Armação das Baleias

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Armação das Baleias de Bertioga

A Armação das Baleias de Bertioga foi um conjunto de edifícios que funcionou como indústria de extração e processamento de óleo e outros subprodutos de baleia, de 1748 até 1825. Estava localizada na Ilha de Santo Amaro (Guarujá) em área que envolvia as instalações do Forte São Felipe (Forte São Luís), áreas adjacentes à Ermida de Santo Antônio do Guaíbe, além de alguns estaleiros que ficavam em Bertioga. Atualmente, sobram apenas ruínas e vestígios do que foi esse importante complexo para a economia da Coroa Portuguesa no passado.

Armação baleeira era uma instalação litorânea estruturada para a pesca de baleias e o processamento dos seus derivados. A pesca desse mamífero foi introduzida no Brasil a partir de 1602, por influência de pescadores espanhóis instalados na Bahia. Logo depois, em 1614, Portugal decretou o monopólio sobre a atividade, para controle absoluto sobre o recolhimento de tributos, escolha dos administradores e destino do produto. Em 1765, com as reformas promovidas pelo Secretário de Estado de Portugal, o Marquês de Pombal, que resultaram na unificação de todos os contratos de pesca da baleia no Brasil, a indústria atinge o seu auge de produção.

Segundo Fabiana Comerlato, em artigo publicado pela Universidade Federal de Santa Catarina, as armações localizadas no litoral brasileiro eram empreendimentos coloniais dedicados à pesca da baleia e ao beneficiamento das partes econômicas deste cetáceo. O nome “armação”, tem como origem a montagem de armadilhas e instrumentos de pesca, com o propósito de “armar-se”, para captura “desse grande peixe do mar”.

Planta original de 1775. “Cartas topográficas do continente do Sul e parte meridional da América portuguesa”. Biblioteca Luso Brasileira. Destaque para a Armação das Baleias. Indicação dos locais de beneficiamento dos cetáceos.

A indústria de beneficiamento de baleias tornou-se um negócio extremamente lucrativo para a Coroa Portuguesa no século XVIII. Eram muitas baleias nas águas da região e os azeites da Armação de Bertioga passaram a iluminar Santos, São Vicente, São Paulo de Piratininga, São Sebastião, e em parte também o Rio de Janeiro, onde existiam armações, mas para onde iam azeites de outras procedências. Nas cidades e vilas onde não havia iluminação pública, as residências abastadas passaram a fazer uso do azeite bertioguense, até na frente das casas, iluminando a entrada e ajudando a iluminar as ruas.

Existiram diversas outras armações no Brasil. Entretanto, a Armação das Baleias de Bertioga deveria ser uma das maiores, comparando-se com a do Rio de Janeiro. Segundo o historiador Francisco Martins dos Santos, possivelmente tinha a categoria industrial máxima, com 24 caldeiras, pois só assim poderia manter em uso ou justificar a existência dos seis grandes tanques de noventa metros cúbicos cada um, cujas ruínas podiam ser vistas até a década de 1940.

Em diversas publicações oficiais da época, a indústria baleeira, embora localizada na Ilha de Santo Amaro, era denominada de Armação das Baleias de Bertioga, porque até a metade do século XIX o Guarujá não possuía esse limite geográfico que conhecemos hoje. Ademais, a Armação estava com suas instalações na Barra de Bertioga e em parte do Canal de Bertioga, de frente para a Vila de Bertioga, usando o primitivo cais de areia da Vila de Bertioga para os estaleiros.

Publicação oficial que identifica a Armação de Bertioga. Annaes do Parlamento Brasileiro, de 28 de setembro de 1827.

Menciona “Armação de pesca de Balêas da Bertioga”. Publicação oficial do Estado. Jornal “O Farol Paulista”, de 31 de outubro de 1829.

O nome atribuído é “Armação das Balêas da Bertioga”. Publicação de edital da Tesouraria da Província do Estado de São Paulo. Jornal “O Paulista Official”, de 24 de outubro de 1835.

O nome como era identificada a indústria baleeira na Ilha de Santo Amaro era “Armação da Bertioga”. Publicação de edital da Tesouraria da Província do Estado de São Paulo. Jornal “O Novo Farol Paulistano”, de 24 de agosto de 1836.

Hoje, poucos vestígios da Armação das Baleias ainda existem. Foi tombada como sítio arqueológico pelo IPHAN (Instituto do Património Histórico e Artístico Nacional) no mesmo processo de tombamento do Forte São Felipe (Forte São Luís).

Aquarela sobre papel de 1826, “Primeiras ocupações da manhã”, de Jean-Baptiste Debret: representando o Rio de Janeiro e a manutenção de lampiões de rua, alimentados com óleo de baleia.

Localização

A Armação das Baleias de Bertioga estava situada entre a Ermida de Santo Antônio de Guaíbe e o Forte São Felipe (Forte São Luís).

Aqui é uma imagem do Google Earth da “ponta da armação”, na Ilha de Santo Amaro, Guarujá. É a Barra de Bertioga e a entrada do Canal de Bertioga. O lado oposto, urbanizado, é a Vila de Bertioga. A localização da Armação das Baleias, possivelmente, ficava na área destacada pela linha em amarelo na imagem acima. Eram diversas instalações, com portos, tanques, paredes, muros, canais, casas, senzalas, armazéns, galpões e capela. Na Vila de Bertioga foram instalados os estaleiros, para guardar as embarcações, fazer os reparos necessários e armazenar parte do material de pesca.

Vista de satélite da localização de onde ficava a Armação das Baleias de Bertioga.

