História de Bertioga parte 1

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Primeiros habitantes

Os primeiros habitantes de Bertioga foram os “sambaquieiros” ou “sambaquianos”. Eram humanos modernos, da linhagem Homo sapiens, mas não tinham o conhecimento da escrita e não há registros de desenhos pré-históricos em Bertioga. Eram pescadores, caçadores e coletores. Alguns estudos mais recentes revelam o manejo ou cultivo de vegetais. Alimentavam-se, principalmente, de peixes, moluscos e crustáceos, mas também consumiam animais terrestres, tubérculos e frutos. Além disso, formavam uma sociedade complexa, fundamentada na celebração de rituais funerários, servidos por bebida e comida, com o sacrifício de animais.

Considerados como o povo das conchas, são os construtores dos “sambaquis” (concheiros), estruturas formadas por várias camadas de areia e conchas, com idades variando entre 2 mil e 8 mil anos. Destinavam-se ao sepultamento desses nativos e por isso possuem ossos humanos, adornos e instrumentos usados para o ritual funerário. Há pesquisadores que consideram que os sambaquis também eram usados como moradia ou acampamento transitório. 

São formados por estacas de madeira e alicerces de areia e conchas. Possuem o formato e assemelham-se a um pequeno morro. Teoricamente, os parentes eram enterrados abaixo das moradias. As famílias de sambaquieiros talvez ocupassem a parte superior dessa estrutura. Conforme ocorriam novos sepultamentos, eram construídos novos alicerces, aumentando a altura e largura. Os sambaquis eram usados continuamente por vários séculos e gerações de famílias, razão que justifica o tamanho extraordinário que alguns atingiram. Além das conchas e da areia usados para construí-los, nesses sítios costumam ser encontrados vestígios de fogueiras, ossos humanos e de animais terrestres e marinhos, utensílios de pedra polida possivelmente para consumo de alguma bebida nas cerimonias de sepultamento, machados de pedra de todos os tipos, raspadores, trituradores, quebradores de coco, artefatos feitos de ossos de animais, como anzóis, furadores, pontas de flecha, adornos e colares. 

Vários já foram identificados em Bertioga, inclusive mapeados no Plano Diretor, mas nenhum deles foi objeto de estudo arqueológico. Estão completamente cobertos por vegetação, escondidos na mata e, imperceptíveis. É possível que muitos estejam submersos nos manguezais e nos rios adjacentes, pois na época em que foram construídos o nível do mar estava mais baixo. 

O povo sambaquieiro desapareceu quando os Tupi ocuparam o litoral do Sudeste, vindos da Amazônia, o que teria ocorrido há quase 3 mil anos. 

Curiosamente, como no passado os construtores acreditavam que esses sítios eram formações naturais, o Forte São João, o Forte São Luís, a Ermida de Santo Antônio do Guaíbe e diversas instalações da Armação das Baleias foram erguidas com pedras, usando como argamassa os sambaquis, pois as conchas após processadas (trituradas e calcinadas) formavam uma “cal” de ótima qualidade para a construção civil.

 

Os Tamoios (Tupinambás)

É o povo do tronco linguístico Tupi. Ocuparam desde a Baia de Guanabara, no Rio de Janeiro, até Bertioga, com uma população estimada em 70.000 nativos. São também considerados como um grupamento de povos indígenas, sendo o maior deles o povo Tupinambá, liderado por Cunhambebe.

Bertioga nos tempos do descobrimento - 1500

Quando os portugueses chegaram ao Brasil, em 22 de abril de 1500, Bertioga era limite territorial dominado pelos Tamoios e estava localizada em uma linha de transição entre o território dos povos Tamoio/Tupinambá e Tupiniquim.

O povo Tupi dividia-se em dois grandes grupos:

  1. a) “Tamoio/Tupinambá”, que ocupava o litoral do Rio de Janeiro até Bertioga;
  2. b) “Tupiniquim”, ocupando o litoral a partir de Bertioga até Cananéia.

Muito antes do descobrimento do Brasil, esses povos já tinham conflitos territoriais e culturais entre si e que acabaram potencializados com a presença do europeu. A França contestava o Tratado de Tordesilhas, de 1494, que havia concedido o litoral brasileiro à Portugal. Os franceses tornaram-se amigos de ocasião dos Tupinambás, e fundaram em 1555 a “França Antártica”, na Baía de Guanabara (Rio de Janeiro). E os portugueses eram amigos dos Tupiniquins. Cenário de constantes conflitos, sem pudor, sem lei e de extrema violência. Entre 1512 e 1515, naufragou na costa de São Vicente um navio português que explorava o litoral brasileiro. Escaparam do naufrágio os portugueses João Ramalho e Antônio Rodrigues. Em terra, a partir da Barra de Bertioga, pelos lados de São Vicente, estabeleceram um pequeno povoado, logo tomado de assalto pelo Bacharel de Cananéia, Mestre Cosme Fernandes, possivelmente um degredado (condenado por crimes cometidos em Portugal). Luís de Camões disse que a “Terra de Santa Cruz” (Brasil) era pouco sabida. Durante os primeiros trinta anos, segundo o historiador Teodoro Sampaio, foi a terra do degredo. A terra do pau-brasil, ao longo de cujas costas desamparadas, uma série de obscuros povoados, efêmeros e mal aparelhados, incapazes de se defender ou atacar os inimigos, colocavam o europeu sem escrúpulos em contato com o “gentio” da terra, os “brasis”, como lhes chamavam os primeiros autores, descritos como homens embrutecidos, nus, sem fé, sem lei nem rei, que se vendiam a preço vil. Os povoados nada mais eram do que o esconderijo de um punhado de aventureiros, espreitando como roubar, arriscados a ser surpreendidos por outros aventureiros, ladrões como eles.

Expedição de Martim Afonso de Sousa - 1530

Após Dom João III se tornar Rei de Portugal, em 1521, Martim Afonso de Sousa ficou responsável por organizar e comandar a primeira expedição de colonização destinada ao Brasil.

Quem escolheu Martim Afonso de Sousa para chefiar a expedição foi Dom Antônio de Ataíde, o 1º Conde de Castanheira, seu primo-irmão, que reunia amplos poderes em Portugal. Dom Antônio de Ataíde era um estadista português, especializado em finanças. Era o principal conselheiro do Rei para os assuntos gerais de governo, além de controlar a receita e despesa da Coroa Portuguesa. Na infância, Dom Antônio de Ataíde foi o melhor amigo daquele que seria o futuro Rei de Portugal, Dom João III.

Martim Afonso de Sousa nasceu em Vila Viçosa, em 1500 e faleceu em Lisboa no ano de 1564. Era um nobre, militar, administrador colonial. Ele descendia de parentes da família real portuguesa.

Martim Afonso de Sousa, nobre português. Foi o primeiro donatário da Capitania de São Vicente. Permaneceu no Brasil de 1531 a 1533. Em 1533, Antônio de Ataíde nomeia Martim Afonso de Sousa para o cargo de Capitão-mor do Mar da Índia e em 1542 é nomeado Vice-Rei da Índia.

Dom João III, Rei de Portugal. Reinado de 1521 a 1557. Herdou um rico e vasto império. Deu continuação a política de descobrimento e colonização, além de ter estabelecido relações diplomáticas. O seu governo, porém, entro em crise financeira, com um a despesa maior do que a arrecadação, especialmente diante dos casos de corrupção.

Houve um longo período de preparativos para a viagem, escolhendo as melhores embarcações, separando os mantimentos e ferramentas que seriam levados, bem como a equipe de navegação, combate e exploração.

Partiram de Lisboa, em Portugal, em direção ao território brasileiro no dia 03 de dezembro de 1530 com o intuito de explorar, reconhecer e defender a costa brasileira de possíveis incursões de outros povos da Europa. A missão atribuída por Dom João III, chamado de “O Colonizador”, era clara: combater os piratas e contrabandistas, penetrar nas terras (na direção sul – Costa do Ouro e da Prata) para procurar metais preciosos e estabelecer núcleos de povoamento no litoral.

A mais antiga representação do Porto de Lisboa. “Crónica de Dom Afonso Henriques”, publicado em 1505, por Duarte Galvão (1446–1517). Museu dos Condes de Castro Guimarães, Cascais.

Organizaram-se em cinco navios com 400 colonos e tripulantes, que trouxeram sementes de cana-de-açúcar, instrumentos agrícolas, mudas de plantas e animais domesticados. Com Martim Afonso de Sousa, veio seu irmão Pero Lopes de Sousa, além de vários membros da nobreza.

A expedição de Martim Afonso de Sousa era formada de cinco embarcações a vela, formada por mais de 400 pessoas.

Chegaram ao Brasil, no Cabo de Santo Agostinho (Pernambuco), em 31 de janeiro de 1531.

Segundo relatos de Pero Lopes de Sousa, a expedição interceptou naus francesas, chegando a apreender uma “com muita artilharia e pólvora, toda abarrotada de pau-brasil”. No dia 30 de abril de 1531, após deixar alguns tripulantes na região de Pernambuco, escreveu em seu Diário de Navegação que a expedição tinha alcançado o Rio de Janeiro. Por ali permaneceram por três meses.

No dia 1º de agosto de 1531, Pero Lopes de Sousa registrou em seu Diário de Navegação a partida da frota do Rio de Janeiro em direção ao Rio da Prata (no desague das águas do Rio Paraná e Uruguai), em busca dos tesouros da civilização Inca.

No trajeto da expedição, há diversas interpretações sobre o que teria ocorrido no litoral do Estado de São Paulo. Pode ser que Martim Afonso de Sousa, antes de chegar ao Rio da Prata, tenha aportado em Bertioga e realizado a “Conferência de Bertioga”, para que, após o seu retorno, pudesse fundar a Vila de São Vicente. Também é possível que ele tenha passado direto pelo litoral de Bertioga e, após o percurso até o Rio da Prata, retornaram pela costa e aportaram no território em Bertioga para a realização da “Conferência”.

De acordo com a interpretação de Francisco Martins dos Santos, o mais provável é que tenha ocorrido a atuação de Pero Capico e Henrique Montes, além de outros, como Antônio Ribeiro. Eles viviam na região de São Vicente e tinham grande influência com a população indígena, especialmente os “tapanhunhos” e os “maramomis” e devem ter conseguido mensageiros até os campos de João Ramalho, convocando-o para a “Conferência de Bertioga”, assim como Antônio Rodrigues, que vivia no povoado de São Vicente.

Pero Capico foi Capitão do povoado de São Vicente, de 1516 até 1526, subordinado a influência do Bacharel de Cananéia. Depois, retornou para Portugal e foi substituído por Antônio Ribeiro. Pero Capico retorna ao Brasil em 1531, na expedição de Martim Afonso de Sousa, na função de escrivão.

Henrique Montes viveu em São Vicente atuando no tráfico de indígenas escravizados. Retornou para Portugal quando se desentendeu com o Bacharel de Cananéia pela posse de uma ilha para que servisse como prisão aos indígenas da tribo Jurubatuba. Veio novamente ao Brasil em 1531, com a expedição de Martim Afonso de Sousa, na função de prático. Foi morto durante a Guerra de Iguape, pelas forças organizadas por Franciso de Chaves (ou Francisco Chaves), que apoiavam o Bacharel de Cananéia.

Antônio Ribeiro era Capitão da Feitoria ou Capitania de São Vicente, desde 26 de outubro de 1528, como sucessor de Pero Capico.

Antônio Rodrigues era um náufrago, possivelmente degredado, um dos primeiros portugueses a viver em São Vicente, aliado e subordinado ao Bacharel de Cananéia, Mestre Cosme Fernandes. Provavelmente ele era um dos tripulantes da Armada de Francisco de Almeida de 1493. Mas há autores que dizem ter chegado em 1502, 1503 ou 1508. Era sócio de João Ramalho no tráfico de indígenas escravizados. Antônio Rodrigues teve vida marital com uma das filhas do Cacique Piquerobi.

E o mais importante de todos eles, João Ramalho, um português que já estava no Brasil antes da chegada de Martim Afonso de Sousa. Não se sabe ao certo o motivo da vinda dele ao Brasil, como náufrago, aventureiro ou degredado. Conheceu os Tupiniquins e ficou próximo do Cacique Tibiriçá, importante liderança indígena no Planalto Paulista. Por causa da aproximação, terminou se casando com uma das filhas do Cacique Tibiriça, Bartira. Em função dessa união, João Ramalho passou a exercer grande influência entre os nativos.

Uma interpretação possível é que Martim Afonso de Sousa tenha aportado na Barra de Bertioga e ali passado a ordem à João Ramalho para que avisasse o Mestre Cosme Fernandes Pessoa, o Bacharel de Cananéia, que ele deveria abandonar o povoado de São Vicente, em paz.

Após sua primeira passagem por Bertioga, a expedição de Martim Afonso de Sousa seguiu em direção ao litoral sul, em busca de ouro e prata.

Segundo uma das interpretações, quando Martim Afonso de Sousa chegou em Marataiama (Cananéia), em 12 de agosto de 1531, enviou para a terra Pedro Annes, que falava a língua nativa. Após cinco dias, ele retorna com o Bacharel de Cananéia, seu genro Francisco de Chaves e mais seis espanhóis. No encontro, Martim Afonso de Sousa tratou o Bacharel como um Chefe de Estado e doou-lhe uma sesmaria. Ficou acordado que Martim Afonso de Sousa fornecesse homens e armas para que o pessoal do Bacharel trouxesse, em dez meses, ouro, prata e mais 400 indígenas escravizados.

Segundo a “Revista Superinteressante”, em 1524 houve a descoberta da trilha do Peabiru. Acompanhado de alguns náufragos como ele e centenas de carijós, Aleixo Garcia viajou cerca de 2.600 quilômetros a pé e de canoa, abrindo para os europeus o Peabiru (Caminho de São Tomé), uma vasta rede de trilhas indígenas que ligava o litoral brasileiro ao Rio Paraguai. Desbravou florestas e pântanos e enfrentou nativos hostis. Depois de um ano e meio chegou a Cochabamba, na Bolívia, a 150 quilômetros da mina de prata de Potosí, hoje esgotada. Descobriu o império do Rei Inca Huayna Capac, guerreou contra tribos sob o seu domínio e saqueou peças de ouro. Embora Aleixo Garcia e seus homens tenham sido mortos antes de retornar, mensageiros voltaram a Santa Catarina e confirmaram os relatos indígenas. Da Europa, foram mandadas expedições para refazer esse caminho. A expedição de Martim Afonso de Sousa se interessou pela possibilidade de acessar o Império Inca por um caminho mais fácil, sugerido pelo Bacharel de Cananéia.

Assim sendo, Pero Lobo, da expedição de Martim Afonso de Sousa e seus homens, mais Francisco de Chaves e seus homens, adentraram na mata com o objetivo de atacar o Império Inca que se localizava à 2.000 quilômetros dali. Eles seguiram uma trilha chamada de Caminho do Peabiru. Nunca mais foram vistos. Triste fim para todos os que investiram nessa empreitada, pois foram massacrados pelo Povo Payaguá.

Com a morte de Pero Lobo na tentativa de chegar a Potosi, Pero de Góis, também da esquadra de Martim Afonso de Sousa, mandou o Bacharel de Cananéia se entregar e prestar obediência à Coroa Portuguesa.

O Bacharel abandonou o sítio de São Vicente e retornou à Cananéia.

Martim Afonso de Sousa volta para a Barra de Bertioga em dezembro de 1531 para ir em direção à São Vicente, fundando a Vila em 22 de janeiro de 1532.

Porém, o Bacharel de Cananéia não se entregou e não reconheceu a região como sendo de domínio português. Ameaçado de pena de morte, não teve dúvida, reuniu 200 homens, armamentos de um navio francês que aportara em Cananéia e, protegido por uma trincheira e homens escondidos nos manguezais na barra do Icapara (atual cidade de Iguape), esperaram a chegada dos portugueses que vieram pelo mar e foram emboscados. Foi uma luta sangrenta, onde Pero de Góis saiu ferido e muitos morreram. O evento ficou conhecido como Entrincheiramento de Iguape.

Algum tempo depois, o Bacharel de Cananéia e seus homens partiram embarcados em um navio francês para atacar a Vila de São Vicente, onde apenas um terço dos habitantes sobreviveu. Foi a chamada Guerra de Iguape. O fim do misterioso Bacharel de Cananeia também é incerto. Sabe-se que ele, depois de massacrar a Vila de São Vicente, voltou para Cananéia e expandiu seu domínio na região.

