárias da Coca-Cola no Brasil. A placa, além do nome do produto, informava o preço, de Cr$ 1,50 (um cruzeiro e cinquenta centavos). Na Vila de Bertioga, na “venda” de João Sabino Abdalla, a Coca-Cola já conquistava o gosto da população.

Foto de 1948: João Sabino Abdalla em frente a “venda”, detalhe para a placa com o patrocínio da Coca-Cola.

Foto de 1948: João Sabino Abdalla em frente a “venda”.

Anúncio oficial da Coca-Cola, lançado em 1947, semelhante ao da placa da “venda”.

João Sabino Abdalla vendia de tudo. Até o famoso achocolatado. O Nescao passa a receber o nome de Nescau em 1958. Dois anos depois, em 1960, faz a primeira grande mudança na fórmula e no rótulo da embalagem, anunciando o novo Nescau, o verdadeiro sabor original do produto. E como não podia ser diferente, o Nescau também chegou na “venda” de João Sabino Abdalla. Não só vendia o produto, como também anunciava com cartazes, colados nos históricos balcões de madeira pintados de azul.

Foto de 1960: a “venda”, por dentro, com João Sabino Abdalla encostado no balcão e Orivaldo Camargo sentado. Lá no balcão ao fundo, o famoso cartaz do Nescau, já rasgado, pois sempre foi uma tradição colar os cartazes nos balcões, mas as vezes rasgavam no mesmo dia, pois os clientes encostavam no balcão para as compras.

Reprodução do Cartaz de 1960 do Nescau/Nestlé exposto na “venda”.

Na década de 1970 foram instaladas em Bertioga duas indústrias de sardinhas em conserva, a Pescanova e a Multipesca. Bertioga tornava-se um pequeno polo industrial no beneficiamento desse pescado. As latas de sardinha eram também vendidas na “venda” de João Sabino Abdalla.

 

Disse Elizabete Bittencourt Abdalla que “tia Dulce preparava tortas de sardinha”, que ficavam expostas na vitrine do histórico balcão do bar. As tortas eram saborosas e um sucesso nas décadas de 1960 e 1970. Tinha um pessoal de São Paulo que vinha pescar no Canal de Bertioga e no Rio Itapanhaú, e não deixavam de passar na “venda” e comprar todas as tortas nos finais de semana.

Torta de sardinha. Quando as tortas acabavam, Waldemar logo pedia para a irmã Dulce que preparasse mais tortas. E depois das tortas de sardinha, também teve uma época de servir pedaços de frango cozidos, com um molho de dar água na boca. A salsicha acebolada e a batatinha temperada também brilhavam na vitrine do balcão da venda. E tinha a pinga curtida de modo artesanal no fruto do cambuci, sempre fazendo muito sucesso. Elizabete ajudava a preparar tudo. Fonte da imagem: Canal Youtube Menino Prendado.

Falecimento de João Sabino Abdalla

João Sabino Abdalla faleceu no dia 8 de janeiro de 1974, em casa, de causas naturais. Ele teve nove filhos, registrados no nascimento com os seguintes nomes: Waldemar Bitencourt Abdala (1921/1984), Maria Bitencourt Abdala (1923/2010), Odete Bitencourt Abdalla (1926/1987), Isaura Bitencourt Abdala (1928/2007), Zoraide Bitencourt Abdala (1930), Dulce Bittencourt Abdalla (1932/2019), Jamil Bitencourt Abdalla (1937), Walter Sabino (1938), João Sabino Filho (1939/2006).

O pequiá ainda existe

O “pequiá” ou “piquiá” é um cabo de madeira, de um metro de comprimento e quinze centímetros de diâmetro, da árvore conhecida popularmente pelo mesmo nome. Bem resistente, é num formato que foi tipicamente usado pelos “mascates” vendedores de tecidos pelo mundo todo.

Parecia ser esse o método mais fácil de transportar as “fazendas de tecidos”, dobradas e amarradas, penduradas no “pequiá” e levadas nos ombros de João Sabino Abdalla por Bertioga e pelo litoral norte.