O local escolhido mostrava-se adequado, já que era uma das maiores áreas planas disponíveis. Nele era possível a instalação de uma estrutura completa de uma Armação de Baleias, geralmente composta por uma casa-grande, senzalas e outras construções semelhantes às dos engenhos da indústria açucareira, como a capela e o armazém. Em torno das armações articularam-se áreas de agricultura de subsistência, as roças de mandioca, arroz, feijão, entre outros produtos, áreas de extração de madeira para lenha, que alimentava o engenho de frigir, bem como áreas próprias de comércio.

Praia da Armação em 1937. Ilha de Santo Amaro (Guarujá). Local onde existiam diversas instalações para o beneficiamento dos cetáceos. Foto do jornalista Joel de Aquino.

Praia da Armação. Ilha de Santo Amaro (Guarujá). Um dos principais pontos de trabalho de africanos e afrodescendentes escravizados na Armação das Baleias de Bertioga. Ao que tudo indica, nesta armação as baleias eram capturadas no mar e destroçadas na praia, ao contrário de outras armações, onde o beneficiamento do animal já começava em alto mar, dentro das embarcações. Coleção “Arredores de Santos”. Cartão postal do ano de 1942.

Construção da Armação das Baleias

A instalação das Armações de Baleias pelo Brasil foi decorrente da iniciativa privada. A Coroa Portuguesa não colocava recursos públicos nesses empreendimentos. Limitava-se a outorgar o monopólio da pesca e comércio dos produtos da baleia à negociantes particulares.

A construção de uma Armação das Baleias seguia um padrão. Os locais escolhidos deveriam ter águas calmas e baixas, o suficiente para a realização de manobras de içamento do cetáceo. Não podiam ser penhascos muito íngremes ou praias de areia muito extensas. Toda armação tinha paredões, fundamentais para os procedimentos de levantamento das baleias através de guindastes, além de cais, rampas e trapiches, que formavam a primeira linha de construção de uma Armação.

O engenho de azeite ou fábrica, era o principal setor da Armação. Era de pedra e cal, coberto de telhas, variando as dimensões, geralmente formado por duas oficinas: do açougue e das fornalhas. Era instalado de frente para o cais de pedra, como era na Armação de Bertioga. A oficina do açougue era revestida de ladrilhos, era o local onde ocorria o retalhamento da baleia, onde se picava o “toicinho”, como era chamada na época a gordura da baleia, que seria usada na produção do azeite. Os resíduos eram despejados no Canal de Bertioga através de canaletas de pedra. Na oficina das fornalhas, existiram 12 fornos de pedra e barro onde eram instaladas caldeiras, alimentadas por lenha, para o derretimento da gordura do animal para sua transformação em azeite. Através de caneletas de pedra e barro, revestidas de ladrilho, esse produto escorria até a casa dos tanques, construção vizinha a casa de engenho. Esses tanques eram de pedra e cal ou ladrilhados. Tanques de madeira também existiam e a Armação de Bertioga possuía um. O óleo de baleia permanecia nesses tanques decantando, à espera de serem colocados em barris e transportados para o consumo.

Outro equipamento importante que compunha as Armações era a casa da ferraria, construída de pedra e cal, era destinada a fundição do ferro, onde produziam-se caldeiras, ganchos, agulhas, correntes, pregos e muita ferramenta necessária para o trabalho. O ferro usado na fundição vinha da Espanha e da Suécia. Algumas peças eram importadas, como os arpões de ferro da Armação de Bertioga, que comprovadamente vieram da Inglaterra, assim como outras ferramentas mais elaboradas, as facas e os facões, em função da arte em produzir boas lâminas.

Como embarcações, eram usadas lanchas baleeiras. Os saveiros (quatro remos, mastro e vela) e as canoas, por serem menores, eram usados no transporte do animal capturado. Em 1765 um inventário da Armação de Bertioga indicava a existência de uma canoa de voga de 11 metros, uma de jequitibá, de 8,80 metros, uma de cedro de 7,70 metros, além de duas canoas menores.

No litoral paulista, os primeiros concessionários foram os portugueses Domingos Gomes da Costa e Brás de Pina, cujo contrato passou a vigor em 1734. Depois, sucederam a esses primeiros contratantes Tomé Gomes Moreira, que arrendou por seis o monopólio da pesca da baleia nos territórios fluminense, paulista e catarinense, de 1743 a 1748. Concluído o período de concessão de Tomé Gomes Moreira, o seu filho Pedro Gomes Moreira arrendou pelo período de seis anos o contrato de pesca e comércio de produtos derivados da baleia à Feliciano Gomes Neves e Silvestre Correa. 

A Armação das Baleias de Bertioga foi construída em 1748 pelos concessionários do governo português Feliciano Gomes Neves e Silvestre Correa, que logo caíram em falência. Feliciano Gomes Neves era português, negociante, veio de Lisboa para o Rio de Janeiro e Silvestre Correa era seu sócio. A implantação, inicialmente modesta, ocupava uma área de aproximadamente 65 metros de frente para o canal e 22 metros de fundos, para o morro. Era composta, naquela época: a) de um sobrado, para moradia; b) o armazém para depósito de materiais de subsistência, que ficava no térreo; c) casa de engenho; d) casa dos tanques; e) casa dos cabrestantes, que era um mecanismo que permitia levantar a baleia até o local de trabalho; f) casa de recolhimento das barbatanas; g) uma casa, cinco “casebres” e um cais de pedra que ocupava toda a frente.

A Administração Central da Armação, representada pelo contratante e sua gente, instalou-se no Forte São Felipe (Forte São Luís), utilizado como sede da Armação, onde ficavam também todos os apetrechos da nova indústria. O porto das embarcações ficou sendo o fundeadouro então criado junto a Ilha de Santo Amaro (Guarujá), onde construíram um cais de 200 metros de extensão, com duas rampas. Muitos galpões foram construídos ali e em Bertioga, em cima das praias existentes para guarda do material diário e das embarcações menores, assemelhando-se a estaleiros.