Martim Afonso de Sousa retornou para Portugal e a Vila de São Vicente prosseguiu como um importante centro econômico da colônia.

Segundo o site “Info Escola”, em 1533, Martim Afonso de Sousa voltou a Portugal e, um ano depois, após ganhar nomeação de Capitão-mor do mar das Índias, passou a defender as feitorias de Portugal, que estavam constantemente sendo atacadas por corsários e tripulações de outros países. Desta forma, tornou-se um líder e organizou com êxito várias operações de cunho militar. Martim Afonso de Sousa tornou-se Vice-Rei das Índias no ano de 1542. Um ano depois, voltou para seu país de origem e tornou-se importante personalidade nas decisões do conselho de Portugal. Porém, segundo a opinião de alguns historiadores, dentre eles Eduardo Bueno, ele foi obrigado a se afastar de cargos públicos, pois, naquela época, estava sendo acusado de enriquecer de forma ilícita (corrupção).

Chegada de Martim Afonso de Sousa e a Conferência de Bertioga - 1531

A história começa em 1531 com a passagem de Martim Afonso de Sousa pela Barra de Bertioga e a realização da “Conferência de Bertioga”, juntamente com João Ramalho e Antônio Rodrigues, para expulsão do Bacharel de Cananéia Mestre Cosme Fernandes (ou Cosme Fernandes Pessoa), que chefiava de modo clandestino e ilegal o povoado de São Vicente, para que ali fosse oficialmente fundada a Vila de São Vicente, cumprindo ordens do Rei de Portugal, Dom João III. Era chamado de Mestre/Bacharel porque deveria ter algum tipo de formação superior.

Acredita-se que o Bacharel de Cananéia, como era conhecido, veio ao Brasil na expedição de Gaspar de Lemos, em 1501, ou na expedição de Gonçalo Coelho, em 1502, as duas com o auxílio do experiente navegador Américo Vespúcio. Para outros autores, ele teria vindo ao Brasil antes, em uma expedição não oficial de Bartolomeu Dias ou na Armada de Francisco de Almeida, desembarcando no Brasil em 1493.

Deveria ser um degredado, condenado por crimes cometidos em Portugal ou banido por ser judeu. O Rei de Portugal Dom Manoel I (que reinou de 1495 a 1521), assinou em 5 de dezembro de 1496 o Decreto de Expulsão dos judeus de Portugal. Logo conquistou a liderança dos demais degredados. Teve várias mulheres indígenas e descendentes, proporcionando que fosse aceito pelos povos nativos. Era um “rei branco” entre eles.

Liderava um grupo formado por portugueses, espanhóis e indígenas, vivendo do abastecimento de navios que apareciam no litoral, com alimentos e água, fornecendo informações, atuado como intérprete, vendendo pequenas embarcações que o próprio grupo fabricava e comercializando indígenas escravizados.

O Bacharel de Cananéia assumiu a feitoria de São Vicente na década de 1510, instalando ali um estaleiro e um porto destinado ao tráfico de indígenas escravizados. Passou também a abastecer as embarcações que por ali passavam em direção ao Rio da Prata, no Paraguai. Ele é considerado como o fundador do primeiro povoado de São Vicente, o responsável pela construção da antiga Casa de Pedra. Dominava o comércio local e ganhou a confiança dos Tupiniquins ao se casar com uma das filhas do Cacique Piquerobi. No povoado de São Vicente também vivia Antônio Rodrigues.

O Rei de Portugal, Dom João III, que governou de 1521 a 1557, não queria um degredado como governante da vila que estava prestes a fundar. Também incomodava a Coroa Portuguesa o fato do Bacharel não se submeter os mandamentos do Rei, tal como apresentar relatórios e pagar impostos. Atuava livremente e Portugal decidiu intervir naquele povoado, tomando o para si.

Bertioga é um local estratégico e Martim Afonso de Sousa determina a instalação de um posto de observação com destacamento de alguns soldados no sítio de Bertioga, na margem direita de entrada da Barra. Frei Gaspar da Madre de Deus chamou de “Torre da Bertioga”, para controlar e proteger a entrada para o povoado de São Vicente. Foi construído com o auxílio de João Ramalho e seus amigos Tupiniquins, mas não permaneceu por muito tempo ativo, logo sendo abandonado.

É ali que se realiza a “Conferência de Bertioga”, onde Martim Afonso de Sousa transmite à João Ramalho e Antônio Rodrigues a ordem do Rei de Portugal, determinando que o Bacharel Mestre Cosme Fernandes abandone o povoado de São Vicente e retorne para Cananéia com toda sua família e subordinados, ou submeta-se a força dos canhões das esquadras portuguesas. O Bacharel optou por retornar em paz para Cananéia com a família. Martim Afonso de Sousa funda em 22 de janeiro de 1532 a Vila de São Vicente.

Baia de São Vicente – Tela de Benedito Calixto

Porto das Naus, São Vicente. Tela de Benedito Calixto.

Porto das Naus, São Vicente. Tela de Benedito Calixto.

Chegada de Martim Afonso de Sousa ao Porto das Naus, em 1532, em São Vicente. Tela de Benedito Calixto.

Fundação de São Vicente em 22 de janeiro de 1532, logo após a “Conferência de Bertioga” e a expulsão do Bacharel de Cananéia. Tela de Benedito Calixto.

A primeira fortaleza: a Torre da Bertioga – 1531

Frei Gaspar da Madre de Deus escreveu em “Memórias para a história da Capitania de São Vicente”, a existência da “Torre da Bertioga”, uma espécie de fortim ou posto de observação, feito inteiramente de madeira e de modo muito precário para abrigar a esquadra de Martim Afonso de Sousa em terra. Foi construído no mesmo local onde se encontra o Forte São João.

 

Alberto Sousa, biógrafo de José Bonifácio de Andrada e Silva, em seu livro “Os Andradas”, confirma a existência dessa primitiva fortificação erguida no ano de 1531. Francisco Martins dos Santos não discorda dessa interpretação, mas ressalta que logo foi abandonada.

 

O Instituto Histórico e Geográfico Guarujá-Bertioga, quando da presidência de Lucia Piza Figueira de Mello Falkenberg, no Guia do Museu João Ramalho, faz uma interpretação diferente e isolada dos demais autores, afirmando que essa fortificação erguida a mando de Martim Afonso de Sousa, era a “paliçada” (estacada) construída em 1532 por Diogo de Braga e seus filhos. Esse é um ponto de conflito nas versões, pois sabemos que todos os autores dizem que a “paliçada” foi executada no ano de 1547.

 

Já Adler Homero Fonseca de Castro, em sua obra “Muralhas de Pedra, Canhões de Bronze e Homens de Ferro”, se opõe a interpretação de existência de qualquer instalação no sítio de Bertioga antes de 1547, aduzindo que essa versão “não é confirmada por outros documentos da época da fundação da colonização”. Ele considera que os poucos recursos da Coroa Portuguesa foram usados para instalações na recém fundada Vila de São Vicente. Para Adler, a primeira fortificação foi a “paliçada”, erguida em 1547.

Capitania de Santo Amaro – 1534

Para colocar fim aos povoados ocupados por degredados e melhor controlar a costa brasileira contra os invasores, Portugal decide implantar um sistema de colonização feudal, beneficiando os favoritos da corte, funcionários enriquecidos, cumulados de privilégios e prerrogativas quase majestáticas.

O Rei de Portugal, na tentativa de estabelecer o ordenamento e controle da ocupação e colonização, implanta a partir de 1534 as “capitanias hereditárias”, um sistema administrativo dividindo o Brasil em territórios e distribuindo a posse dele aos “donatários”, transferível aos herdeiros.

Segundo o site “Brasil Escola”, considerando o território português no Brasil estabelecido pelo Tratado de Tordesilhas, as “capitanias hereditárias” consistiam basicamente na divisão do território em 15 faixas de terra, que seriam entregues a portugueses responsáveis pelo povoamento da capitania, além do seu desenvolvimento econômico. Esse modelo das capitanias foi utilizado pela Coroa Portuguesa em algumas de suas ilhas atlânticas (Açores e Cabo Verde) e, como havia tido sucesso lá, os portugueses optaram por implantá-lo no Brasil.

Dom Antônio de Ataíde, o estadista e conselheiro pessoal de governo do Rei de Portugal, ficou responsável por desenvolver a política de divisão do Brasil em capitanias, a indicação dos donatários e a distribuição de sesmarias.

Martim Afonso de Sousa foi o primeiro donatário, ficando com a Capitania de São Vicente, que era dividida em duas partes, e por isso gerava muito conflito para estabelecer os limites entre as Capitanias de São Vicente e Santo Amaro.

Pero Lopes de Sousa, irmão de Martim Afonso de Sousa, ficou como donatário da Capitania de Santo Amaro, da qual fazia parte Bertioga.

O Tratado de Tordesilhas foi um acordo internacional assinado na povoação castelhana de Tordesilhas em 7 de junho de 1494, celebrado entre o Reino de Portugal e a Coroa de Castela (Espanha) para dividir as terras “descobertas e por descobrir” por ambas as Coroas fora da Europa.

Imagem do site “Suporte Geográfico”. A linha do Tratado de Tordesilhas, dividindo os territórios de Portugal e Espanha.

Estudo de Jorge Cintra, Professor da Escola Politécnica da USP e membro do Instituto Histórico Geográfico de São Paulo. Imagem Agência O Globo. A divisão do território brasileiro em capitanias hereditárias. No extremo sul do mapa é possível visualizar a Capitania de Santo Amaro e a Barra de Bertioga.

Mapa indicando no centro da imagem o limite entre a Capitania de São Vicente e a Capitania de Santo Amaro. Além disso, do lado direito, na extremidade da imagem, indica a Barra da Bertioga dentro da Capitania de Santo Amaro. Desenhado em 1631 por João Teixeira Albernás.

Segundo o livro “História de São Paulo colonial”, a sua área ia da foz do rio Juqueriquerê, em Caraguatatuba, a Bertioga (de norte a sul da costa paulista). A capitania, sem recursos naturais de importância e sem ligações com o Planalto, não se desenvolve. As únicas ações visando a ocupar o território são a construção dos Fortes de São Thiago (São João) e São Filipe (São Luís), destinados a proteção do porto de Santos, uma beneficiadora de óleo de baleia no extremo norte da ilha, na desembocadura do canal de Bertioga e a ação de alguns grupos de jesuítas para a catequese de nativos. Com o tempo, passou a ser, na prática, parte da Capitania de São Vicente, passando a compartilhar com Santo Amaro o mesmo donatário a partir da década de 1620.

Pero Lopes de Sousa casou-se com Isabel de Gamboa da qual teve 3 filhos: “Martim Afonso de Sousa”, 2.º donatário das capitanias de Itamaracá, Santo Amaro e Santana, “Pero Lopes de Sousa (filho)” e “Jerônima de Albuquerque e Sousa”, 3.ª donatária das capitanias de Itamaracá, Santo Amaro e Santana.

Pero Lopes de Sousa, em uma expedição por Madagascar, morre afogado em 1539. A viúva e tutora dos filhos menores, Isabel de Gamboa, tornou Cristovão de Aguiar de Altero o Capitão-mor da Capitania de Santo Amaro. Depois, foi sucedido no cargo por Jorge Ferreira. Mais tarde, assumiu essa função o nobre português Antônio Rodrigues de Almeida.

Os primeiros donos de terras de Bertioga - 1537

Certamente os primeiros donos de terras em Bertioga foram os povos originários que viveram aqui há milhares de anos.

A propriedade da terra, pelo ordenamento jurídico moderno, compreende como sendo o primeiro proprietário de terras de Bertioga o donatário da Capitania de Santo Amaro, da qual Bertioga fazia parte: Pero Lopes de Sousa, o irmão mais velho de Martim Afonso de Sousa.

O donatário, seus herdeiros e procuradores realizaram a transferência de diversas glebas aos colonos portugueses e a Igreja Católica, através das “sesmarias”.

Sesmaria era um lote de terras distribuído a um beneficiário, em nome do Rei de Portugal, com o objetivo de cultivar terras virgens. Consistia em um negócio jurídico formal. Com a adoção do sistema de sesmaria, a Coroa Portuguesa pretendia cultivar as terras de sua colônia na América e povoar o novo território recém-conhecido.

Com o desenvolvimento de Santos e São Vicente, os colonos portugueses precisavam encontrar novos terrenos para o cultivo dos alimentos e demais produtos que movimentavam a economia local.

Segundo Francisco Martins dos Santos abrindo-se os documentos iniciais da história santista e vicentina, verifica-se que eram muitos os pioneiros da penetração agrícola em Bertioga, que viam em suas terras úmidas, principalmente às margens dos cursos d’água, glebas ideais para a produção de cana-de-açúcar, arroz,  feijão, milho, algodão, e para a localização de engenhos, maiores ou menores, para fornecimento às duas vilas e aos navios que ali fundeavam, no porto da Capitania, a pouca distância deles.

Diante do interesse nas terras de Bertioga, as sesmarias foram largamente adotadas em Bertioga. Pela precariedade e contradição dos registros históricos, talvez seja impossível afirmar qual foi a primeira delas concedida para os sítios de Bertioga.

De acordo com Frei Gaspar da Madre de Deus, em carta de sesmaria 26 de agosto de 1537, são reconhecidas as terras de Gonçalo Afonso pelo Capitão-mor de São Vicente, Gonçalo Monteiro. Afirmava Gonçalo Afonso que essas terras foram doadas a ele por Martim Afonso de Sousa alguns anos antes. Ele foi bombardeiro na expedição de Martim Afonso de Sousa e Ouvidor da Capitânia de Santo Amaro. Mas logo Gonçalo Afonso abandonou essas terras.

Ainda segundo Frei Gaspar da Madre de Deus, consta que no dia 12 de janeiro de 1545 Jorge Pires recebeu em doação de Antônio Rodrigues de Almeida a sesmaria em Bertioga que pertencia a Gonçalo Afonso.

Diogo Rodrigues e José Adorno, desde 1545, já dominavam e ocupavam parte das terras de Bertioga, confirmadas oficialmente em 1557 por Antônio Rodrigues de Almeida, que tinha procuração para administrar a Capitania de Santo Amaro, da qual Bertioga fazia parte.

Em 8 de julho de 1557, Antônio Rodrigues de Almeida concede para Paschoal Fernandes e sua esposa as terras que iam da Barra de Bertioga até São Sebastião, no trecho praia, incluindo as fortificações. Paschoal Fernandes residia isolado com sua família no Forte São Felipe (Forte São Luís). Era o “condestável” oficial, isto é, o chefe de artilharia dessa fortificação e do sítio de Bertioga. Depois, parte dessas terras foram transferidas por Paschoal Fernandes para Rodrigues Alvares e Sebastião Fernandes.

Em 6 de maio de 1566 Antônio Rodrigues de Almeida, Capitão da Capitania de Santo Amaro, concede para Domingos Garocho as terras para além de Bertioga, a partir do Morro de Buriquióca (Morro das Senhorinhas).

Consultando os Anais da Biblioteca Nacional, vimos que em 1568 parte das terras de Bertioga foram doadas ao Padre Fernão Luiz Carapeto. Essas terras foram depois doadas por ele ao Colégio de Jesuítas do Rio de Janeiro, fundado um ano antes. Esse negócio jurídico foi testemunhado por Lourenço Esteves, no dia 6 de fevereiro de 1573. Fernão Luís Carapeto foi Vigário de Santos (de 1550 a 1555) e de Bertioga (de 1555 a 1556).

Também foram proprietários de terras em Bertioga, no século XVI: Estevam Raposo Bocarro, Cristóvão Monteiro (sogro de José Adorno), Pedro Fernandes, Simão Machado, Jerônimo Rodrigues (o despenseiro de João de Sousa).

A segunda fortaleza: a paliçada - 1547

João Ramalho nasceu em 1493, em Portugal, considerado por alguns historiadores como náufrago ou degredado, casou-se com Bartira, filha do poderoso Cacique Tibiriça, o que lhe fez ter poder e prestígio entre os Tupiniquins. 