O “pequiá” ainda existe e é guardado como uma relíquia da família, por talvez ser o único objeto pessoal de João Sabino Abdalla que resistiu ao tempo. Não é uma “bengala” e nunca foi usado para esse fim. Alguns achavam que ele servia como uma espécie de “tranca” para as portas da “venda”, mas ele é muito curto, na verdade, ficava escondido atrás da porta.

Elizabete Bittencourt Abdalla, neta de João Sabino Abdalla, disse que é “original”, nunca existiu outro. É possível que seja de 1907, ano em que o avô teria começado a trabalhar como mascate. As estórias, contos e brincadeiras se referiam a esse instrumento usado como meio útil e fundamental ao trabalho. Depois que João Sabino Abdalla abriu sua primeira “venda”, em 1920, o “pequiá” foi aposentado da função de carregar os tecidos, e passou a ser conhecido como um “símbolo” para impor respeito na “venda”, caso algum “pinguço” importunasse os negócios. Mas nem era usado, às vezes bastava lembrar do “pequiá” ou mostrar ele. Era uma outra época.

João Sabino Abdalla era libanês e não gostava de ser chamado de turco, contou o Prof. Miguel Seiad Bichir Neto em “Bubuia do Tempo”. Dizia “turco é buta que pariu”. A molecada “não se metia a besta com ele” pois o pequiá estava sempre na mão.

Elizabete Bittencourt Abdalla segurando o centenário “pequiá de vovô”, de 1907, usado na época de mascate, para carregar os tecidos.

O piso

O piso da “venda” é de 1937. Nunca foi alterado ou reformado. Preserva-se quase intacto mais de oitenta anos depois. É nesse mesmo piso que por décadas os mais diferentes clientes passaram.

Pouco notado, assim como as portas, o piso original da “venda”

No livro “Bubuia do Tempo”, conta o Prof. Miguel Seiad Bichir Neto, que em sua última visita à “venda”, “ao pagar a conta com cartão de crédito, Bete, que atendia outro freguês, pediu-me para adentrar ao balcão para digitar a senha e disse: ‘Ele pode entrar. É da casa’. A deferência de Bete ressoou em cada célula do meu corpo, tornando-me pleno. Sim, eu era dali. Do tempo de Elias, Sabino, Jorge Isaque, Faninho, Luiz Martinho e de tantos outros”.

As portas de madeira

A “venda” com suas três portas originais de madeira, pintadas de azul, com mais de oitenta anos, são pouco notadas e admiradas, pois sempre estão abertas para receber o povo antigo, mas também os visitantes e novos moradores. É raríssimo ver a “venda” com as portas fechadas.

As portas de madeira da “venda”, originais, bem cuidadas, pintura sempre impecável, na Avenida Vicente de Carvalho, em frente o canal de Bertioga

As portas de madeira e o piso da “venda”

O lampião

Uma das peças originais da “venda” é o lampião Petromax, de origem alemã, útil em Bertioga nas noites nubladas ou de lua nova, era este lampião, juntamente com outros, que iluminaram a “venda” por muitas décadas.

O lampião no balcão da “venda”. Original, sem defeito algum, com o vidro intacto, mas precisando de uma restauração/limpeza especializada.

As balanças

O comércio de grãos (arroz, feijão, milho) nos primórdios da “venda” eram realizados através da balança de ferro da Ramuza, com pratos de bronze e com pesos separados. Depois, possivelmente em 1959, é adquirida a balança Filizola, mais moderna, rápida e precisa na pesagem.

A balança original Ramuza, de ferro, que precisa ser restaurada. O cepo com os pesos ainda existe e precisa de uma pequena limpeza. Os pratos ainda não foram localizados.

A balança original Ramuza foi inspecionada em 1957 pela Prefeitura de Santos.