Além do Forte São Felipe (Forte São Luís) ser ocupado pela administração, bem distante dali, junto a Ermida de Santo Antônio do Guaíbe, foram instalados grandes tanques para depósito de óleo, casas grandes foram construídas na ilha, para morada dos administradores e chefes de serviço e para escritório da indústria. As casas menores foram feitas para residência do pessoal, para o descanso do padre, para hóspedes de várias naturezas (visitantes, compradores, autoridades, distribuidores), além de muitos ranchos, barracões e casas de pau-a-pique destinados a vários fins. Uma verdadeira vila movimentada surgiu, superando a própria Bertioga continental, o que se explicava pela circunstância de existirem ali várias e boas nascentes de água cristalina, boas matas, bons fundeadouros naturais e não haver a maleita, muito comum no lado do continente. Como explica Francisco Martins dos Santos, parecia que Bertioga tinha se mudado para o outro lado do Canal.

Após Feliciano Gomes Neves e Silvestre Correa, assumiu o monopólio da indústria baleeira no Brasil Francisco Peres de Sousa. Durante o período de concessão da Armação de Bertioga à Francisco Peres de Sousa, de 1754 a 1760, houve uma significativa ampliação das instalações da indústria baleeira.

Francisco Peres de Sousa, beneficiado com diversos contratos celebrados com a Coroa Portuguesa, foi professor de música na casa do Marquês de Pombal (Secretário de Estado), em Lisboa, e assim soube aproveitar dessas relações no círculo de poder para se tornar um homem de negócios.

Francisco Peres de Sousa associou-se a João do Couto Pereira, um dos mais sólidos comerciantes do Rio de Janeiro, a quem cedeu a maior parte do contrato e que teria durado até 1764.

Em 6 de julho de 1764, toda a indústria de pesca de baleias no litoral brasileiro foi arrematada pela “Companhia da Pescaria das Baleias nas Costas do Brasil”, de Inácio Pedro Quintela, durando o contrato até 1777, quando foi substituído pelo seu sobrinho e herdeiro, Joaquim Pedro Quintela, até 1801. Era sócio dessa companhia o concessionário anterior, Francisco Peres de Sousa, além de José Alvares Bandeira e Domingos Dias da Silva, todos com negócios em sociedade. Como se vê, a administração foi concedida à particulares e o controle desse negócio sempre esteve nas mãos do mesmo grupo econômico, com ligações junto ao governo português.

Joaquim Pedro Quintela nasceu em 1748 e faleceu em 1817, em Lisboa, Portugal. Foi a pessoa mais rica no seu tempo, ao herdar a fortuna de seus pais e de seus tios Luís Rebelo Quintela e Inácio Pedro Quintela. Dentre os patrimônios recebidos, herdou de Inácio Pedro Quintela a “Companhia da Pescaria das Baleias nas Costas do Brasil”, responsável pela administração da Armação de Bertioga de 1777 a 1801.

Em um ofício de 1765 enviado pelo Governador da Capitania de São Paulo (Morgado de Mateus) ao Marquês de Pombal, era descrito que as instalações da Armação foram ampliadas, dispondo de seis tanques com capacidade para armazenamento de azeite de 100 baleias, um armazém para recolhimento de barbatanas e 12 caldeiras servidas por 30 escravizados no engenho de frigir.

O historiador Francisco Martins dos Santos presume que o número de caldeiras era ainda maior, chegando a 24. As terras de domínio da Armação das Baleias teriam chegado a cerca de dois quilômetros, compreendendo os locais denominados como Buracão, Sítio São Pedro e Iporanga. Outros inventários dão ideia das mudanças pelo qual o local passou ao longo do tempo.

A Vila da Armação das Baleias

Os autores mencionam que as indústrias para beneficiamento das baleias eram instaladas contendo dentre suas estruturas uma vila, com moradias, comércio e capela. Embora a Armação das Baleias de Bertioga possuísse esse aspecto, a mão de obra era formada exclusivamente por negros cruelmente escravizados. Há uma descrição da Vila da Armação das Baleias realizada por John Mawe, quando passou por Bertioga.

John Mawe foi um mineralogista britânico que nasceu em 1764 e faleceu em 1829, em Londres. Em 1804 ele partiu para o Rio da Prata e entre 1806/1807 chegou ao Brasil, passando por diversos portos, inclusive por Bertioga, e descrevendo relatórios. Em 1809 foi recebido no Rio de Janeiro pelo próprio Rei de Portugal Dom João VI, obtendo autorização para visitar as jazidas de diamantes de Minas Gerais entre 1809 e 1810.

A sua viagem para o Rio de Janeiro começou em Santos, em 1807, navegando de canoa pelo Canal de Bertioga, até chegar à Vila da Armação das Baleias, ocasião em que John Mawe fez a seguinte descrição do que encontrou:

“Assim desenganados, resolvemos não aguardar navio em Santos, mas seguir para o Rio de Janeiro numa canoa, margeando a costa. Alugada uma, embarcamos; depois de remarmos toda a noite num estreito que separa o continente da Ilha de Santo Amaro, que constitui uma das passagens para Santos, chegamos ao nascer do sol a Bertioga, situada no extremo daquela Ilha. É pequena a cidade, com algumas construções toleráveis e boas, erguidas por conveniência do Capitão-mor e seus ajudantes que superintendiam um estabelecimento de pesca, similar ao das proximidades de Santa Catarina, pertencente à mesma Companhia, mas muito inferior em tamanho e capacidade. Em ambos, os negros mais hábeis ocupavam-se no preparo de barbatanas de baleia, produto de considerável comércio, embora sejam menores e de menor valor que as da Groenlândia. O litoral que costeamos, possui várias e belas baías, onde, na estação piscosa, apanha-se, anualmente, grande número de baleias. Os edifícios para derreter a gordura e armazenar o óleo estão convenientemente instalados. “O famoso porto de Bertioga é bem abrigado dos ventos, e a própria cidade, situada no topo da colina, acha-se protegida das inclemências do tempo e, às vezes, bastante quente. A base da colina é de granito primitivo, composto de anfibólio, feldspato, quartzo, e mica. Belas nascentes de água, jorrando de vários pontos, dão grande variedade ao cenário, e uma agradável frescura ao ar. Embora o lugar apresente aspecto pobre, não se observam indícios de miséria; o mar fornece grande quantidade e variedades de peixes comestíveis, e o solo produz leguminosas de todas as qualidades, e arroz que, em grande porção, é transportado em barcos para Santos. As pessoas com quem tratamos mostraram-se corteses, parecendo ansiosas por adivinhar e satisfazer os nossos desejos. Doente, o Capitão-mor não pôde auxiliar-nos na procura de passagem para São Sebastião, fomos portanto obrigados a alugar uma canoa, a fim de prosseguir, etc.”

É muito importante esclarecer que, embora John Mawe esteja fazendo referência a Bertioga, na verdade ele visitou a Armação das Baleias, que ficava na Ilha de Santo Amaro (Guarujá). O motivo dele se referir a Bertioga é que esse lado do Canal, onde está o Forte São Luís, a Ermida de Santo Antônio do Guaíbe e a Armação das Baleias, sempre foi considerado como um complexo que integrava a Vila de Bertioga, pois o povoado da Ilha de Santo Amaro somente começou a se desenvolver em meados do século XVIII e bem longe dali.

John Mawe, mineralogista britânico que esteve na Armação das Baleias em 1807.

De acordo com Francisco Martins dos Santos e Fernando Martins Lichti, no livro “História de Santos, parte 1”, o depoimento de John Mawe é importante e aponta a existência de uma cidade pequena, mas com algumas construções toleráveis e boas, instalações industriais, edifício para derreter gorduras e armazéns de óleo, e um famoso porto bem abrigado dos ventos, cercada de produções de legumes e de arroz exportáveis, além de fontes de água doce.

Embora houvesse agricultura na Vila da Armação das Baleias, muitos produtos vinham da Vila de Santos, através de canoas.

Segundo Myriam Ellis, no livro de sua autoria “Aspectos da Pesca da Baleia no Brasil Colonial”, publicado em 1958, foi realizado um inventário na Armação das Baleias de Bertioga em 17 de abril de 1789, quando o empreendimento estava no seu auge, identificado que naquele ano o empreendimento possuía: a) uma capela e pertences de valor; b) uma casa de sobrado; c) uma casa servindo de armazém; d) uma casa dos tanques de azeite; e) a casa do engenho; f) 3 casas para amarras e lanchas; g) a casa dos feitores; h) a casa dos baleeiros; i) 30 senzalas para escravos; j) uma fonte d’água; l) um cais de pedra; m) as casas dos baleeiros da barra; n) caldeiras e instrumentos de pesca; o) ferragens de vários usos, ferramentas de carpinteiros, ferramentas de tanoeiro e calafate, objetos de bronze; p) 3 saveiros, 4 lanchas, 2 canoas grandes, 11 canoas pequenas; q) abundante material; r) 63 africanos ou afrodescendentes escravizados.

A pesca e o beneficiamento da baleia

A pesca e beneficiamento de baleias foi a primeira indústria extrativista que funcionou na Ilha de Santo Amaro. Foi um importante marco econômico nos séculos XVIII e XIX, pois era uma das poucas atividades industriais permitidas pelos portugueses aqui no Brasil durante este período. 

Da baleia, quase tudo se aproveitava. A carne servia de alimento: a língua, por exemplo, era vendida à nobreza e ao clero como iguaria. As barbatanas ou cerdas (ficavam no céu da boca da baleia, no lugar dos dentes, usadas para filtrar o alimento) eram confeccionadas como acessórios de roupas femininas e masculinas, como espartilhos, saias e chapéus. Os ossos, por sua vez, destinavam-se à construção civil e à produção de móveis.

O beneficiamento da gordura do animal resultava em produtos com diversas utilidades, que incluíam a iluminação dos engenhos, casas, fortalezas e até mesmo a iluminação pública das cidades, a calafetagem de embarcações (vedação com estopa), fabricação de sabões e velas, lubrificação de engrenagens (graxa) e, quando misturados ao barro, compunham uma argamassa utilizada para a construção civil. Essa argamassa, muito resistente, ainda hoje é percebida em paredes de prédios históricos, tal como no Forte São João:

Parede original do Quartel do Forte São João de óleo de baleia e sambaqui

Partindo da descrição realizada por Ferdinand Denis sobre a Armação do Rio de Janeiro, afirma Francisco Martins dos Santos que é fácil presumir que a Armação de Bertioga, tão grande e importante quanto aquela, adotava a mesma técnica de pesca e beneficiamento da baleia. Eram usadas pequenas embarcações de cerca de dez metros, com um ou dois mastros (chalupas), com a popa e a proa semelhantes para facilitar a manobra. Geralmente eram dez homens: oito remadores, um patrão e um arpoador. Partiam para o mar, em conjunto, várias chalupas, pois era preciso cercar o animal que, fugindo de uma, caia fatalmente sob o poder de outra. O arpoador fica de pé na proa da embarcação, tendo ao seu alcance vários arpões, mas munido de um que previamente escolheu. Somente quando o animal se aproximava é que o arpão era lançado, com toda a força possível, pois ele precisava perfurar a grossa camada de gordura da baleia. O arpão ficava preso a uma corda amarrada na embarcação, para que o animal a arrastasse, com o objetivo de cansar ele. Novos arpões eram lançados, num combate que poderia durar de trinta minutos a cinco horas. O animal capturado era transportado à Armação e retalhado pelos africanos e afrodescendentes escravizados, que separavam todas as suas partes. Com uma lâmina de aproximadamente 40 centímetros era feito um corte longitudinal da cabeça até a cauda, desferindo-se novos cortes no sentido das costelas, para depois a gordura ser recolhida por guindastes, em pedaços. A gordura era levada ao engenho de frigir, para ser derretida em caldeiras, por 24 horas, obtendo-se, assim, o óleo, que precisava ser filtrado para eliminação de resíduos e, quando totalmente purificado, era armazenado na casa de tanques. Óleo ou azeite de baleia, assim era chamado esse produto, utilizado na iluminação pública das grandes cidades da época.

O retalhamento das baleias nas instalações da Armação de Bertioga deixava as águas vermelhas, pelo derramamento de sangue, atraíam pássaros carniceiros e provocavam um odor insuportável aos menos experientes. 

As baleias migravam para o litoral brasileiro vindas da Antártica e de regiões ao sul do continente, para encontrar águas quentes e protegidas para o nascimento do filhote. Elas costumavam permanecer de dois a três meses para amamentá-los e depois retornar à Antártica. Os machos também vinham à procura de fêmeas receptivas, que não estavam com filhote, que já desmamaram ou que eventualmente vinham para o acasalamento.

A colossal baleia azul, o maior animal do mundo, podendo os adultos atingirem 30 metros. Detalhe para a boca desse animal, onde ficavam as cerdas, usadas para fazer bolsas e chapéus.

Baleia jubarte.

Cachalote, uma espécie de cetáceo que possui dentes, ao contrário das baleias, que possuem cerdas. É desse animal que é extraído o espermacete e o âmbar.

As orcas, da família dos golfinhos, confundidas com baleias, também serviam aos propósitos da indústria baleeira.

Quadro comparando o tamanho das diversas espécies de baleia.

A mão de obra na indústria baleeira era formada, principalmente, por africanos e afrodescendentes escravizados. A vila constituída nos moldes das demais armações não era povoada por colonos, mulheres e homens livres, mas uma instalação de trabalho escravizado, sem a estruturação e formação de uma comunidade com valores sociais e culturais. Mesmo assim, tinha casas de moradia e senzalas, armazéns para estoque de alimentos e ferramentas e uma capela dando a impressão de uma verdadeira vila com vínculos tradicionais naquele local.

O negro escravizado era a “mercadoria” mais valiosa no comércio de cabotagem, para abastecer a indústria baleeira. Eles eram usados no trabalho mais pesado, na casa de engenho, atuando no açougue, nas fornalhas e na extração de lenha. Mas também há documentos oficiais relatando escravizados no transporte de partes do animal abatido, através de canoas, da embarcação baleeira até a Armação para que o animal não estragasse e ocupasse espaço desnecessário na embarcação, enquanto eram capturadas outras baleias.

Era um trabalho humilhante, opressor. A Armação das Baleias de Bertioga tinha senzala, algemas, correntes. Sem indicar a fonte, a historiadora Myriam Ellis, no livro “A baleia no Brasil Colonial”, relata que houve uma revolta organizada por um grupo de escravizados na Armação de Bertioga, que insatisfeitos com a coerção e castigos, mataram um feitor e feriram um outro a golpes de faca.

Entretanto, também existia a mão de obra remunerada. Ainda segundo Myriam Ellis, em outro livro de sua autoria, “Aspectos da pesca da baleia no Brasil Colonial”, em 1765 um feitor na Armação de Bertioga recebia 25$600 por ano, como era o caso de Antônio Joseph de Souza, de 42 anos, solteiro. Os administradores da Armação recrutavam entre os moradores das comunidades litorâneas pescadores e agricultores, sempre gente muito humilde, para o pagamento de valores insignificantes diante do lucro auferido pelo negócio. Alguns se recusavam a trabalhar no serviço mais perigoso, o de arremesso do arpão e era comum recorrer ao trabalho forçado de pessoas cumprindo pena no sistema carcerário. Era comum a Armação do Rio de Janeiro enviar pessoal e embarcações para Bertioga. Em um relatório de 1816, aparecem nomes que atuaram nas Armações de Bertioga e São Sebastião como arpoadores: Francisco Jorge, Manuel Nunes Fernandes, Manuel do Espírito Santo, Miguel José, Nicolau “Escravo”. Há diversos documentos com esses relatórios e outros nomes.