 

Por isso, também deve ter sido João Ramalho quem autorizou ou determinou a construção de uma nova estrutura na Barra de Bertioga capaz de impedir a invasão de inimigos Tamoios à Vila de São Vicente. Uma estrutura que fosse maior e mais resistente que a anterior. Diego de Braga deve ter sido encarregado por João Ramalho dessa missão. 

 

Diego de Braga, para alguns autores, seria um degredado ou náufrago, vivendo com sua família nas imediações de São Vicente e ser de confiança da João Ramalho. 

 

Hans Staden conheceu Diego de Braga em 1552 e escreveu que ele era um português, casado com uma indígena. Eles tiveram cinco filhos, todos jovens, mas já adultos nessa época: João de Braga, Diogo de Braga, Domingos de Braga, Francisco de Braga e André de Braga. Segundo o historiador Francisco Martins dos Santos, eles são os primeiros brasileiros que se tem notícia, em razão da miscigenação de branco com indígena, resultando nos chamados “brasis”, isto é, os nascidos no Brasil, tal como os europeus denominavam. E é a primeira família de moradores de Bertioga.  

 

Em 1547, Diego de Braga, os seus cinco filhos, além de Tupiniquins e descendentes, constroem no mesmo lugar do antigo posto de observação uma fortificação de madeira, maior, mais imponente e protegida, denominada de diversas formas pelos autores: “paliçada”, “estacada”, “trincheira” ou “caiçara”. Pelo relato de Hans Staden, era um cercado reforçado de estacas de madeira, com algumas cabanas e uma casa forte, no centro. O ano de 1547 pode ser considerado como o início do povoamento de Bertioga. Estava fundada a Vila de Bertioga. A discussão que pode ser estabelecida é se essa casa forte era uma estrutura de pau-a-pique ou de alvenaria (cal e pedras). Ela resistiu ao ataque dos nativos, preservando a vida e a integridade daqueles que estavam em seu interior. 

Gravura de uma aldeia fortificada, no livro “Duas Viagens ao Brasil”, de autoria de Hans Staden. É possível interpretar que a “paliçada” de Bertioga fosse muito semelhante a esse desenho.

Desenho datado de 1556, de Théodore de Bry. É possível observar que Bertioga (Brikioka) foi posicionada no lado esquerdo do desenho, isto é, ao inverso. Théodore de Bry nunca esteve no Brasil, e alguns historiadores consideram que nem todos os seus desenhos representam a exata realidade. De qualquer modo, seus desenhos são os primeiros registros da terra recém-descoberta. Destaca-se deste desenho a aldeia de Bertioga. Com uma estacada e uma cidadela ou casa forte em seu interior.

Para Adler Homero Fonseca de Castro, em sua obra “Muralhas de Pedra, Canhões de Bronze e Homens de Ferro”, essa casa forte era feita de barro. E poderia ser totalmente de barro e madeira, inclusive sua cobertura, sem nada de palha, o que teria impedido que os nativos a incendiassem no ataque de 1547. Gravuras no livro de Hans Staden parecem confirmar isso, embora desenhadas por artistas europeus que nunca vieram ao Brasil, foram produzidas na época segundo os relatos do próprio Hans Staden. 

 

Segundo consulta oficial ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, a placa com o ano de 1547, localizada encima da porta da antiga entrada principal, ao lado do Forte São João (Forte São Thiago), e de frente para o Canal de Bertioga, foi instalada ali entre as décadas de 1960 e 1970 pelo Instituto Histórico e Geográfico Guarujá-Bertioga, que considerava o ano de 1547 como data de possível construção “de um forte que pudesse oferecer maior resistência aos ataques inimigos, do qual, os Irmãos Braga, unindo-se a sobreviventes e a novos colonos, levantaram as fundações da fortificação no mesmo local da antiga paliçada”. Nesta versão, do Instituto Histórico e Geográfico Guarujá-Bertioga, o Forte São Thiago, de alvenaria (cal e pedra), com os mesmos traços da fortaleza atual, teria sido erguido em 1547.  

 

O IPHAN, ainda em parecer oficial, questiona essa versão, alegando que em 1547 o que existia era apenas a “paliçada” construída por Diogo de Braga e os filhos. 

 

Mas o historiador José da Costa e Silva Sobrinho confirma a interpretação do Instituto Histórico e Geográfico Guarujá-Bertioga, aduzindo que no “Arquivo da Câmara de São Vicente, livro de vereações de 18 de fevereiro 1557”, consta que na Barra de Bertioga, quando foi determinada a construção de uma nova fortificação, em 1551, isso foi feito em substituição a outra que já existia, possivelmente a de 1547. A conclusão é que somente pode ser substituído aquilo que já existe. Se já existia uma fortificação de alvenaria, foi ela substituída por outra de alvenaria. 

 

Frei Gaspar da Madre de Deus, em “Memórias para a história da Capitania de São Vicente”, disse que “ordenaram com beneplácito de ambos os povos, que à custa deles se levantasse outra fortaleza de pedra e barro defronte da primeira”. Se a ordem foi para a execução de uma outra “fortaleza de pedra e barro”, isso pode ser interpretado como existindo uma anterior, também de “pedra e barro”. Talvez essa construção que Frei Gaspar disse feita de “pedra e barro” fosse a casa forte, que ficava ao centro da “paliçada”, construída em 1547.  

 

A versão que a “paliçada” de 1547 não era constituída só de estacas de madeira, mas também de uma casa de barro, é amplamente acolhida pelos historiadores, mas era muito diferente do desenho e da estrutura do forte atual.   

 

Francisco Martins dos Santos, analisando o livro de Hans Staden, considera que havia uma casa forte em 1547, mas não conclui que fosse uma casa de alvenaria (pedra e cal). Essa casa forte poderia ser de pau-a-pique (barro e madeira).  

 

Independentemente de ser de “pedra e cal” ou ser de “barro e madeira”, é fato incontroverso que em 1547 existia uma fortificação na Barra de Bertioga. 

A destruição da fortaleza - 1551

A vegetação ao redor da fortificação foi parcialmente cortada e queimada, para posterior cultivo da terra. Os Tupinambás quando viram a fumaça, o fogo e a construção dos portugueses, teriam gritado “caiçara”, como uma forma de designar a estrutura de madeira e a intervenção agressiva do homem branco na natureza, local de onde os indígenas retiravam tudo o que precisavam para viver, a comida, a água, as folhas, a madeira, a caça, não sendo para eles compreensível tamanha violência com o meio ambiente do qual eles vivem e estão conectados espiritualmente. Era o lugar onde eles vinham anualmente pescar a tainha. O cheiro da fumaça, os pássaros e animais fugindo assustados, era um cenário que atormentou os nativos.

Derrubada do pau-brasil. Tela de André Thevet 

Os Tupinambás planejaram um ataque à noite, com mais de setenta canoas e centenas de homens. Os moradores do sítio de Bertioga, concentrados dentro da fortificação de madeira, foram surpreendidos e pouco puderam fazer. Houve uma resistência, mas eram muitos no ataque. Os moradores foram mortos. Somente conseguiram sobreviver a família de Diogo de Braga e alguns agregados, por terem se refugiado na casa forte no centro da “paliçada”, de onde assistiram a carnificina. Todo o resto foi incendiado. Como as vítimas eram em número inferior aos indígenas, repartiam os mortos entre si, disputando quem ficaria com as melhores partes, levando tudo para a aldeia.

Gravura de um ataque a aldeia fortificada, no livro “Duas Viagens ao Brasil”, de autoria de Hans Staden 

Os Tupinambás praticavam a antropofagia, que consistia em uma espécie de ritual espiritual de comer a carne do inimigo, com uma bebida fermentada de milho e frutas, o “cauim”, preparado apenas pelas mulheres. Há divergência entre os autores sobre a data da destruição da fortaleza de paliçada, com a casa forte ao centro, feita pela família de Diogo de Braga. Para Francisco Martins dos Santos e Fernando Martins Lichti o ataque indígena teria ocorrido no mesmo ano de sua construção, em 1547. Já no livro “Arquitetura Militar, um panorama histórico a partir do Porto de Santos”, os autores Victor Hugo Mori, Carlos A. Cerqueira Lemos e Adler H. Fonseca de Castro, consideram que a paliçada foi destruída em 1551, partindo da interpretação do livro de Hans Staden, Duas Viagens ao Brasil, no qual o autor menciona que a destruição da fortificação teria ocorrido “dois anos antes de sua chegada”, não a São Vicente, mas a Bertioga, que ocorreu em dezembro de 1552, começo de 1553. A versão de que a fortaleza foi destruída em 1551 é coerente com a Carta do Irmão Diogo Jácome de São Vicente, escrita aos padres e irmãos de Coimbra, em 1551, no qual descreve o ataque e a destruição da fortaleza localizada em Bertioga, ocorridos “agora há poucos dias”.

Hans Staden ao fundo, de barba ruiva, assistindo o ritual antropofágico dos Tupinambás, durante seu período no cativeiro – Pintura de Theodor de Bry baseada no relato de Hans Staden. 1593.

A terceira fortaleza: construída por ordem do Rei de Portugal – 1557/1560

Diante desse conflito chocante e preocupado em defender as terras recém-descobertas, o Rei de Portugal Dom João III manda construir uma fortaleza de pedra. É a primeira construção oficial da Coroa Portuguesa no Brasil. Ficou como responsável por coordenar a construção o nobre português Antônio Rodrigues de Almeida.  

Por Provisão Régia de 18 de junho de 1551, o Rei Dom João III determinou que no local fosse erguida uma fortaleza, destinando recursos para essa finalidade. O historiador Affonso d’Escragnolle Taunay escreveu que era tão importante a posição da fortificação que o próprio Rei de Portugal, Dom João III, ordenou “que se refortificasse a barra da Bertioga autorizando o Governo Geral do Brasil a despender a esta obra a soma enorme para a época, de três mil cruzados”.

Dom João III, Rei de Portugal, de 1521 a 1557.

Embora a moeda oficial de Portugal fosse o “real”, nas transações comerciais da Coroa Portuguesa com outras nações a moeda aceita era o “cruzado de ouro”, moeda comemorativa, que se tornou forte e respeitada. No tempo do Rei Dom João III, cada moeda de “cruzado de ouro” equivalia a 400 “reais” (moeda oficial de Portugal). A moeda era cunhada toda em ouro e pesava quase um grama.

Moeda portuguesa chamada de “cruzado de ouro”. Embora a moeda oficial de Portugal fosse o “real”, era comum os documentos da época mencionarem os valores em “cruzados”.

Com grandes divergências entre os autores, a construção foi concluída total ou parcialmente em 1560, recebendo o nome de Forte São Thiago (Forte São João), em homenagem a Capela de São Thiago, anexa ao prédio do quartel. Nessa mesma época, são erguidos o Forte São Felipe (Forte São Luís) e a Capela de Santo Antônio do Guaíbe, na Ilha de Santo Amaro.  

Sem mencionar o nome de São Thiago, o Padre Fernão Cardim, acompanhando em 1585 o Padre Christovão Gouvêa à São Vicente, narra a existência de uma estrutura em Bertioga. Disse ele: a fortaleza é coisa formosa, parece-se ao longe com a Torre de Belém e tem outra menor de fronte (Forte São Felipe), e ambas se ajudavam uma à outra no tempo das guerras.

A fortaleza de 1531, chamada de “Torre da Bertioga”, por Frei Gaspar da Madre de Deus, e a fortaleza de 1547, indicada como sendo uma “paliçada com a casa forte ao centro”, conforme relatou Hans Staden, não possuíam uma denominação. Não há nenhum registro histórico sobre isso.

A denominação São Thiago surge a partir da fortaleza de alvenaria, erguida conforme Provisão Régia de Dom João III. No entanto, esse documento oficial não citava o nome que seria atribuído a nova fortaleza.

No “Translado da Nomeação” do Padre Fernão Luiz Carapeto para a Vila de Bertioga, de 22 de dezembro de 1555, consta a sua designação para a “Vigairaria de Santigo da Britioga”. Estava se referindo a Capela de São Thiago, parte integrante do quartel da fortaleza. Os historiadores apresentam datas divergentes, mas presume-se que mesmo antes da conclusão das obras da fortaleza, em 1560, construída por ordem do Rei de Portugal, já se atribuía o nome de São Thiago a sua capela.

Pela ausência de documentos oficiais, é provável que a partir da denominação da capela é que a fortaleza passou a ser chamada de São Thiago. 

Um dos registros históricos mais antigos da fortaleza é o “Mapa de São Vicente”, de Luis Teixeira, de 1574, indicando a existência do Forte São Thiago (Forte São João) ou, como denomina, “Fortaleza de S. Thiago”:

Mapa de São Vicente, de Luis Teixeira, de 1574. Detalhe para a Fortaleza de S. Thiago (Forte São Thiago/Forte São João).

O Tratado Descritivo do Brasil, obra de Gabriel Soares de Sousa, de 1587, também é um documento peculiar na história de Bertioga, pois se refere a fortificação como “S. Thiago”, confirmando o seu nome primitivo, e que estaria armado com “bombardeiros e artilharia”.

Por volta de 1760, isto é, dois séculos depois, é ampliado o Forte São Thiago (Forte São João) de 100 m² para 250m². Desde então, mantém o mesmo desenho e estrutura, com algumas restaurações.  

O Forte foi construído originalmente com blocos de pedras e argamassa, composta de sambaqui e areia. Na ampliação e restauração do século XVIII foi usado o mesmo tipo de material, além de óleo de baleia. Já na restauração de 1941, parte das “cortinas” que estavam deterioradas foram cobertas com “cal de marisco”, em substituição ao “sambaqui”. Essa restauração manteve muito das características da fortificação reformada e ampliada no século XVIII.

Forte São João em detalhes: as cortinas, a plataforma de armas/terrapleno, o quartel (museu) e a tenalha (muro de pedras). 

O Forte São Thiago (Forte São João) é formado por duas estruturas principais:

a) o terrapleno, também chamado de plataforma de armas ou baluarte, é a estrutura retangular de pedras, armada com canhões, e com as duas guaritas;

b) o quartel (atual Museu João Ramalho), é uma casa com paredes de pedra e cal, e com telhado de cerâmica, que servia como alojamento para os soldados, para o armazenamento da pólvora e demais instrumentos de artilharia, além de contar com a Capela de São Thiago.

O terrapleno possuía uma estrutura central retangular de pedras e era revestido por uma parede também de pedras, chamada de “cortina”, com aproximadamente 50 centímetros de largura. A “cortina” era coberta por uma parede caiada, de no máximo cinco centímetros, preparada originalmente a partir da “cal de sambaqui”.

O telhado do quartel era de “duas águas”, diverso do telhado atual, que possivelmente após uma reforma no século XVIII passou a ser de “quatro águas”.

Além disso, na fortaleza construída em 1560, não existia a “tenalha”, isto é, o muro de pedras ao redor do quartel, em formato de “rabo de peixe”, que somente foi incluído em reforma posterior.

(A) Cortinas, espécie de parede de pedras e cal que envolvem o terrapleno. (B) Plataforma de armas ou terrapleno. (C) Guarita. (D) Braseiro.

Visão do Forte São Thiago, em 1560 (século XVI): a plataforma de armas (terrapleno) e o detalhe para a cortina, que reveste o terrapleno. O telhado era de duas águas. A tenalha somente foi executada no século XVIII. Imagem publicada em 2018, no livro “Arquitetura Militar: um panorama histórico a partir do Porto de Santos”, de autoria de Victor Hugo Mori, Carlos A. Cerqueira Lemos e Adler H. Fonseca de Castro.

Visão interna do Forte São Thiago, em 1560 (século XVI): plataforma de armas, Capela de São Thiago, quartel dos soldados, despensa, sala de jantar dos soldados, alojamento dos oficiais, alpendre. Detalhe para o “oitão” para formar o telhado de duas águas. A tenalha somente foi executada no século XVIII. Imagem publicada em 2018, no livro “Arquitetura Militar: um panorama histórico a partir do Porto de Santos”, de autoria de Victor Hugo Mori, Carlos A. Cerqueira Lemos e Adler H. Fonseca de Castro.

Detalhe de como é a estrutura da fortificação: pedras e cal.