A balança original Filizola, que fica na “venda”, mas fora de uso, pois demanda uma revisão

Guardados no “barracão”, alguns baldes usados há muitas décadas para medir em litros alguns produtos

O “metro” de madeira

É um pau, de um metro de comprimento, utilizado para medir as cordas, linhas ou barbantes comercializados por metro. Algumas cordas são pesadas. Esse “metro”, como é chamado, é um dos itens antigos da casa, da época de João Sabino Abdalla e Waldemar. Atualmente, fora de uso pois tem outro mais moderno.

Foto do antigo “metro”, no balcão da “venda”

O carrinho de pau

A mercadoria era transportada da “venda” até o “barracão” (depósito) utilizando-se do “carrinho de pau”. Também era útil, diariamente, para levar os engradados ou vasilhames vazios de bebida para o depósito que ficava nos fundos do “barracão”.

O carrinho de pau

O cambuci

Guardado no barracão, empoeirado, e ainda com os frutos secos, encontra-se o garrafão de vidro, que ficava na “venda”, de onde era servida a pinga com “cambuci”, fruto do cambucizeiro, árvore nativa da Mata Atlântica. Tinha uma no terreno de João Sabino Abdalla, mas muitas vezes o fruto vinha de outros locais. A pinga era envelhecida no “cambuci” e resultava em um licor, muito apreciado pelos clientes.

O garrafão original de cambuci

Cambuci – Imagem da TV Globo

Grande variedade de produtos

São vendidos produtos elétricos e hidráulicos, ferramentas, artigos de pesca, anzóis, puçás, varas e molinetes, linhas e cordas, ração de passarinho, ração para cães e gatos, corda para violão ou viola, caixas térmicas, sandálias, bolinha de gude, pião, estilingue, dominó, baralho, produtos de higiene e limpeza, produtos alimentícios, doces, refrigerantes, cerveja e bebidas em geral.

Artigos de pesca

Enxada, Gadanho, Foices, Machado

Ferramentas

Os fornecedores

Foram grandes amigos e fornecedores da “venda”, por longos anos, os estabelecimentos comerciais de Santos “Ferreira de Souza” (fornecia ferragens, cordas e louças), centenária loja fechada na década de 1990 e “Ao Falcão Negro” (fornecia artigos de pesca), em funcionamento.

Ano 1944 – Imagem e informação obtida no site novomilenio.inf.br

Ano 1971 – Imagem e informação obtida no site novomilenio.inf.br

A administração da venda

A venda sempre foi administrada pela própria família. Após João Sabino Abdalla, coube ao filho Waldemar Bittencourt Abdalla prosseguir com os negócios e, depois, a João Sabino Filho (Joãozinho), já falecidos. Atualmente, a administração é da neta Elizabete Bittencourt Abdalla.

Waldemar Bittencourt Abdalla no histórico balcão do bar – década de 1970

João Sabino Filho (Joãozinho) – início dos anos 2000

Elizabete no balcão da venda, década de 1990

Em frente a venda, Dulce (de branco) ao lado de Zoraide, a direita da foto. Filhas de João Sabino Abdalla, acompanhadas das netas Elizabete (de vermelho) e Maria Isabel, ao fundo e dentro da venda, em 2015

O troféu “Iriri”

Em 1992 a Associação Comercial de Bertioga organizou um evento chamado Troféu Iriri, em homenagem a diversos comerciantes que se destacaram naquele ano em Bertioga. Uma das homenagens seria para os comerciantes mais antigos da cidade, os descendentes de João Sabino Abdalla. Foi convidado para representar a família João Sabino Filho. Foi um evento elegante, realizado no Ginásio de Esportes da Colônia de Férias do SESC, com mesas e cadeiras cobertos por toalhas brancas, flores, garçom, jantar com buffet de frios e quentes. Teve música e contou com a presença de vários empresários. Todos receberam um troféu e a família de João Sabino Abdalla teve a honra de receber um diploma como comércio de varejo mais antigo. Em 2006, a família voltou a ser homenageada pela Associação Comercial de Bertioga, com um troféu entregue em evento também realizado no SESC.

O Troféu Iriri, recebido por João Sabino Filho.

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