Em um relatório de 1817, citado por Myriam Ellis, em “A baleia no Brasil Colonial”, sem indicar a fonte, a Armação das Baleias de Bertioga tinha 34 africanos ou afrodescendentes escravizados, cada qual com seu preço de mercado: João Congo (nação Moniolo, 20 anos, 80$000), Paulinho (nação Mina, 30 anos, 70$000), Miguel Rebôlo (nação Angola, 25 anos, 60$000), Miguel Doutor (nação Angola, 26 anos, 60$000), Cristovão (nação Mina, 30 anos, 50$000), João Francisco “quebra-ferro” ou “braço-forte” (nação Congo, 40 anos, 25$000), Antonio Picapau (nação Angola, 30 anos, 35$000), Luis Angolla (afrodescendente, 40 anos, Oficial de Tanoeiro, 150$000), Manuel (nação Mina, 41 anos, Cortador de baleia, 130$000), José Galinha (nação Benguela, 35 anos, 100$000), Lourenço (nação Mina, 26 anos, Cortador de baleia, 140$000), Joaquim Mina (nação Mina, 43 anos, Cortador de baleia, 130$000), Mateus (nação Mina, 32 anos, Aprendiz de Cortador de baleia, doente, 40$000), Manuel (nação Angola, 24 anos, Cortador do açougue, 50$000), Brás (nação Mina, 30 anos, Cortador do açougue, 60$000), Pedro (afrodescendente, 55 anos, Caldeireiro, 70$000), João Mina (afrodescendente, 40 anos, Xacoteiro, 50$000), Filipe (nação Cabo Verde, 50 anos, Xacoteiro, 35$000), Silvestre (nação Mina, 30 anos, Xacoteiro, 55$000), Paulo (nação Mina, 30 anos, Xacoteiro, 40$000), José Mina (afrodescendente, 20 anos, Xacoteiro, 90$000), Antônio Fidalgo (nação Congo, 44 anos, 35$000), Marcos (nação Mina, 47 anos, 50$000), Benedito (nação Mina, 45 anos, 45$000), Rodrigo (nação Mina, 30 anos, “indigno de serviço”, 25$000), Miguel (nação Mina, 29 anos, 100$000), Cropote (nação Mina, 50 anos, 30$000), Leandro (afrodescendente, 28 anos, 60$000), Miguel (nação Mina, 40 anos, “defeito no olho esquerdo e quebrado”, 45$000), Joaquim (nação Mina, 35 anos, “separado no braço esquerdo”, 16$000), Lutero (afrodescendente, 25 anos, 64$000), Dionísio (nação Mina, 35 anos, 51$200), Clemente (nação Mina, 30 anos, 110$000), Roque (nação Mina, 25 anos, 110$000). Os africanos da nação Mina eram aqueles que falavam as línguas do grupo “gbe” e “iorubá”, ou as pessoas trazidas da Costa do Ouro.

No mês de junho e até mesmo antes, começava a temporada de pesca de baleias, quando esses animais vinham em direção às águas quentes do litoral brasileiro. O padre da Capela da Armação abençoava as embarcações baleeiras antes que partissem para o mar. Eram quatro meses de trabalho muito árduo, com a captura do animal, seu retalhamento, o cozimento do toicinho, armazenagem e distribuição aos armazéns.

Essa distribuição do óleo de baleia para o consumo da população iluminar suas residências, engenhos e demais estabelecimentos realizava-se através de um entreposto ou armazém, que era denominado de “estanco”. O armazém da Armação das Baleias de Bertioga ficava em Santos.

O Governador da Capitania de São Paulo, Luís António de Sousa Botelho Mourão, teria exigido, por volta de 1769/1770, que a Armação das Baleias de Bertioga extraísse o “espermacete” e o “âmbar” desses animais. Foram designados dois franceses especialistas nesse procedimento, mas não houve êxito. Tal tarefa recaiu sobre Martins Dhiribarren refinador de espermacete de 71 anos, e seu filho Augustin, naturais de St. Jean de Luz, na costa francesa, e com larga experiência na pesca ao cetáceo. Eles ficaram uma semana na Armação de Bertioga e ensinaram a técnica de lavagem do azeite de baleia, que tornava o produto mais refinado. Mas isso não foi suficiente e o fracasso na obtenção dos produtos almejados provocou profunda indignação do Governador, que acusou de incompetentes os profissionais designados para a tarefa.

O espermacete era um óleo extraído da cabeça do cachalote, empregado para diversas finalidades, especialmente para produção de velas e produtos farmacológicos. O âmbar é uma substância sólida e gordurosa, formada dentro do intestino do cachalote, com grande valor comercial para a indústria de perfumaria. A Armação de Bertioga nunca conseguiu extrair essas substâncias e, segundo a alegação dos concessionários, era muito difícil encontrar a única espécie de cetáceo, o cachalote, que desenvolvia tanto o espermacete como o âmbar. O Governador da Capitania de São Paulo, diante da experiência que a Armação de Bertioga tinha com esses mamíferos, parecia desconfiar que essas substâncias eram desviadas pelos concessionários, sem o devido controle fiscal da Coroa Portuguesa.

Armação das Baleias da Praia do Góes
(sucursal/filial de Bertioga)

Francisco Peres de Sousa foi o concessionário das Armações do Rio de Janeiro, São Sebastião, Santos e Santa Catarina, entre 1754 e 1760. A partir das ações de expansão da indústria baleeira, por iniciativa do Governador da Capitania de São Paulo (Morgado de Mateus), que tinha interesse no desenvolvimento econômico de São Paulo, foi instalado um posto baleeiro simples, uma espécie de sucursal ou filial da Armação das Baleias de Bertioga na Praia do Góes, entrada do Canal de Santos, na Ilha de Santo Amaro. Uma fábrica para beneficiamento das baleias capturadas na Barra Grande de Santos, teria um aproveitamento melhor, antes que ocorresse a deterioração durante o percurso até Bertioga, pois as postas de toicinho e de carne dos cetáceos eram transportadas morosamente por canoas a remo. Em época de safra abundante, muito se perdia pela falta de pessoal e equipamentos para dar conta da quantidade de baleias. Essa Armação da Praia do Góes deve ter sido construída entre 1766 e 1767, defende a historiadora Myriam Ellis, em seu livro “A baleia no Brasil Colonial”, publicado em 1969. 

A Armação da Praia do Góes usava o mesmo espaço ocupado pelo Fortim da Praia do Góes, onde suas muralhas foram úteis para a instalação de equipamentos de levantar, içar ou virar as baleias. O Fortim e a Armação ocupavam parcialmente o mesmo espaço e foram construídos na mesma época, com a dupla função: proteger o litoral e auxiliar a Armação de Bertioga no beneficiamento das baleias.