Em 1751 foi elaborada uma planta por Luís Antônio de Sá Queiroga com o projeto de reforma do Forte. Reproduzindo essa planta na imagem abaixo, está indicada em “azul” a área da antiga fortaleza quinhentista de 100 m² e em “vermelho” a área que seria ampliada para os 250m² atuais:

A parte azul da imagem acima mostra a área ocupada pela fortaleza original do século XVI, isto é, o terrapleno (plataforma de armas). Também é possível observar, em linhas pretas, a área ocupada pelo quartel (Museu João Ramalho), que possivelmente foi construído junto com a fortaleza original. Em vermelho, observamos a ampliação do terrapleno realizada no século XVIII. Também em vermelho, ao redor do quartel, está a tenalha (muro de pedras), somente executado no século XVIII. Planta de Luís Antônio de Sá Queiroga – Arquivo Ultramarino – 1751.

A planta acima demonstra a ampliação do Forte. Não indica sua demolição ou reconstrução. É possível que existam partes do Forte São João que sejam originais, especialmente a matéria-prima e parte das rochas que seriam, naturalmente, reaproveitadas em uma reconstrução. Já o prédio do quartel (onde atualmente é o Museu João Ramalho), não houve modificação na planta original, mas em razão de muitas reformas, somete uma de suas paredes conserva a estrutura original do século XVI.

Uma interpretação possível de como deveria ser a estrutura original, construída por ordem do Rei de Portugal, é que seria muito semelhante a fortaleza atual, no mesmo local e formato, com duas guaritas, revestido o terrapleno com uma parede caiada, com três principais diferenças: a) o terrapleno ou plataforma de armas era menor, com apenas 100m², menos da metade do tamanho atual; b) o telhado do quartel era de “duas águas”, mas o prédio deveria ser do mesmo tamanho do atual; c) não existia a tenalha (muro de pedras em formato de rabo de peixe, no entorno do quartel).

A linha em vermelho indica a área ocupada pela estrutura atual. A imagem acima do terrapleno (plataforma de armas) é uma reprodução reduzida do forte, podendo, hipoteticamente, ser essa a sua forma original, construída no século XVI. O quartel (Museu João Ramalho) deveria possuir o mesmo tamanho atual, mas o telhado era de “duas águas” e não existia a tenalha (muro no entorno do quartel), indicada em vermelho na imagem acima. Imagem publicada em 2018, no livro “Arquitetura Militar: um panorama histórico a partir do Porto de Santos”, de autoria de Victor Hugo Mori, Carlos A. Cerqueira Lemos e Adler H. Fonseca de Castro.

Segundo o artigo “Aspectos geológicos, históricos e estado de conservação das fortificações da Baixada Santista”, de autoria de Vanessa Costa Mucivuna, Eliane Aparecida Del Lama e Maria da Glória Motta Garcia, publicado na Revista do Instituto Geológico da USP, atualmente, pouco resta da construção original de 1560 (século XVI), que era feita essencialmente de pedras. Apenas a escada que dá acesso à plataforma das armas, parte de uma das paredes do quartel (Museu João Ramalho), dois parapeitos de janelas e um batente de porta.

O IPHAN afirma que o terrapleno (isto é, o Forte São João), foi reconstruído no século XVIII, não sendo ele estrutura original do século XVI. Nosso entendimento é que o Forte foi apenas ampliado, de 100 m² para 250m², sem que isso importasse em sua total reconstrução.

Confederação dos Tamoios e Armistício de Iperoig – 1554/1567

Quando os primeiros portugueses chegaram, encontraram os indígenas vivendo em agrupamentos separados pelas suas tradições culturais. Era preciso conquistar o território. Primeiro, vários indígenas morriam ao entrar em contato com os europeus e as doenças que traziam consigo. Depois, esses mesmos europeus incentivaram a disputa por território entre os povos indígenas. Para conquistar território e conseguir mão de obra para o trabalho, os europeus faziam alianças e casavam-se com filhas de líderes indígenas. Os inimigos eram escravizados. João Ramalho era exemplo disso, casado com várias nativas e comerciante de indígenas escravizados.

Ilustração de Jacques le Moyne de Morgues

Em 1549, a “Companhia de Jesus”, por ordem de Ignacio de Loyola, envia ao Brasil os padres “jesuítas” Manoel da Nóbrega e José de Anchieta, com a missão de converter os indígenas aos ensinamentos cristãos (catequese), para que o trabalho escravo fosse substituído pelo trabalho voluntário. Por isso, a missão dos “jesuítas” tinha apoio da Coroa Portuguesa.

 

Acontece que a imposição da cultura do branco europeu aos habitantes das terras recém-descobertas resultava na simples aniquilação das tradições culturais indígenas. As doenças, a escravização, a disputa por terras, a negação cultural, tudo isso resultou na Confederação dos Tamoios, uma resistência organizada por diversas etnias, com o apoio dos franceses, e contra o domínio português. Ocorreu entre 1554 e 1567 e foi responsável por ataques a rotas e vilas instaladas pelos portugueses que, sem recursos para impedir o conflito, optaram por usar a diplomacia. As autoridades portuguesas enviaram os padres jesuítas Manuel da Nóbrega, como representante do governo de São Vicente, e José de Anchieta, como intérprete, para acertarem um tratado de paz. Partiram de São Vicente em 18 de abril de 1563, com escala em Bertioga. Ficaram hospedados no quartel do Forte São Thiago (Forte São João), onde permaneceram por cinco dias, e celebraram diversas orações clamando pela paz entre os povos.

 

A expedição era custeada e acompanhada por Francisco Adorno, e seguiu para Iperoig (Ubatuba/SP), onde chegaram em 06 de maio de 1563, para tentar a pacificação dos Tamoios, sendo então, após longa negociação, celebrado um tratado de paz em 14 de setembro de 1563, com Aimberê, Pindobuçu, Coaquira, Cunhambebe, Agaraí e outras lideranças.

José de Anchieta e Manuel de Nóbrega, na cabana de Pindobuçu – Tela de Benedito Calixto

Mas os portugueses descumpriram o acordo logo em seguida e atacaram a aldeia de Iperoig, traindo a confiança de Cunhambebe, líder Tupinambá, que também acaba assassinado mais tarde pelos portugueses. Em represália, a Confederação dos Tamoios voltou a atacar rotas e vilas povoadas por colonos e portugueses. O Rei de Portugal designa Estácio de Sá, com armas e soldados, para colocar um fim ao conflito. Derrota completamente os Tamoios (Tupinambás), que foram mortos, capturados como escravos ou fugiram para o interior. Após grande resistência na Baía de Guanabara, Aimberê é morto e decapitado. Os portugueses conseguiram o objetivo: estavam extintos os Tamoios/Tupinambás.

Tela de Rodolfo Amoedo – “O último Tamoio”

Fundação do Rio de Janeiro - 1565

Em 10 de novembro de 1555 cerca de 600 homens franceses, liderados pelo diplomata Nicolas Durand de Villegagnon, desembarcaram em uma ilha na entrada da Baía de Guanabara (Rio de Janeiro) e fundaram ali o Forte Coligny, como marco da instalação da “França Antártica”. Em 15 de março de 1560 as forças armadas de Mem de Sá, Governador Geral do Brasil, destroem a fortificação e expulsam os franceses. No entanto, pela precariedade das embarcações portuguesas e dos suprimentos, os franceses logo ocupam novamente o local. Estácio de Sá, sobrinho de Mem de Sá, volta para Portugal para pedir auxílio. Em 1563, Dona Catarina, viúva do Rei Dom João III e regente do trono português, determinou que Estácio de Sá retornasse como chefe de esquadra para reconquistar a região.

Tela de Benedito Calixto: Estácio de Sá em São Vicente

Estácio de Sá organizou uma grande missão para expulsar os franceses que restavam da Baía de Guanabara, buscando apoio entre os colonos da Vila de São Vicente e os nativos. Bertioga era o ponto de partida. Após missa rezada pelo padre Manuel da Nóbrega na capela do Forte São Thiago (Forte São João) e após a benção à esquadra de Estácio de Sá, partiram todos de Bertioga, em 20 de janeiro de 1565. O padre José de Anchieta os acompanhava, assim como os irmãos Adorno, que forneceram diversas naus e embarcações a remo e suas respectivas tripulações cristãs e indígenas, possibilitando, em união com as forças vindas da Bahia, a retomada do Rio de Janeiro e a sua fundação em 1º de março de 1565.

 

Em 1567 é realizada uma nova expedição, que parte de Bertioga para o Rio de Janeiro, em mais uma missão objetivando a expulsão dos últimos franceses e Tamoios/Tupinambás, inimigos dos portugueses.

Tela de Benedito Calixto: Bertioga, Forte São Thiago (Forte São João). Benção do padre Manuel da Nobrega nas embarcações com destino ao Rio de Janeiro

Fundação da cidade do Rio de Janeiro. Tela de Antônio Firmino Monteiro.

As primeiras ocupações – 1531/1580

Segundo Frei Gaspar da Madre de Deus, Bertioga começa a ser ocupada a partir da visita de Martim Afonso de Sousa, em 1531, que teria deixado uma guarnição na “Barra de Bertioga”, isto é, um pequeno grupo de soldados. Também teria determinado a construção de uma fortificação, que Frei Gaspar da Madre de Deus chamou de “Torre da Bertioga”, possivelmente uma trincheira primitiva, destinada a proteção da Vila de São Vicente. Teria sido erguida entre 1531 e 1532.

No entanto, para Francisco Martins dos Santos, embora seja possível que essa fortificação tenha existido, logo foi abandonada. E para Adler Homero Fonseca de Castro é pouco provável que tenha existido essa ocupação, discordando da versão de Frei Gaspar da Madre de Deus.

Explica Adler Homero Fonseca de Castro que a primeira aldeia de Bertioga foi formada em 1547, com a ocupação da “Barra de Bertioga” pela família de Diogo de Braga, sob as ordens de João Ramalho, com a construção da “estacada” com a casa forte ao centro, formando uma “cidadela”. Essa primitiva aldeia de Bertioga é considerada como o início do povoamento da Vila de Bertioga e, portanto, o ano de sua fundação. Essa aldeia constituída pelos cinco filhos de Diogo de Braga e demais agregados logo foi abandonada em razão do ataque realizado em 1547 pelos Tamoios/Tupinambás. Esse fato foi relatado por Hans Staden. Acontece que o padre Diogo Jacomé descreve em uma carta de 1551 o ataque e destruição ocorrido “há poucos dias” do “forte construído pelos irmãos Braga na Bertioga”. Para alguns autores, Diogo Jacomé refere-se ao mesmo ataque citado por Hans Staden. Para outros autores, foram dois ataques, um em 1547 e outro em 1551. Muitos autores também defendem que a aldeia ou sítio de Bertioga foi atacado várias vezes em conflitos com os nativos até o estabelecimento da paz com os Tamoios.

O sítio de Bertioga voltou a ser abandonado quando a família de Diogo de Braga refugiou-se na casa forte na Ilha de Santo Amaro, onde daria lugar mais tarde ao Forte São Felipe (Forte São Luís).

Com a construção da nova fortificação, de cal e pedra, possivelmente concluída em 1560, forma-se uma nova aldeia na “Barra de Bertioga”.

De acordo com o Padre Simão de Vasconcelos, na “Crônica da Companhia de Jesus do Brasil”, publicada em 1663, havia uma pequena aldeia no entorno do forte, local denominado como sítio de Bertioga, entre as décadas de 1560 e 1580. É possível que fosse um local com portugueses vivendo com nativas e seus descendentes. Além dessa área, nada mais poderia ser ocupado por colonos. O território era perigoso. Bertioga era o limite entre as terras dominadas pelo povo Tamoio/Tupinambá (inimigo dos portugueses) e Tupiniquim (amigo dos portugueses). E os Tupinambás atacavam e comiam os inimigos, em uma espécie de ritual, como fizeram no massacre em 1547.

O Frei Gaspar da Madre de Deus, em “Memórias para a história da Capitania de São Vicente” interpreta como sendo os “Maramomis” e seus descendentes, que eram um ramo da etnia Guaianás, nativos instalados na região da Serra do Mar que “voluntariamente” procuravam se aproximar dos portugueses e colaborar na mão de obra. Descrevem eles como pessoas de estatura baixa, vivendo com apenas uma esposa e não praticavam a antropofagia. No entanto, os “Maramomis” também foram exterminados pelos portugueses, pois os que se recusavam a trabalhar “voluntariamente”, por não serem violentos, tinham suas cabanas sumariamente invadidas e levavam as mulheres e crianças, e ainda agrediam física e moralmente os homens nativos.

Somente após o Armistício de Iperoig (Ubatuba) e a eliminação do povo Tamoio/Tupinambá pelos portugueses, tornou-se seguro ocupar as terras além do entorno do Forte São Thiago (Forte São João).

Planta de Luís Teixeira, 1574. Arredores de São Vicente. O desenho indica a “Fortaleza de S. Thiago” e a “Fortaleza de Sam Filipe”, na Barra da Bertioga. É o mapa mais antigo a indicar Bertioga e as fortificações.

A fundação da Vila de Bertioga – 1547/1553

É um desafio afirmar a data de fundação da Vila de Bertioga, pela absoluta ausência de documentação específica sobre esse ato oficial. Até mesmo designar Bertioga como uma “vila” é opção deste autor que não tem aceitação unânime.

Washington Luís, historiador e ex-Presidente do Brasil, no seu livro “Na Capitania de São Vicente”, toma o cuidado de advertir que existe diferença entre um “povoado” e uma “vila”. As povoações são os lugares habitados, sem nenhuma jurisdição administrativa ou judiciária. A vila é uma povoação com administração e justiça local. Por essa interpretação, Bertioga somente teria se tornado uma vila com a criação do Distrito de Bertioga em 1944 e a instalação da primeira subprefeitura em 1946. Acontece que o próprio Washington Luís, no mesmo livro, menciona que em 1º de junho de 1553, Thomé de Sousa escreve carta ao Rei de Portugal, Dom João III, mencionando as duas vilas existentes (Santos e São Vicente) e que criou mais três, sendo uma delas Bertioga. Descreve Thomé de Sousa sobre Bertioga, que o Rei: “mandou fazer, que está a cinco leguas de S. Vicente na boca (dum) rio por onde os indios lhe faziam muito mal”. É uma carta oficial, original, da principal autoridade do Brasil, endereçada ao rei português, afirmando que ele, Thomé de Sousa, fez a Vila de Bertioga que o rei ordenou, na entrada de um rio (a barra de Bertioga) em um lugar de conflito com os povos indígenas. Thomé de Sousa foi Governador Geral de 1549 a 1553. Foi neste período que a Vila de Bertioga teria sido criada por Thomé de Sousa, mas logicamente sem atender a conceituação de “vila” defendida por Washington Luís. Era apenas um povoado, sem administração ou jurisdição na concepção de estrutura de Estado. No entanto, o Forte São Thiago (Forte São João) sempre teve um comandante, que também era responsável por manter a ordem e o cumprimento da lei no povoado de Bertioga.

Uma tese possível é que o povoado de Bertioga foi formado a partir de 1547, com a família de Diogo de Braga e indígenas colaboradores, reconhecida posteriormente como Vila no governo de Thomé de Sousa, entre 1549 e 1553, mesmo sem possuir câmara municipal ou juiz, sem os elementos que a doutrina da época exigia para a qualificação como vila. Inquestionavelmente, Thomé de Sousa, ocupando o maior cargo no Brasil, declarou que Bertioga era uma vila por ele criada, cumprindo a determinação real.

Thomé de Sousa nasceu em 1503 e morreu em 1579. Militar e político português, foi o primeiro Governador Geral do Brasil, de 1549 a 1553. Para instalar a sede do governo brasileiro, ele fundou em 1549 a capital do Brasil, Salvador (Bahia), com a construção de sua casa, a Câmara, a Igreja, o Colégio de Jesuítas e posteriormente outros edifícios. Thomé de Sousa, com “th”, era como assinava documentos e como está inscrito na lápide de sua sepultura, mas em inúmeras publicações é comum ser citado como Tomé de Souza, inclusive na lei municipal que deu nome à avenida da orla da praia de Bertioga.

Muitas publicações antigas e recentes referem-se à Bertioga como “vila”. Os antigos moradores chamavam o centro da cidade de “vila”. Parece que Bertioga era reconhecida como uma vila, mesmo que de modo popular.

Há um outro aspecto, essa vila foi abandonada na década de 1560. A Confederação dos Tamoios tornou inviável a manutenção de ocupações na região. Era uma área de conflito. 

Conta Washington Luís que em 24 de junho de 1562 os Oficiais da Câmara de São Paulo, Antônio de Mariz, Diogo Vaz, Luís Martins e Jorge Moreira dão a João Ramalho o cargo de capitão da guerra, com poderes de aplicar a penalidade de degredo para Bertioga quem descumprisse suas ordens.

O historiador e membro da Academia Paulista de Letras Nuto Sant’anna, comenta que degredar significa rebaixar, representando a ideia de penalidade. O degredo aparece frequentemente nas atas antigas da Câmara de São Paulo, ora como ameaça de pena futura, ora como medida aplicada. Existem diversos documentos nos arquivos históricos da Câmara de São Paulo determinando a aplicação da pena de degredo para Bertioga para aqueles que cometessem crimes ou para aqueles que descumprissem as ordens das autoridades constituídas. Bertioga era um local disputado pelos conflitos indígenas incentivados pelos europeus. Era uma linha de fronteira na disputa pela propriedade e poder territorial. Existia temor em relação aos Tupinambás, que tinham a fama de devorar os inimigos.

Afonso d’Escragnolle Taunay, historiador, reforça isso e cita uma dessas medidas, de 7 de abril de 1588, que previa o degredo para Bertioga por um ano caso ocorresse desrespeito à hierarquia, críticas ao rei de Portugal e às duas decisões.

Tabula novarum insularum, quas Diversis respectibus Occidentales & Indianas uocant. Segundo o Museu de Topografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul é o primeiro mapa do continente americano feito por Sebastian Münster (1550). É o primeiro mapa conhecido a apresentar toda a América do Norte e do Sul em uma forma realmente continental. Enquanto a América do Norte é apresentada grosseiramente, visivelmente sem a compreensão da escala e distância, o esboço da América do Sul está ligeiramente mais perto da realidade. Na parte corresponde ao Brasil, há um “alerta” sobre os canibais (canibali), numa referência aos rituais antropofágicos dos Tupinambás.

Esses fatores resultam no abandono da Vila de Bertioga, fundada por Thomé de Sousa, caindo por muitas décadas em um período de verdadeiro esquecimento, apagamento das lembranças e do interesse em ocupar as terras litorâneas.

O início da atividade agrícola – 1580/1590

É no final do século XVI (1580/1600) e início do século XVII (1601/1620), que Bertioga volta a ser ocupada por colonos, especialmente para a atividade agrícola destinada ao abastecimento das Vilas de Santos e São Vicente.

O período de esquecimento da Vila de Bertioga - 1620/1748

O Brasil era impulsionado desde meados do século XVI pela produção da cana-de-açúcar, concentrada principalmente no nordeste brasileiro. Era um negócio rentável para a Coroa Portuguesa. Para que houvesse uma maior fiscalização e controle, foi instalada a capital da colônia em Salvador, em 1549, tendo como o primeiro Governador Geral Thomé de Sousa.

O centro econômico da colônia é transferido de São Vicente para Salvador, tornando-se o porto de São Vicente apenas uma rota de passagem até o Rio da Prata, no Paraguai, onde Portugal havia fundado a Colônia do Sacramento.

A região de São Vicente, Santos e Bertioga foi esquecida, entrou em decadência, praticamente tudo foi abandonado. Poucos moradores e por isso a agricultura em Bertioga também logo entrou em declínio, pois não tinha para quem vender nas Vilas de Santos e São Vicente. Alguns mudaram-se buscando melhores condições em São Paulo de Piratininga (São Paulo) ou para atuar nas “bandeiras” explorando o interior em busca de riquezas minerais e na captura de indígenas para trabalho escravo.

Esse cenário somente começa a mudar a partir da descoberta do ouro em Minas Gerais pelos paulistas, em 1697, e pelo ataque dos espanhóis à Colônia do Sacramento, em 1735. Esses foram motivos determinantes para a Coroa Portuguesa reforçar as defesas militares das capitanias do sul no decorrer do século XVIII (1701/1800). Além disso, Portugal mudou a capital do Brasil de Salvador para o Rio de Janeiro, em 1763, ficando mais próxima do escoamento e controle do ouro e das ameaçadas fronteiras do sul, cobiçadas pelos espanhóis.

No entanto, o fator principal para o ressurgimento da Vila de Bertioga foi o início das atividades da Armação das Baleias, que possivelmente ocorreu em 1748. Embora a maior parte das instalações ficassem do outro lado do Canal, no Guarujá, os estaleiros das embarcações ficavam em Bertioga. A construção da Capela de São João Batista (1740) e a ampliação do Forte São Thiago (Forte São João) e do Forte São Felipe (Forte São Luís), por volta da década de 1760, são fatos que impulsionam a ocupação da Vila de Bertioga por pescadores e alguns agricultores. 

 

Planta de 1640. Arredores de São Vicente. O desenho indica o “Forte de S. Thiago” (Forte São João) e o “Forte de S. Philipe” (Forte São Luís), na “Barra da Bertioga”.

Mapa de 1719, atribuído a Bartolomeu Paes de Almeida. Foi bandeirante e dentre os cargos que ocupou foi Vigilante Guarda-mor da Marinha, de Bertioga a São Sebastião. Demonstração da costa desde Buenos Aires até a Vila de Santos. Detalhe para a indicação da fortaleza em Bertioga, na extremidade direita da imagem.

Planta de 1775. “Cartas topográficas do continente do Sul e parte meridional da América portuguesa”. Biblioteca Luso Brasileira. Destaque para as moradias presentes nas imediações do Forte São João, o que demonstra a presença de habitantes na Vila de Bertioga.

A Capela de São João Batista - 1740

O Vigário de Santos, João da Rocha Moreira, com o dinheiro que ele juntou ao longo da vida, deixou registrado em “testamento” a construção de uma capela em Bertioga em homenagem à São João Batista.

Ela foi construída por ordem do Bispo do Rio de Janeiro Dom Frei Antonio de Guadalupe. A ordem foi emitida em 12 de outubro de 1725, mas somente recebeu a benção de inauguração em 1º de abril de 1740. Estava localizada em frente à praia da Enseada de Bertioga, próxima ao Forte, onde hoje está a Casa da Cultura.

Mas pouco tempo depois, em 1769, a Capela foi parcialmente destruída por uma grande ressaca, que inclusive danificou o Forte de São Thiago (Forte São João), informação que foi passada à Coroa Portuguesa, com desenho e relatório.

É em função dessa capela que o Forte São Thiago recebeu o nome de Forte São João, pois a imagem de madeira de São João que estava na “Capela” de São João Batista foi levada para a “Capela” do Forte São Thiago, que então passou a ser chamado pelos moradores de Forte São João. Deveria existir uma imagem de São Thiago na Capela do Forte, mas não se sabe o fim que ela levou.

As ruínas da Capela de São João Batista foram removidas nas obras de 1940 para construção da Escola Isolada Mista Vicente de Carvalho. Segundo o IPHAN, em uma reforma realizada pela Prefeitura de Bertioga na Casa da Cultura, mesmo local onde ficava a Capela, foram encontrados vestígios que seriam de suas ruínas.

Planta da Coleção Morgado de Matheus – 1765/1775 – Biblioteca Nacional – Victor Hugo Mori – IPHAN – Forte São João – Letra E, à direita da imagem, a antiga Capela de São João

Capela de São João Batista, em desenho de 1775

O campo santo (cemitério) começa a se desenvolver a partir da instalação da Capela de São João Batista. Os cristãos buscavam enterrar seus parentes o mais próximo possível de templos religiosos. Assim foi com os moradores de Bertioga, sepultados próximos a Capela de São João Batista. Mesmo após a ressaca de 1769, que destruiu a Capela, continuou o local sendo usado como cemitério até 1935, quando uma sequência de novas ressacas obriga a mudança para o local atual.

 

Mas muito antes, nos séculos XVI e XVII, os raros sepultamentos deviam ocorrer mais perto do Forte, também em frente à praia, bem ao lado do quartel do Forte, onde estava a Capela de São Thiago. É possível teorizar que ali, onde hoje está o Parque dos Tupiniquins, e que foi a pensão do casal Bertha e Germano Besser e o restaurante Zezé e Duarte, fosse um campo santo, para sepultamento de soldados, colonos e indígenas catequisados e seus descendentes.

As ruínas de uma das paredes da Capela de São João Batista, parcialmente coberta por troncos de uma árvore que a sustentava. Era a década de 1910 e já se passavam 150 anos da destruição dela por um maremoto. Foto de Luiz Gonzaga de Azevedo, que estava em Bertioga a passeio. Era filho de Militão Augusto de Azevedo, que foi o maior empresário do país para serviços de fotografia. A mãe de Luiz Gonzaga de Azevedo era a atriz Benedita de Azevedo.

O velho cemitério de Bertioga, em 1905. Esta foto mostra as ruínas da antiga Capela de São João Batista, coberta por troncos de árvores entranhados em suas paredes. As sepulturas eram instaladas em volta dessa capela, ali formando um “campo santo”. Foto da Coleção de Luiz Gonzaga de Azevedo, adquirida pela Fundação Roberto Marinho e doada ao Museu Paulista, da USP. Colorizada por História de Bertioga.

É a mesma foto acima, ampliada. Nesta foto, Luiz Gonzaga de Azevedo, que estava em visita à Bertioga. Ao seu lado, uma cruz, identificando um dos locais de sepultura. Ao fundo, é possível ver a praia.

“The orchids hall” (o salão das orquídeas), tal como Belle Ribble denominou a Capela de São João Batista, certamente pela presença de orquídeas enraizadas em suas paredes. Década de 1920. Foto de Belle Ribble, publicada em “Beneath the White Rainbow”.

As ruínas da Capela de São João Batista, tomada pelo mato, e algumas sepulturas, com cruzes, em volta dela.

As ruínas da Capela de São João Batista, apoiadas por uma árvore que cresceu ao lado. O cemitério se formou a partir da Capela.

A árvore que envolveu a Capela de São João Batista era da espécie “figueira-brava”, semelhante a imagem acima, segundo testemunhou Ricardo Gumbleton Daunt, Diretor do Instituto de Identificação de São Paulo, em 1936.

Presumimos que sejam as duas filhas e o filho do Dr. Ricardo Daunt, em foto de 1936, publicada na Revista Carioca nº 56, ao lado das ruínas da Capela de São João Batista, entrelaçada pela “figueira-brava”. Nesta época o local foi atingido por diversas ressacas, que destruíram ainda mais a Capela e obrigaram transferir o cemitério para outro local. A foto está danificada em função da encadernação. Em 1938, Ricardo Gumbleton Daunt revolucionou o Instituto de Identificação Criminal do Estado de São Paulo, dividindo-o em quatro seções: Fotografia, Antropometria, Datiloscopia e Aplicação. Este Instituto, que mais tarde levaria seu nome, desde a sua criação, já identificou mais de 40 milhões de pessoas, e, atualmente, emite mais de 10 mil cédulas de identidade por dia, entre primeiras e segundas vias.

A Armação das Baleias - 1748

A Armação das Baleias foi um conjunto de edificações de pedra e madeira instaladas na Ilha de Santo Amaro para extração e processamento de óleo e subprodutos da baleia. Funcionou entre os anos de 1748 e 1825. Negócio extremamente lucrativo para a Coroa Portuguesa, a Armação de Bertioga foi a mais importante de todas as instaladas no país. O óleo ou azeite era usado na iluminação pública do Rio de Janeiro, São Paulo de Piratininga (São Paulo), Santos e São Vicente.

 

A Armação das Baleias não formou uma vila de moradores, pois todo o trabalho era realizado por negros escravizados.

 

A Armação das Baleias entrou em declínio no início do século XIX, pois sistemas baleeiros instalados nas Ilhas Maldivas impediam que chegassem baleias ao litoral brasileiro. Eram todas exterminadas antes pelos ingleses. Além disso, o gás e a querosene passaram a ser adotados como alternativas mais econômicas e eficientes.

 

A ampliação do Forte São Thiago (Forte São João) – 1751/1765

Em 1745 o cidadão Matias de Couto Reis, sem qualquer conhecimento militar, requereu o título de Capitão do Forte São Thiago (Forte São João), com a patente de Sargento-mor, em troca da reforma do Forte, despesas com armamentos e pagamento de homens. O governador da Praça de Santos, Luís Antônio de Sá Queiroga, deferiu o pedido, após consulta ao Conselho Ultramarino.

Em 1751, o Governador profere ordem determinando a ampliação do terrapleno do Forte São Thiago (Forte São João), de 100 metros quadrados para 250 metros quadrados. O prédio do quartel já existia e foi apenas reformado.

Planta do Forte São João, Brasil. Desenho aguarelado, Luís Antônio de Sá Queiroga, 1751. Acervo: Biblioteca Nacional de Portugal. Esta planta mostra, em vermelho, as melhorias feitas à época na fortificação.

Em 1753, com a morte de Matias Couto Reis, sem herdeiros, outro cidadão rico santista, Francisco Aranha Barreto, requereu o título de Comandante do Forte São Thiago (Forte São João), com todas as despesas de obras e armamentos, por sua conta, e foi deferido.

A ressaca que danifica o Forte - 1769

Em 1769 o Forte São Thiago (Forte São João) é atingido por uma grande ressaca que provoca sérios danos ao terrapleno, deslocando em aproximadamente 25 centímetros a guarita e a cortina que reveste o terrapleno. Até hoje é possível identificar os danos causados ao terrapleno.

Planta da Fortaleza da Bertioga, e terrapleno, com os danos causados pelo mar. Trata-se de uma planta manuscrita do Forte São João. A planta faz parte do conjunto de “Cartas topográficas do Continente Sul e parte Meridional da América Portuguesa”, foi publicada em 1775.

Foi essa mesma ressaca que destruiu a Capela de São João Batista e que ocasionou a vinda da imagem de São João Batista para a Capela do Forte São Thiago, que então passa a ser denominado pela população de Forte São João.

A retomada da atividade agrícola – 1780/1825

Com o passar dos anos, a presença da indústria baleeira no Rio da Bertioga (Canal de Bertioga) acaba atraindo a presença de pescadores e agricultores. A extinta aldeia primitiva dos “Maramomis” e seus descentes, vai dando lugar a um pequeno povoado com algumas casas de madeira ou de pau-a-pique instaladas ao lado do Forte, mas distantes uma da outra. O desenvolvimento de Santos com a construção da “Calçada do Lorena”, primeiro caminho pavimentado ligando São Paulo à Santos, contribuiu para a retomada da atividade agrícola em Bertioga para abastecimento do mercado santista. A vinda da Coroa Portuguesa ao Brasil, em 1808, e a abertura dos portos brasileiros impulsiona o crescimento econômico de Santos e a demanda por produtos dos sítios de Bertioga e Santo Amaro (Guarujá).

Bertioga era uma localidade com características exclusivamente rurais. Algumas propriedades escondidas no meio do mato, com plantio de banana, mandioca, abacaxi, além dos pescadores concentrados com suas casas de madeira, canoas e ranchos de pesca em frente a orla do Rio da Bertioga (Canal de Bertioga). Não existiam ruas ou avenidas. Não havia traçado urbano. Era um núcleo com alguns pescadores e agricultores, sem ainda constituir um povoado, uma comunidade.

Terras usadas apenas para atividade de extração de madeira, produção agrícola e instalações de pesca. Foi assim até o início do século XX (1901/1920).

A escravização nos sítios de Bertioga – séculos XVI/XIX

A escravização dos africanos e afrodescendentes no Brasil teve início no século XVI, entre 1539 e 1542, quando os primeiros africanos chegaram a Pernambuco, e terminou no final do século XIX, em 1888, com a Lei Áurea. Foram mais de 300 anos do pior capítulo da história do povo brasileiro, com graves consequências econômicas e sociais aos descendentes dos africanos ainda nos dias de hoje.