Um relatório apresentado na Assembleia Legislativa em janeiro de 1897 dava conta que o Fortim da Praia do Góes estava desarmado e desorganizado, e que anteriormente serviu de sede-sul da Armação de Baleias da Bertioga (extinta por volta de 1830), época em que o Fortim ficou conhecido como Armação da Praia do Góes.

No livro “Santos Noutros Tempos”, o historiador Costa e Silva Sobrinho transcreve o Aviso Régio nº 125, de 1817, referente à Armação da Praia do Góes, segundo o qual o terreno pertenceu ao Real Contrato de Pescaria de Baleias, ocupado por dois agregados com suas famílias, e dois escravizados que serviam de zeladores e guardavam a casa do mesmo contrato. Informa ainda o mesmo historiador que, em 1834, foi requerida a venda das lanchas existentes nas Armações de Bertioga e da Praia do Góes. Em 18 de janeiro de 1850, a casa existente naquela praia foi avaliada por ordem do inspetor de Tesouraria da Providência, a fim de ser posta em leilão público, dando fim ao empreendimento baleeiro.

O nome Praia do Góes é anterior a construção do Fortim. Não há registros históricos conhecidos que provem com precisão sua origem. O local foi chamado como Praia do Góes possivelmente porque “Góes” seria o sobrenome de um posseiro ou arrendatário das terras da Capitania de São Vicente, entre os séculos XVI e XVII.

O Fortim da Praia do Góes foi tombado por sua importância cultural. O processo é o de nº 0441-T-50. Livro Histórico com número de inscrição 365, vol. 1, fls. 059, em 23/04/1964. Porém, a inscrição do Fortim da Praia do Góes, foi feita por extensão do tombamento do Forte da Barra Grande, em 26/02/79.

A fortaleza de Santo Amaro da Barra Grande e as muralhas do Fortim da Praia do Góes.

Desenho fornecido pelo IPHAN.

A fortaleza de Santo Amaro da Barra Grande e as muralhas do Fortim da Praia do Góes. Cartas topográficas do continente do Sul e parte meridional da América portuguesa com as batalhas que o Ilmo. e Exmo. conde de Bobadela ganhou aos índios das missões do Paraguai. Recopiladas pelo governador e capitão general de São Paulo, dom Luis Antônio de Souza Botelho Mourão (1775).

A obra nova que o Governador da Capitania de São Paulo, Morgado de Mateus, mandou efetuar na Praia do Góes para receber as instalações do posto avançado da Armação das Baleias de Bertioga. Cartas topográficas do continente do Sul e parte meridional da América portugues. Recopiladas pelo governador e capitão general de São Paulo, dom Luis Antônio de Souza Botelho Mourão (1775).

Foto da década de 1960, do IPHAN, mostrando o Fortim da Praia do Góes. Nessa época não existiam ocupações humanas encima da estrutura.

Foto de 2022, do site patrimonioepertencimento.com.br.

Destaque para as muralhas do Fortim da Praia do Góes.

Foto de 2022, da Universidade Católica de Santos (UNISANTOS), durante as restaurações das muralhas do Fortim da Praia do Góes. É possível observar que a estrutura foi parcialmente ocupada por edificações particulares.

O declínio do comércio de baleias

Em “Memória primeira sobre a pesca das baleas e extracção do seu azeite, José Bonifácio de Andrada e Silva relatava, em 1789, os diversos fatores que implicaram no declínio da produção de azeite de baleia na costa brasileira. Para ele, a estagnação do sistema de produção seria resultado da falta de livre concorrência e a diminuição das baleias seria fruto das práticas destrutivas de pesca empregadas. Gastos administrativos desnecessários com embarcações e pessoal, desperdício no retalhamento das baleias e técnica inadequada na produção do azeite também pesavam. Além disso, com a diminuição dos cetáceos nas proximidades da costa, as armações costeiras se tornavam inúteis e a pesca em alto mar, feita pelo sistema volante, com produção do óleo na própria embarcação, ganhava mais corpo.

As baleias foram cruelmente exterminadas, em uma época em que não existia a consciência ambiental e moral entre os europeus de preservação do meio ambiente e respeito a essa espécie.

Quando foram instalados sistemas baleeiros nas Ilhas Maldivas (território ultramarino do Reino Unido na América do Sul), os navios operados em parcerias por ingleses e estadunidenses exterminaram as populações de baleias que restavam. Os animais, com hábitos migratórios, não conseguiam chegar ao litoral brasileiro pois eram em parte capturados antes. A indústria baleeira do Brasil, antes lucrativa para a Coroa Portuguesa, agora não interessava mais ao Império.

O óleo de baleia tornou-se caro e escasso.

Nossa civilização conhecia os combustíveis fósseis. Uma nova tecnologia estava surgindo, era o gás e a querosene. A iluminação pública na capital paulista é substituída, inicialmente e de modo experimental, por lampiões a gás de hulha (carvão), a gás de hidrogênio líquido ou querosene. Na década de 1850 é implantado em definitivo um sistema de iluminação a gás hidrogênio, que persiste até a década de 1930, quando começa a ser instalada a rede pública de energia elétrica. Na verdade, desde 1868 já eram adotadas tentativas meramente experimentais de iluminação elétrica na cidade de São Paulo.

Diante desse cenário, no fim do século XVIII, Portugal rompeu o monopólio e facultou que negociantes europeus explorassem esse recurso. Houve a tentativa de reorganizar o setor em 1796, mas não deu certo e a atividade voltou a ser administrada pela Coroa Portuguesa de 1801 a 1816.