Segundo Leandro Carvalho, Mestre em História, o comércio de pessoas que se tornavam escravizadas estava presente no continente africano desde os egípcios antigos e isso acontecia principalmente em razão das guerras: membros de tribos rivais eram reduzidos à condição de cativos. As guerras se davam entre os diversos reinos africanos e, também, por meio dos conflitos que ocorriam entre as diferentes etnias africanas. Outra forma pela qual as pessoas se tornavam escravizadas era para cumprir o pagamento de dívidas. Na África, isso produziu diferentes grupos sociais, muito diferente da escravização praticada na América, baseada no trabalho forçado e humilhante. No decorrer do século XV, os europeus, no intuito de expandir suas atividades comerciais, exploraram a costa africana. Com a colonização da América, necessitavam de mão de obra para trabalhar nas terras conquistadas no Novo Mundo.

Os países europeus que protagonizaram o tráfico de escravizados para a América são Inglaterra, Holanda, Dinamarca, França, Espanha e, para o Brasil, era Portugal que enviava os africanos.

As condições em que os africanos vinham para o Brasil eram degradantes e sem qualquer higiene. Eram todos marcados a ferro quente antes do embarque nos “navios negreiros”. Muitos morriam durante a viagem, com índice de 16% de mortos. Chegavam assustados, atordoados, confusos e doentes após 63 dias de viagem pelo Atlântico, entre a África e o Novo Mundo, a América. Quase todos estavam machucados pelas feridas provocadas pelas correntes colocadas nos pulsos, tornozelos e, às vezes, no pescoço.

Segundo Laurentino Gomes, a absoluta maioria dos africanos que vieram para o Brasil eram de Angola e do Congo. Sete em cada dez africanos eram dessas nações. Mas vieram africanos de diferentes nações, e no caso específico do litoral do Estado de São Paulo a maioria vinha de Moçambique, no leste da África.

Navio negreiro. Obra de Johann Moritz Rugendas, de 1830.

Negros novos de Johann Moritz Rugendas, de 1835.

Jean-Baptiste Debret. Havia uma diversidade étnica e cultural. Os africanos não eram todos iguais. Vinham de tribos e povos diversos, a aparência, os costumes, tradições, idiomas, religião, diferentes. Alguns eram reis, rainhas, príncipes, princesas, guerreiros. A escravização provocou o apagamento desses povos, suas origens, seus descendentes.

Jean-Baptiste Debret. Os africanos que vieram ao Brasil têm origem em diferentes nações.

Rugendas. A maioria absoluta dos africanos que vieram para o Estado de São Paulo eram de Moçambique. Detalhe para as tatuagens tribais em suas faces.

Moçambique, nação do continente africano. Imagem publicada pela Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira

A rota de Moçambique, em cor de rosa. Era de Moçambique que vieram a maioria dos africanos para a região de Santos e Bertioga. Imagem publicada no site “sohistoria.com.br”.

A Vila de Bertioga não foi diferente do resto do país. Primeiro, os sítios existentes usavam como mão de obra o trabalho do indígena escravizado, e depois o negro escravizado assume esse ônus. A atividade agrícola desenvolvida em Bertioga no século XIX (1801/1900) usava, exclusivamente, o negro como trabalhador encarregado de todos os serviços da lavoura e inclusive os trabalhos domésticos da casa do seu “dono”. Bertioga tinha “senzala”.

Alguns fugiam e eram recapturados. Houve caso de negros rebelados contra o “fazendeiro/dono” de um desses sítios, fazendo-o de refém, precisando de força policial vinda de São Paulo para conter a situação. Já aconteceu de quatro negros e dois brancos formarem um grupo de detratores, para assaltos, resultando até em duas mortes de moradores. Em outro caso, uma negra escravizada suicidou-se pulando em um dos rios de Bertioga. Em dezembro de 1880, mais um suicídio, do negro escravizado Amâncio, de propriedade de Antônio Ferreira da Silva, o prestigiado Barão do Embaré, que foi militar, negociante e vereador de Santos por diversas vezes. A escravização do negro também esteve presente de modo cruel na história da Vila.

Eles eram castigados, humilhados e tratados como se fossem um objeto ou um animal. A cultura, o idioma, as tradições, os títulos, a herança, a ancestralidade, foram apagados pelo projeto de poder de um novo mundo. Rugendas e Debret, artistas, por meio de suas pinturas, denunciavam o horror.

Castigos Domésticos, 1835, de Johann Moritz Rugendas. A palmatória, uma espécie de régua de madeira usada para castigar o escravizado que cometesse erros na execução dos trabalhos.

Segundo a Revista Isto É, Jean-Baptiste Debret é o artista trazido ao País para enaltecer os colonizadores, mas cumpre uma função bem mais nobre: denuncia a crueldade, a penúria e a agressão sofrida pelos escravizados.

Jean-Baptiste Debret. “O Jantar”. Os adultos e as crianças eram alimentados de forma medíocre, com as sobras dos donos da casa.

Jean-Baptiste Debret soube retratar a realidade da sociedade brasileira no início do século XIX: a humilhação dos africanos. O retorno à cidade de um proprietário de chácara.

Na Armação das Baleias os trabalhos de pescaria dos cetáceos e de beneficiamento do animal nas instalações localizadas na Ilha de Santo Amaro, no “Rio da Bertioga” (Canal de Bertioga), eram todos executados por negros escravizados. No Recenseamento de 1822, a Armação das Baleias possuía 51 escravizados no total. João da Costa era Tenente-Coronel da Armação das Baleias, com 62 anos de idade e sua esposa Maria de 49 anos, tinham 7 filhos e 48 escravizados. O Feitor da Armação, Innocencio de Mesquita, solteiro, com 68 anos, tinha 3 escravizados.

O inventário oficial dos bens da Armação indica a existência de uma casa de senzala. Em 29 de julho de 1835 foi publicado um relatório da situação da Armação das Baleias, em processo de desativação, apontando ali a existência de alguns “escravos inválidos”. Em 26 de novembro de 1835 foi determinado ao almoxarife da Praça de Santos mandar fazer a cada escravizado da Armação duas camisas, duas calças, uma “vestia” e uma coberta. Os jovens e fortes valiam mais, já os idosos e doentes eram abandonados, mas também não podiam ficar e ocupar as terras que pertenciam aos brancos.

Segundo o Recenseamento de 1822, a Vila de Bertioga tinha oficialmente 33 africanos ou afrodescendentes escravizados. Eram seus proprietários: José da Silva (sargento) e sua esposa Anna Rosa, com 13 escravizados; João Furtado (agricultor), com 10 escravizados; Francisco Pedroso (agricultor) e sua esposa Anna, com 2 escravizados; Manuel Gonçalves (pescador), com 1 escravizada; e Ignacio Eloy (agricultor), com 7 escravizados.

Tela de Modesto Brocos Y Gomez – Engenho de Mandioca – 1892

No dia 12 de setembro de 1835 foram apreendidos na Praia de São Lourenço dois africanos pelo Tenente João Baptista da Silva Costa. O Juiz de Direito da Vila de Santos determinou que um ficasse à disposição de Santos e outro poderia ser “concedido” como “recompensa” ao Tenente que havia o apreendido, para colocá-lo à “venda”. 

Em 2 de julho de 1831 foram apreendidos 267 africanos, lançados por contrabando nas praias de Bertioga, pois além do tráfico internacional de africanos, também tinha um contrabando interno para comercialização ilegal. Os africanos apreendidos foram julgados e depois empregados na construção da estrada de Santos e em outras utilidades públicas. Já os que sobrassem poderiam ser colocados à venda nas povoações vizinhas, e sendo permitida a compra de apenas um escravizado por família. 

O comércio de africanos era um negócio extremamente lucrativo nessa época no Brasil. Eles eram despidos, medidos e pesados, os jovens e saudáveis eram os mais valorizados. Era algo comum ter um negro escravizado ou simplesmente colocar um anúncio nos jornais da época anunciando a venda de um cativo. 

A Lei de 7 de novembro de 1831 (Lei Feijó), proibiu o tráfico de africanos para o Brasil, mas ficou conhecida como a lei “para inglês ver”, dando origem a esse famoso provérbio brasileiro, pois a Inglaterra, para apoiar a independência do Brasil em 1822 exigiu que fosse assinado um tratado proibindo o tráfico internacional de africanos, o que ocorreu em 1826 e depois resultou na citada Lei Feijó. Mas, o tráfico continuava acontecendo. 

Por isso, esses 267 africanos apreendidos em Bertioga preocuparam o Governo Imperial. O caso ganhou repercussão nos jornais e o Brasil possuía acordo com a Inglaterra proibindo o tráfico de africanos. Foi orientado pelo Governo Imperial que eles fossem inspecionados e bem tratados, antes de serem postos à serviço do Poder Público ou vendidos.

Habitação de negros escravizados, a Senzala. Obra de Johann Moritz Rugendas.

Mesmo diante dos diversos problemas provocados pela escravidão, a cultura africana, de seus povos originais, prevalecia e resistia ao tempo, nas senzalas e nos terreiros. Os negros namoravam, se apaixonavam, constituíam famílias e tinham filhos. A dança, a capoeira, a religião, a contribuição para o idioma e culinária brasileira, estavam presentes nos raros momentos de descanso.

“Casal de Escravos em uma Fazenda” Ilustração de Johann Moritz Rugendas, de 1823.

Casal de Negros, de 1830 Johann Moritz Rugendas. Óleo sobre tela 39,00 cm x 45,00 cm.

Batuque, de 1835. Johann Moritz Rugendas

Segundo Tales Pinto, Mestre em História, para o site UOL, “moleque”, “quiabo”, “fubá”, “caçula”, “angu”, “cachaça”, “dengoso”, “quitute”, “berimbau” e “maracatu”. Todas essas palavras do vocabulário brasileiro têm origem africana ou referem-se a alguma prática desenvolvida pelos africanos escravizados que vieram para o Brasil durante o período colonial e imperial. Elas expressam a grande influência africana que há na cultura brasileira. A existência da escravidão no Brasil durante quase 400 anos, além de ter constituído a base da economia material da sociedade brasileira, influenciou também sua formação cultural. A miscigenação entre africanos, indígenas e europeus é a base da formação populacional do Brasil.

A matriz africana da sociedade tem uma influência cultural que vai além do vocabulário. O fato de as escravizadas africanas terem sido responsáveis pela cozinha dos engenhos, fazendas e casas-grandes do campo e da cidade permitiu a difusão da influência africana na alimentação. São exemplos culinários da influência africana o vatapá, acarajé, pamonha, mugunzá, caruru, quiabo e chuchu. Temperos também foram trazidos da África, como pimentas, o leite de coco e o azeite de dendê. No aspecto religioso os africanos buscaram sempre manter suas tradições de acordo com os locais de onde haviam saído do continente africano. São exemplos de participação religiosa africana o candomblé, a umbanda, a quimbanda e o catimbó.

O samba, afoxé, maracatu, congada, lundu e a capoeira são exemplos da influência africana na música brasileira que permanecem até os dias atuais. Instrumentos como o tambor, atabaque, cuíca, alguns tipos de flauta, marimba e o berimbau também são heranças africanas que constituem parte da cultura brasileira. Cantos, como o jongo, ou danças, como a umbigada, são também elementos culturais provenientes dos africanos.

Bertioga nos tempos do Império - 1822

Com o fim da Armação das Baleias, provavelmente em 1825, Bertioga é quase totalmente esquecida, não fosse por algumas inspeções realizadas periodicamente no Forte São João. No dia 28 de dezembro de 1884, o “Correio Paulistano” publicava ordem do Governador do Estado objetivando a liberação de recursos para obras no Forte São João, quartel, muralhas. Em outra oportunidade liberava-se recursos para conserto da canoa e depois para aquisição de uma nova. Pequenos reparos e limpezas ocasionais eram realizados, mas pouco mudava o aspecto decadente, pois logo o mato cobria tudo.

De 1825 até a chegada do serviço de travessia entre Santos e Bertioga, em 1912, o lendário núcleo de agricultores e pescadores quase desapareceu. O ciclo do ouro no interior do Brasil e a escoação da produção pelo porto do Rio de Janeiro, que se torna capital do Brasil, contribuíram para essa estagnação da Vila de Bertioga. Além disso, a tranquilidade das costas brasileiras, que já não mais corriam risco de invasões de franceses, espanhóis ou holandeses e nem de revolta de nativos faz com que o Forte São João deixe de ser importante do ponto de vista estratégico-militar para o Império.

Bertioga entra em um novo período de decadência, de ruínas e abandono. Casas de madeira no meio do mato, pessoas com roupas velhas e crianças desnutridas. A Vila de Bertioga estava condenada a jamais prosperar.

Os sítios eram usados para atividades agrícolas, mas a partir do final do século XIX (1880/1900) Bertioga começa a ser procurada para passeios no Forte São João e na praia. Esses sítios, que antes eram destinados a atividade econômica ou a subsistência da família, passavam a dar lugar aos sítios destinados ao lazer, para atividades de veraneio. Assim foi com o Coronel Cândido Anunciado Dias de Albuquerque e a casa de sua propriedade, em frente ao “Rio da Bertioga” (Canal de Bertioga), à 30 metros do Forte São João, ponto de encontro de inúmeros piqueniques.

O ciclo do café torna Santos uma cidade rica e próspera, com muitos endinheirados que procuravam Bertioga como um refúgio de descanso e lazer.

Na primeira metade do século XIX (1801/1850) moravam em Bertioga, segundo o Recenseamento de 1822: José da Silva (40 anos) e a esposa Anna Rosa (39 anos), com os filhos Thereza (7 anos) e Anna (6 anos); João Furtado (39 anos), solteiro; Catharina Ribeiro (68 anos), tendo como agregados o casal Florêncio (57 anos) e Anna (41 anos), sendo seus filhos Theodozia (18 anos), Vicente (14 anos), Miguel (13 anos), Simão (14 anos) e Bárbara (22 anos); Luiza (39 anos), com seus filhos. 

Eram moradores de Bertioga na segunda metade do século XIX (1851/1900) os irmãos Benedito Lino Marcello e Bonifácio Lino Marcello, Manoel do Espírito Santo Guimarães, Joaquim Guerra, Sebastião Garcez, José Felisberto Garcez, Gabriel Fernandez Garcez, Joaquim Antonio de Mattos Junior, Sergio Belmiro de Andrade, José Pinto Florêncio de Campos, suas esposas e seus filhos, e alguns outros que o tempo apagou da memória, para sempre.

Em 1887, o “Indicador Santista” apontava dentre os moradores, os únicos quatro com direito a voto, os eleitores: Manoel do Espírito Santo Guimarães, Joaquim Antonio de Mattos Junior, Sergio Belmiro de Andrade e José Pinto Florêncio de Campos. Eram homens ricos, negociantes e proprietários de terras. Nestor Pinto Florêncio de Campos nasceu em Bertioga em 1893, casando-se em 1917 com Maria Luiza Josefa de Campos (Maricota). Ele era neto de José Pinto Florêncio de Campos e Tereza de Jesus. Após o falecimento de José, a sua viúva, Tereza, casou-se com Manoel Espírito Santo Guimarães, que foi Comandante do Forte São João. Quando Nestor nasceu, os avós paternos já eram falecidos.

Persistia em torno do Forte São João um tímido núcleo de agricultores e pescadores, com no máximo dez casas, algumas de tijolos e outras de madeira. Parte das pedras que compunham a tenalha (muro) do Forte São João foram utilizadas pelos moradores no alicerce de suas casas e no cais em frente o “Rio da Bertioga” (Canal de Bertioga).

De difícil acesso e comunicação com as cidades vizinhas, era comum Bertioga ser escolhida por foragidos da justiça ou estelionatários querendo dar um golpe no povo.

Em 1866, virou caso de polícia, os grupos de Folia do Divino Espírito Santo, que vinham de outras regiões para Bertioga, pedir esmolas aos fiéis, o que era proibido na época pela Igreja Católica.

Em 1883, vinda de Mogi das Cruzes, apareceu em Bertioga uma menina de dez anos, acompanhada dos pais, que se autoproclamava “santa”. Se dizia “Nossa Senhora das Dores”. A população, supersticiosa, ficou encantada, acreditava, doava alimentos, objetos e até dinheiro, mas essas pessoas não paravam muito pelos arredores pois logo a farsa era descoberta e iam para outros lugares. Em 1894 apareceu um homem, que era uma espécie de curandeiro, realizava milagres, e certa época chegou a desenterrar do velho cemitério da praia uma criança que nasceu morta e a batizou, mas não houve milagre algum. A Polícia de São Paulo quando soube desse fato veio até Bertioga, onde o prendeu e levou para São Paulo.

Os registros históricos provam que festas de São João, realizadas no mês de junho, em homenagem ao santo, com fogueiras na praia, na lua cheia, com muita música, bebida e comida já faziam parte da tradição desde o final do século XIX, na Bertioga do Brasil Império (1822/1889). Essas festas tinham um momento dedicado a devoção do santo. E outro dedicado a celebração com cânticos alegres, perdidos no tempo, ainda um desafio aos historiadores. Desde a época dos Tamoios/Tupinambás e Tupiniquins, o milho sempre esteve presente na culinária caiçara, como a canjica e o bolo de milho. Nas melhores festas a comida era a tradicional tainha assada na brasa, suco de fruta, doce de banana e pinga. A antiga comunidade de agricultores e pescadores que viviam nos arredores do Forte, comemoravam São João.

A celebração ao Dia de Santo Antônio também acontecia, de modo religioso, na Ermida de Santo Antônio do Guaíbe, pela comunidade local.

Extração de madeira para o Arsenal da Marinha de Santos - 1825

Pelo Alvará de 12 de agosto de 1797 foi determinada a criação do Arsenal da Marinha de Santos.

 

Arsenal, no dicionário português, é o “estabelecimento destinado ao fabrico e depósito de armas e munições de guerra ou à construção e reparação de navios”. O Arsenal da Marinha de Santos tinha apenas como finalidade reparo e construção de embarcações. Não era depósito de armamentos.

 

Segundo o historiador Costa e Silva Sobrinho, a edificação teria sido erguida sob o comando do tenente Ângelo Dias Gomes. Ali eram reparados os navios que chegavam ao Porto de Santos e, a partir da Independência do Brasil, começaram a ser construídas embarcações, sendo que a primeira lançada ao mar foi a canhoneira “Leal Paulista”, em 25 de janeiro de 1825.

 

A Vila de Bertioga teve um papel determinante na segunda fase de funcionamento do Arsenal da Marinha de Santos, pois a madeira que era usada para a construção das embarcações deixou de ser fornecida pela Vila de São Sebastião para ser obtida em Bertioga, muito mais perto de Santos.

Tela de Benedito Calixto. Arsenal da Marinha de Santos, a direita, situado na área da atual Praça Barão do Rio Branco, defronte à Igreja do Carmo, no Centro de Santos.

Expedição Langsdorff em Bertioga - 1826

A expedição fazia parte do esforço do governo russo em restabelecer as relações comerciais com o Brasil, que estavam prejudicadas pelo embargo comercial aos produtos da Rússia, decretado por Dom João VI em 1808.

O Brasil somente tinha relações comerciais com as nações amigas. A Rússia havia se aliado com a França de Napoleão Bonaparte impondo um bloqueio continental aos produtos da Inglaterra, maior parceira comercial de Portugal, além de ter apoiado a invasão francesa em Portugal, o que provocou em 1808 a fuga da família Real para o Brasil. Mais tarde, a Rússia rompeu esse bloqueio continental, provocando a sua invasão pelos franceses em 1812.

Com a derrota de Napoleão Bonaparte e o retorno da família Real para Portugal, era momento de tentar restabelecer ligações político-comerciais com a ex-colônia portuguesa, o Brasil.

É nesse contexto que em 1826 Georg Heinrich von Langsdorff esteve em Bertioga com sua célebre expedição. Nascido no principado de Mainz, Alemanha, em 1774, pertencia a uma família ilustre, com origem no século XIII. Seu pai era vice-chanceler do grão-ducado de Baden. Formado em medicina pela Universidade de Göttingen, o jovem Langsdorff estabeleceu-se de 1797 a 1802 em Lisboa. Exercendo a medicina e trabalhando com entomologia e ictiologia, aprendeu ali o português com perfeição e mudou seu nome para Jorge Henrique de Langsdorff. A partir de 1803, como dominava também perfeitamente o idioma russo, começou a participar, sob o nome de Grigory Ivanovitch Langsdorff, de viagens e excursões científicas ao redor do mundo, organizadas pelo governo imperial da Rússia.

Langsdorff

Em junho de 1821, quando estava em férias em São Petersburgo, ele apresentou a Karl Nesselrode, vice-chanceler do Império, o plano de uma grande expedição científica pelo interior do Brasil, que teria como objetivos “descobertas científicas, pesquisas geográficas, estatísticas, estudo dos produtos pouco conhecidos no comércio, material sobre todos os reinos da natureza que possa coletar e que possam concorrer para o enriquecimento das atuais coleções do Império”. Dois dias depois era recebido pelo Czar Alexandre I, que garantiu seu patrocínio pessoal à iniciativa, com plena liberdade de roteiro e prazo não definido.

A “Expedição Langsdorff” contou também com o apoio do jovem Imperador Dom Pedro I e de José Bonifácio, que forneceram, em nome do Império, créditos vultosos e vantagens alfandegárias.

A viagem se realizou em duas partes. A primeira, pelas Províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais, de 8 de maio de 1824 a 27 de fevereiro de 1825. Nessa etapa, o pintor Johann Moritz Rugendas realizou inúmeras pinturas. Depois, por desentendimento com Langsdorff, foi demitido e seguiu caminho próprio em viagens pelo Brasil.

Johann Moritz Rugendas

A segunda viagem foi pelas Províncias de São Paulo e Mato Grosso, de 26 de agosto de 1825 a 22 de novembro de 1826. Foi nesta segunda viagem que a “Expedição Langsdorff” esteve em Bertioga.

Os principais tripulantes dessa segunda viagem eram os pintores Aimé-Adrien Taunay e Hercules Florence, os zoólogos Ménétriès e Hasse, o astrônomo da Marinha Russa Nester Rubtsov, e o botânico Ludwig Riedel.

Hercule Florence

Aimé-Adrien Taunay

Ludwig Riedel

Christian Friedrich Hasse

Edouard Ménétriès

Nester Rubtsov

Fazenda Mandioca, em Magé, no Rio de Janeiro, de propriedade de Langsdorff, adquirida em 1816. Serviu como sede administrativa dos artistas e cientistas que integravam a expedição. Em 1826 foi desapropriada e anexada ao Fazenda Cordoaria, que já também estava desapropriada desde 1825 para que no local fosse instalada a nova sede da Real Fábrica de Pólvora, em 1831. Aquarelas de Thomas Ender pintadas em 1817 e 1818.

O início da segunda viagem foi no Rio de Janeiro em direção a Santos, pela costa brasileira, através do navio “Aurora”, uma pequena embarcação à vela. Depois, foram utilizadas mulas e canoas para acessar o interior do Brasil.

Representação de como seria o navio “Aurora”, em modelo de embarcação típico do século XIX.

No navio, a tripulação era formada de portugueses e brasileiros, o capitão, dois timoneiros, oito marinheiros e 70 negros escravizados, dos quais 62 eram recém-chegados da África, de Moçambique. Curiosamente, revelando detalhes da cultura originária dessas civilizações massacradas pelo branco europeu, Langsdorff descreveu que “quase todos têm tatuagens no rosto, nas costas, no peito, nos braços e na barriga da perna; as da testa têm a forma de uma ferradura; na fronte e nas duas faces, são vários traços bem simétricos; nos braços e na barriga da perna, normalmente são tatuagens em forma de estrela; no conjunto, o grupo tem um aspecto selvagem e belicoso, sendo os homens robustos e fortes”.

Era um número excessivo de negros escravizados, que incomodava Langsdorff. Eram tripulantes do navio e nenhuma atribuição possuíam na expedição. A viagem iria até Santos e dali Langsdorff e apenas sua equipe seguiriam de mulas para o interior de São Paulo.

Desenho de Rugendas, representando os africanos recém-chegados no século XIX, que trabalhavam escravizados a serviço da expedição. Durante a passagem de Langsdorff por Bertioga, o navio “Aurora” tinha uma tripulação de 70 africanos, sendo 62 deles de Moçambique, na África. Detalhe para as tatuagens nos rostos, característica da cultura da nação de origem.

No dia 17 de abril de 1826, à noite, chegou em Bertioga. O capitão ancorou o navio próximo ao Forte São João. Ali, foram interrogados pelo Comandante do Forte sobre a procedência da expedição e o tempo de viagem. Ainda na mesma noite chegou um amigo do capitão do navio, chamado de José Lopes, que tinha uma fazenda há aproximadamente quatro quilômetros do Forte, às margens do Rio da Bertioga (Canal de Bertioga).

Na manhã do dia 18 de abril de 1826 partiram com o navio pelo Canal de Bertioga, onde puderam observar do lado de Guarujá a presença de plantações de mandioca, banana e cana-de-açúcar, e do lado de Bertioga uma vegetação palustre predominante, o manguezal.

Quando chegaram em frente à fazenda de José Lopes, este e sua família vieram até o navio, trazendo como refeição para o almoço o peixe da espécie “robalo”.

Depois, foram convidados a descer do navio e fazer uma visita na fazenda. Lá eram cultivados mandioca, cana-de-açúcar, banana e outras frutas. Jantaram na fazenda. Foi estendido no chão da casa o couro da pele de um animal, usado como uma espécie de toalha, sobre a qual foram colocados os alimentos: carne de porco frita, feijão com toucinho e ovos fritos. Foi oferecido como sobremesa o fruto “cambuci”. Sem conhecer, se esbaldaram nele, mas a noite todos precisaram urinar várias vezes, pois o cambuci é diurético.

Era um alojamento bom, limpo, tudo conforme os costumes europeus. Jogaram baralho e foram dormir por volta das 23:00 horas. No dia seguinte, pela manhã, tomaram café com José Lopes e seguiram para Santos.

A Expedição Langsdorff pelo Rio Cubatão. Desenho de Taunay.

Durante a expedição, os pintores fizeram diversos desenhos sobre a fauna e flora brasileira, registrando muitos animais comuns de serem avistados em Bertioga, como observamos a seguir.

Tatu e Gamba, desenhos de Taunay

Sagui e Iguana, desenhos de Taunay

Espécies de lagarto e aranha, desenhados por Taunay durante a expedição

Planta da fauna brasileira, desenho de Taunay

Roedores, desenhos de Taunay

Tucano e Coruja, desenhos de Taunay

Espécie de marsupial, desenho de Hercule Florence

Quero-quero, desenhado por Taunay

Cobras e morcego, em desenhos de Taunay

A Educação na época do Império - 1857

Pela Lei de 15 de outubro de 1827 foram criadas as escolas de primeiras letras em todas as cidades, vilas e lugares mais populosos do Império. O ensino era dirigido aos meninos, mas excepcionalmente também poderiam existir escolas para as meninas, desde que justificada a necessidade.

 

Os professores ensinavam a ler, escrever, as quatro operações de aritmética, decimais, proporções, as noções gerais de geometria prática, a gramática da língua nacional, e os princípios de moral cristã e da doutrina da religião católica e apostólica romana, leituras à Constituição do Império e à História do Brasil.

 

A Província de São Paulo, que representava na época o que hoje é o Governo do Estado de São Paulo, foi criada em 1821 e durou até 1889, quando a República foi proclamada. Já a partir de 1836, dando efetividade a legislação federal, começou a instituir as cadeiras de primeiras letras no Estado. Pela Lei nº 35, de 18 de março de 1836, estabeleceu o Governador que “os professores de primeiras letras poderão castigar moderadamente os seus discípulos, quando as penas morais forem ineficazes”.

 

Através da Lei nº 7, de 19 de março de 1857, a cadeira de primeiras letras do bairro de Cubatão, em Santos, era transferida para Bertioga. Assim, a Vila de Bertioga passou a contar com uma cadeira de primeiras letras. Isso significa dizer que seria designado um professor. Mais tarde, pela Lei nº 2, de 14 de fevereiro de 1859 foi restabelecida a cadeira de primeiras letras em Cubatão, conservando-se a criada em Bertioga.

Lei nº 7, de 19 de março de 1857, criando a cadeira de primeiras letras em Bertioga

Publicação da Lei nº 7, de 19 de março de 1857.

Manoel do Espírito Santo Guimarães ofereceu sua casa em Bertioga para que funcionasse como escola. Evidentemente que, em 1857, não haveria condições de ser construída uma casa para ser destinada exclusivamente ao ensino. A educação das crianças ocorria no quintal das casas, em suas dependências externas ou em alguma sala de estar improvisada para um certo número de meninos da Vila de Bertioga.

O Governo Provincial aceitou a casa oferecida por Manoel do Espírito Santo Guimarães, que era Tenente da Guarda Nacional na Cidade de Santos e em 1866 tornou-se comandante do Forte São João.

A localização exata dessa casa que serviu como escola é difícil, pois em 1857 a Vila não possuía arruamento. Possivelmente a casa ficava localizada nas vizinhanças do Forte São João, pois as ocupações mais antigas foram erguidas no seu entorno e o trecho próximo ao atual Píer Licurgo Mazzoni somente se desenvolveu a partir da década de 1920.

Publicação de 1857 com o despacho provincial aceitando a casa ofertada como escola

Para assumir a função de professor na Vila de Bertioga foi designado Antonio Francisco do Couto, que era professor em Cubatão, e com a transferência da cadeira de letras de Cubatão para Bertioga, ele foi, consequentemente, removido para Bertioga. Acontece que o professor Antonio Francisco do Couto não teve interesse em assumir o ensino em Bertioga, abandonou a cadeira, pois considerava que havia um número baixo de meninos na Vila, no máximo uns dez meninos e não havia garantia que todos tivessem interesse ou autorização dos pais para frequentar a escola.

Estava vaga a cadeira de letras em Bertioga.

Publicação de 17 de novembro de 1858, do Correio Paulistano, tornando vaga a cadeira de letras em Bertioga

Em 1864 é realizado um concurso de letras, promovido pelo governo da Província de São Paulo, envolvendo Bertioga e outras localidades. Para tanto, houve a publicação de um edital na imprensa da época convocando os interessados.

Correios Paulistano – 1864 – Edital de concurso de vagas para o ensino em Bertioga

Em 1866 o “Correio Paulistano” publicou a designação do professor Boaventura José Ribeiro para a cadeira de primeiras letras em Bertioga. Em 1870 é designado José Feliciano da Silva Anjos.

Correio Paulistano – 1866 – Provimento do professor Boaventura José Ribeiro para Bertioga

Correio Paulistano – 1870 – Provimento do professor José Feliciano da Silva Anjos para Bertioga

Em 1871 é nomeado um novo professor para Bertioga, Francisco Solano Ferreira Gonçalves.

Correio Paulistano, 26/11/1971: nomeação de Francisco Solano Ferreira Gonçalves

Recorte ampliado – Correio Paulistano, 26/11/1971: nomeação de Francisco Solano Ferreira Gonçalves

Mas, pela ausência de alunos, como já havia relatado o primeiro professor designado, que recusou a função, essa escola da Vila de Bertioga foi “suprimida” (extinta) em 1872. A escola de primeiras letras na casa cedida por Manoel do Espírito Santos Guimarães funcionou de 1866 a 1872.

O professor Francisco Solano Ferreira Gonçalves foi transferido para a escola da Enseada em Bertioga e depois para o Bairro de Cubatão.

Correio Paulistano, 1972: a escola é extinta por falta de alunos

Correio Paulistano, 1972: a escola é extinta por falta de alunos

A Vila de Bertioga (Centro) somente voltaria a ter uma escola em 1906, instalada pela Prefeitura de Santos.

O que nos chama a atenção nas pesquisas é a possível existência de outra escola, a de primeiras letras na “Enseada”, em Bertioga. Talvez existisse uma escola na Praia da Enseada, além da escola que ficava na Vila (Centro). As publicações não são precisas sobre o assunto.

Essa escola parece que foi instituída em 1871, pela Lei Estadual nº 70, ao mencionar a criação de uma escola no Bairro da Enseada, em Santos. Não citou Bertioga. Entretanto, em 1872, ao ser extinta a escola da Vila de Bertioga (Centro), foi realizada menção em duas publicações da existência da escola no Bairro da Enseada em Bertioga. Não conseguimos localizar nenhuma informação entre 1872 e 1907 dessa escola na “Enseada”. Somente em 1908 que surgem as publicações oficiais da Prefeitura de Santos mencionando a “Escola Estadual do sexo masculino da Enseada da Bertioga”, indicando a data dos exames escolares. Uma hipótese é que essa publicação de 1908 esteja se referindo a primitiva escola instituída em 1871, no governo provincial (estadual), já que em 1908 a escola que existia na Vila de Bertioga (Centro) era municipal. Fica nossa dúvida se realmente existiu uma escola mantida pelo governo estadual na Praia da Enseada em Bertioga, no final do século XIX, e se permaneceu ativa até 1908, passando pelas transformações políticas e sociais com o fim da escravização dos negros, a extinção da Monarquia e o início da República.