Em um ofício redigido pelo Deputado da Junta da Fazenda do Rio de Janeiro, Luís Beltrão de Gouveia de Almeida, de 1801, consta uma lista com os animais abatidos na última temporada: São Sebastião com 12 baleias e 3 Jubartes; Bertioga com 14; Itapocoróia com 20; N. S. da Piedade com 46; Lagoinha com 26; Garopaba e Imbituba com 42.

Houve uma nova tentativa de arrendamento das armações, mas os concessionários abandonaram o serviço e o contrato foi rescindido em 1825. Por isso, no início do século XIX, em 1825, a Armação das Baleias de Bertioga encerrou de vez suas atividades.

Em 1826, a Armação das Baleias passou para a administração interina do Tenente João Batista da Silva Costa. Nesta oportunidade foi realizado um inventário por ordem da Junta da Fazenda Nacional da Província de São Paulo. Dos bens avaliados, podemos destacar: a) capela de pedra e cal; b) uma casa-sobrado; c) casa do capelão; d) casa dos tanques de óleo; e) casa de engenho; f) casa para guarda de armamentos; g) casa para guardar as embarcações; h) casa para moradia dos encarregados; i) treze senzalas de pau-a-pique e palha, inabitáveis; j) dois paredões de pedra e cal; l) cais e calçada; m) pilar com relógio de sol; n) muro que guarnece a capela e outros edifícios, muro atrás da capela, muro para proteção da horta; o) ferros, bronzes e cobres, ferramentas de carpinteiro, de pedreiro, de tanoeiro, de calafate; p) oficinas de tanoaria, carpintaria; q) móveis; r) ouro e prata da capela; s) 14 escravizados idosos.

Parte desses bens e estruturas foram colocados à leilão sucessivas vezes a partir do mesmo ano de 1826. O decreto imperial de 13 de novembro de 1827 determinou o encerramento da indústria baleeira no Brasil e a alienação de todo o patrimônio, inclusive das pessoas escravizadas.

Segundo o livro Aspectos da Pesca da Baleia no Brasil Colonial, de Myriam Ellis, os bens que em 1789 foram avaliados em 18:440$543, em 1835 o foram em 12:844$200, excluídos os escravizados e incluindo as terras. Houve uma significativa desvalorização, possivelmente pelo estado de deterioração dos equipamentos e abandono das estruturas.

Os materiais, utensílios e embarcações que sobraram foram leiloados em 1835. O expediente de 17/11/1836 do Ministério da Fazenda relata: “…atento ao estado de ruína em que se acham os edifícios da Armação de Bertioga, impossibilidade de os vender, ou arrendar e grande despesa, aliás de nenhum proveito que seria necessário”.

Em 1837 era realizado mais um leilão, sendo arrematadas as telhas, por Jeremias Luiz da Silva, e arrematado o madeiramento da Armação, por Pedro Antunes.

Em 1838 foi realizado o último leilão, objetivando a entrega do terreno e de todas as instalações que sobraram a quem se interessasse em comprar.

Publicação do jornal “Correio Official”, de 1836, autorizando a realização de leilão referente a Armação das Baleias de Bertioga.

Publicação do jornal “A Phenix”, em 1838, anunciando o leilão da venda da área da Armação das Baleias.

Teria ainda em 15 de novembro de 1838 sido arrendado o terreno da Armação das Baleias à Leonardo Luciano de Campos. O objetivo era que houvesse alguém encarregado de zelar pelas instalações que sobraram, que eram de domínio da Coroa Portuguesa, mesmo que usasse o espaço para seus interesses particulares, já que o empreendimento baleeiro estava extinto.

Publicação do jornal “Correio Official”, de 15 de novembro de 1838, aprovando o arrendamento a Leonardo Luciano de Campos.

Destaque para melhor visualização da publicação citada acima, do jornal “Correio Official”, de 15 de novembro de 1838, aprovando o arrendamento a Leonardo Luciano de Campos.

Interpretando informações obtidas na Biblioteca Nacional e nas obras de Fernando Martins Lichti e Myriam Ellis, os últimos administradores dos terrenos e das construções remanescentes na Armação das Baleias foram: a) o Tenente João Batista da Silva Costa, por uma resolução imperial de 24 de maio de 1826, permanecendo no posto até 1835; b) o alferes Manoel Jorge da Costa, de 1835 até seu falecimento em 1857.

Tombamento

É preciso alertar que esse sítio arqueológico, embora tombado pelo IPHAN (Instituto do Património Histórico e Artístico Nacional), está totalmente abandonado, merecendo que seja recuperado em prol da legalidade e da história de Bertioga.

Consta do Livro Histórico do IPHAN, nº 381, de 31/03/1965, que já tinha declarado o tombamento do Forte São Luís, o tombamento, por extensão, dos “restos da armação de pescas de baleias também chamada Santo Antonio do Guaibê” (Guaíbe).

Praia da Armação das Baleias – pedras alinhadas.

Praia da Armação das Baleias – pedras alinhadas.

Praia da Armação das Baleias – porto com as pedras alinhadas, formando um cais.

Portinho – estacas alinhadas.

Portinho – estacas alinhadas.

Portinho – estrutura de pedra.

Canaleta de pedra.

Essa escadaria, ao lado da Ermida de Santo Antônio do Guaíbe, é uma das estruturas de acesso as instalações da Armação das Baleias.

Foto publicada por Fernando Martins Lichti, em “Poliantéia de Bertioga”, indicando que essa escadaria dava acesso aos tanques onde era armazenado o azeite de baleia.

Escadaria de pedra de acesso aos tanques.

Calçada de pedra, utilizada como acesso aos inúmeros edifícios que compunham a Armação de Bertioga.

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