É possível que com o empenho nas pesquisas e a descoberta de novos documentos apareçam mais informações esclarecendo sobre a existência dessa outra escola na Praia da Enseada de Bertioga.

Linha do Telégrafo Elétrico – 1865

O telégrafo elétrico foi um sistema de comunicação desenvolvido antes do telefone, com o objetivo de transmitir mensagens de forma confiável e segura de um ponto a outro através de grandes distâncias. Foi muito utilizado pelos governos e corporações militares para transmitir mensagens por meio de uso de códigos e nenhuma outra mensagem poderia ser transmitida pelo mesmo fio antes que a primeira tivesse chegado ao seu destino. O código Morse, criado por Samuel Morse, era amplamente utilizado nos telégrafos.

Samuel Morse, em 1850, ao lado de sua invenção, o aparelho Morse

A primeira linha no Brasil foi instalada em 1852 e em menos de vinte anos expandiu a rede para todo o país, com 182 estações e Bertioga era uma delas. Foi uma das maiores ações do Governo de Dom Pedro II.
Essas linhas do telégrafo no Brasil tinham por interesse fazer chegar de forma mais rápida as ordens para a repressão ao tráfico de escravos.
Com a Guerra do Paraguai, o maior conflito armado já ocorrido na América do Sul, entre 1864 e 1870, o Império tornou urgente a instalação do sistema até o sul do país.

Em 1865 foi instalada a linha do telégrafo nacional passando por Bertioga, mas o Posto do Telégrafo de Bertioga somente foi criado em 1907, no Forte São João.

O serviço foi executado pelo próprio Governo Imperial. O responsável pelos trabalhos era o físico Guilherme Schüch de Capanema, Diretor da Repartição Geral dos Telégrafos, mas há relatos que a execução da instalação do trecho de Bertioga foi cedida a terceiros.

A instalação da linha do telégrafo, entre o Rio de Janeiro e Porto Alegre foi delegada a duas turmas de trabalhadores. Nas adjacências de São Vicente, os caminhos por onde passavam a linha estavam praticamente abertos, sendo o serviço executado por 5 ou 6 pessoas, entre os quais os cortadores de paus para os postes. Mas quando os trabalhos chegaram em Bertioga, a dificuldade logo se fez presente. Os encarregados advertiam que precisavam de mais homens no trabalho. Tinha muito matagal em Bertioga, grandes árvores centenárias que precisavam ser cortadas, ou delas desviada a linha do telégrafo. O maior trabalho, entretanto, eram nos mangais (manguezal) que precisavam ser atravessados. E os relatos históricos também demonstram que não existia madeira adequada nos mangues para servir de postes para a linha do telégrafo, os quais precisam vir de terrenos mais distantes. Tinham animais peçonhentos, mosquitos, doenças e as condições climáticas de intensa umidade eram desafiadoras. Os moradores ajudavam emprestando animas de tração, assim como os governos municipais e provinciais. E a urgência provocada pela Guerra do Paraguai fez com que a linha fosse concluída já no ano seguinte ao início de sua instalação, em 1866.

Em 1868, com os postes já instalados, relatórios reclamavam da péssima qualidade do serviço, especialmente pela qualidade ruim de madeira empregada no posteamento, o que provocava constantes interrupções e serviços de manutenção por causa de quedas de galhos ou árvores. Também houve um defeito nos cabos subaquáticos usados para atravessar rios e baias, o que exigiu que quase todos fossem substituídos.

Posteriormente, em 1872, por ordem de sua majestade, Dom Pedro II, é autorizada por decreto a exploração do serviço pelo Barão de Mauá (Visconde de Mauá), inclusive para ligar o Brasil até Portugal com um cabo cruzando o oceano Atlântico, serviço concluído em 1874.

Essa linha primitiva que passava por Bertioga foi instalada totalmente dentro da mata, passando por manguezais e desviando da comunidade que habitava o entorno do Forte São João.

Em 1899, em uma das obras de recuperação do sistema, com substituição de postes e fiação, foi autorizada a alteração do traçado da linha do telégrafo. Oscar Kurtz, Inspetor de 2ª Classe, e Joaquim dos Passos Souza, Feitor, estavam encarregados da construção da nova linha de Bertioga.

Em 1900 foi autorizado o uso do terrapleno do Forte São João para se obter a altura suficiente do ponto de apoio para que a linha do telégrafo passasse da Ilha de Santo Amaro para Bertioga, cruzando o canal.

Alteração do traçado da linha do telégrafo. Publicação realizada em 1899 no Boletim Telegraphico da Repartição Geral dos Telegraphos.

Uso do terrapleno do Forte São João para ponto de apoio ao sistema de fios. Publicação realizada em 1900 no Boletim Telegraphico da Repartição Geral dos Telegraphos.

Euclides da Cunha descreveu que a linha do telégrafo no Forte São João deve ter sido a única razão da fortificação quinhentista não ter sido abandonada definitivamente pelo Governo Federal.

A telegrafia “sem fio” foi inventada por Guglielmo Marconi, em 1896, a partir de estudos de Nikola Tesla e teorias de James Clerk Maxwell e Heinrich Hertz.

Guglielmo Marconi, inventor da telegrafia sem fios

No Brasil, a telegrafia “sem fio” foi implantada entre 1902 e 1924. Em Bertioga esse sistema chegou na década de 1920.

Bertioga das excursões e dos piqueniques - 1880

A atividade turística em Bertioga no final do século XIX era a realização de excursões para passeios ao Forte, às ruínas e às praias. Nessa mesma época, estava na moda o piquenique, um almoço ou lanche ao ar livre, compartilhado ao lado de amigos ou familiares, contemplando a natureza, em um clima de tranquilidade ou romantismo.

O ciclo do café foi um período da história da economia brasileira, com início em meados do século XIX e fim em 1930, caracterizado pela produção e exportação do café, responsável por mais da metade da economia brasileira. O Estado de São Paulo e a cidade de Santos prosperam com as riquezas do café. A economia forte e em crescimento permitiu que muitas famílias acumulassem riquezas. Esse período resultou na industrialização do Brasil, na urbanização das cidades e na construção de ferrovias.

O roteiro para chegar em Bertioga, dos que vinham de São Paulo, era através dos trens da “São Paulo Railway Company”, a primeira linha ferroviária do país.

A Ferrovia de Ferro da São Paulo Railway ligando Santos ao planalto teve sua construção iniciada no dia 15 de março de 1860 e foi aberta ao tráfego em 16 de fevereiro de 1867, explica Fernando Martins Lichti, em “Poliantéia Santista”.

Os veranistas partiam da Estação da São Paulo Railway (Estação da Luz) em direção à Santos pela ferrovia construída cruzando a serra do mar com pontes e túneis até chegar à Estação de Santos da São Paulo Railway (Estação do Valongo). Dali seguiam de bonde em direção a Estação do Paquetá para acesso às embarcações à vapor com destino à Bertioga. A viagem era feita pelo Canal de Bertioga. Essas embarcações eram fretadas pelos visitantes, com a tripulação e o mestre. Nos finais de semana sempre tinha alguém de prontidão para atender aos turistas de São Paulo. Já as autoridades conseguiam embarcações oficiais. O transporte público de passageiros entre Santos e Bertioga foi instalado em 1913 e facilitou ainda mais aqueles que procuravam Bertioga como o destino de lazer e recreação. Essas lanchas do transporte público oficial partiam do cais da Alfândega.

Estação da São Paulo Railway (Estação da Luz)

Trecho de serra da ferrovia entre São Paulo e Santos

Estação de Santos da Estrada de Ferro São Paulo Railway (Estação do Valongo)

O Porto de Santos no final do século XIX era muito diferente do atual, em uma época onde ainda não estavam construídas as muralhas de pedra do cais. Fotos do cais do Consulado (1880) e do cais do Valongo (1889). Acervo Getty Research Institute. Revista Museu do Café de Santos.

Foto do ano de 1905 – Canal de Bertioga – Lancha à vapor partindo com visitantes. Nesta época ainda não existia o transporte público de passageiros entre Santos e Bertioga, mas algumas pessoas prestavam esse serviço de modo particular, mediante fretamento.

As excursões ou piqueniques eram frequentes nos finais de semana e feriados, especialmente nos períodos de verão ou muito calor. Os passeios duravam apenas um dia. Chegavam de manhã e iam embora ao final da tarde. Bertioga não tinha locais de hospedagem. Era preciso trazer água e alimentação, porque as fontes de água potável eram escassas, não existiam armazéns para comércio de alimentos ou restaurantes.

Vinham famílias, clubes esportivos, clubes recreativos e grupos de amigos. Bertioga atraía a curiosidade pela pequena comunidade de moradores indiferentes ao passado histórico à vista dos seus olhos: as ruínas do Forte São João, da Capela de São João Batista (já demolida), do Forte São Luís, da Ermida de Santo Antônio do Guaíbe e da Armação das Baleias. Mesmo os turistas desconheciam o passado de esplendor de Bertioga. Apenas intelectuais e historiadores arriscavam opinar sobre as estruturas de pedra que circundavam a Vila de Bertioga.

No dia 13 de janeiro de 1883, um sábado, veio um grupo de santistas passar o final de semana em Bertioga. Partiram de Santos às sete da manhã no pequeno barco a vapor “Barbacena”. A embarcação estava muito lotada, era verão, estava calor e todos queriam ir passear no lugarejo paradisíaco, e tudo transcorreu bem e foi um dia encantador na praia e no Forte São João.

No dia 21 de dezembro de 1890 o Coronel Cândido Anunciado Dias de Albuquerque recebeu em sua casa que ficava ao lado do Forte São João o “Barão de Serra Negra” para um almoço de fim de ano. Foram trocados diversos presentes.

Segundo explicou Fernando Martins Lichti, essa casa foi construída em 1890 pelo Coronel Cândido Anunciado Dias de Albuquerque. O terreno e a casa foram vendidos à João Basílio dos Santos em 1900, e depois adquiridos por Armando Lichti no início da década de 1940, quando então a casa é demolida, porque já estava em ruínas. Em entrevista ao Jornal da Baixada Nair Estevam de Paula (filha de João Estevam de Paula) lembrou que a casa do Coronel Cândido era uma das poucas de alvenaria que existiam na Vila, nas décadas de 1920/1930.

Cândido Anunciado Dias de Albuquerque foi um homem rico e influente em Santos e Bertioga, conhecido também como “Coronel Albuquerque” ou “Coronel Candinho”, era um personagem importante da vida social e política. Ele nasceu em 1813 e faleceu no dia 25 de dezembro de 1902, com 85 anos de idade, segundo o historiador Costa e Silva Sobrinho. Era ele filho do Major Joaquim Antônio Dias e de Eugênia Maria de Albuquerque. O Coronel Cândido Albuquerque era Irmão do Coronel Joaquim Antônio Dias, herói da guerra do Paraguai. Era casado com Maria José de Sousa Machado Setubal, natural de Santa Catarina. Ele teve uma fábrica de cal em Santos, foi Vereador de Santos, Chefe do Estado Maior e Juiz de Paz. Ele foi responsável por uma reforma realizada entre 1857 e 1858 no quartel do Forte São João, além de uma limpeza parcial da vegetação que cobria o terrapleno (plataforma de armas), conforme notícia do jornal “O Publicador Paulistano”, do dia 28 de abril de 1858. Ele foi contratado e remunerado pela Província de São Paulo para a execução desses serviços. Ainda em 1858 requereu que as pedras do Forte São Felipe (Forte São Luís) fossem usadas na construção do cais do Paquetá, obra do qual estava encarregado, mas seu pedido foi indeferido.

A casa de Cândido Anunciado Dias de Albuquerque à esquerda da imagem, junto às palmeiras imperiais. No centro da imagem a casa usada como moradia por João Bazilio dos Santos. Do lado direito da imagem está o quartel do Forte São João com uma espécie de varanda. Foto cedida oficialmente à Jamilson Lsiboa Sabino pelo Museu Paulista (Universidade de São Paulo) exclusivamente para “História de Bertioga” (década de 1910).

Piquenique ao lado do Forte São João, em 1892. Ao fundo, a casa de propriedade do Coronel Cândido Anunciado Dias de Albuquerque, construída em 1890, vendida para João Basílio dos Santos em 1900, e depois adquirida por Armando Lichti no início dos anos 1940. Foi demolida nessa mesma época, quando já estava em ruínas.

Piquenique elegante na Chácara dos Jambeiros (antiga casa do Coronel Cândido Anunciado Dias de Albuquerque). Forte São João em 1905/1914. Foto da Coleção de Luiz Gonzaga de Azevedo, que no lado esquerdo da imagem, é o terceiro (meio da mesa). Foto adquirida pela Fundação Roberto Marinho e doada ao Museu Paulista, da USP. Colorizada por História de Bertioga.

Em 19 de abril de 1891 foi o rebocador “Henrique” que trouxe um grande grupo de jovens santistas para passar um domingo em Bertioga.

No dia 03 de junho de 1894 esteve em Bertioga o Governador do Estado, Bernardino de Campos, a passeio com sua família na praia e no Forte São João. Nessa época, Santos e a região passavam por um grave problema de febre amarela. É uma doença infecciosa provocada por um vírus transmitido através da picada de um mosquito. Bernardino de Campos, como Governador, tem a honra de ser citado nos registros históricos como responsável pela erradicação dessa doença da região.

Bernardino José de Campos Júnior, foi advogado, Deputado, Senador e Governador do Estado de São Paulo, de 1892 a 1896 e de 1902 a 1904

No dia 22 de janeiro de 1899, menos de um ano após a sua fundação, o Clube Internacional de Regatas esteve em Bertioga, com mais de cento e cinquenta pessoas. Era um domingo, e vieram todos passear na praia e conhecer as ruínas do Forte São João. O assunto foi noticiado pelo jornal “O Estado de São Paulo”.

Club Internacional de Regatas, fundado em 24/05/1898, sob a presidência de João Scott Hayden Barbosa – Tela da primeira instalação do clube, na Bocaina (Vicente de Carvalho). Fonte: site do Clube Internacional de Regatas

Em 1901, o Clube de Regatas Santista, fundado em 1893, também esteve em um piquenique, realizado ao lado do Forte São João, na Chácara dos Jambeiros, em homenagem ao Comandante Ernesto Midosi.

Realizado em 29/12/1901 o piquenique do Clube de Regatas Santista. Foto Revista da Semana.

No dia 4 de maio de 1919 o poeta José Maria Goulart de Andrade esteve em Bertioga para um piquenique oferecido por Joaquim Pimentel. A lancha que partiu de Santos, no Paquetá, tinha até um piano com música ao vivo. Recitaram versos durante a viagem Thales de Mello e Salisbury Coutinho, além do próprio Goulart de Andrade.

Talvez José Maria Goulart de Andrade tenha lido “A Procelária”, uma de tantas de suas poesias “difíceis”, complexas, que aqui reproduzimos um trecho:

Mal do côncavo céu, forrado à cor de chumbo,

Explode, amplo e soturno, um lúgubre retumbo,

E o Mar, fera enjaulada em frente ao domador,

Queda numa ânsia muda e num mudo rancor,

Imóvel, estendido ao longo das enseadas,

Já do seio talvez das nuvens adensadas,

Em corimbos, exaure e desce do rasgão

Que nos cumulos abre o raio, num trovão,

O gênio do escarcéu, a plúmbea procelária!

Todo o oceano estremece à grita tumultuária

Da tormenta bravia! A vergastada já

Lhe estala ao dorso azul que, em arrepio, está!

José Maria Goulart de Andrade (1881/1936)

Esses piqueniques no entorno do Forte São João continuaram livremente até a década de 1920/1930, na Chácara dos Jambeiros, de João Bazilio dos Santos. A partir da criação da Granja Zilá, da década de 1940, por Armando Lichti, o local se tornou mais privativo, sendo usado apenas para alguns eventos e convidados.

Os passeios e excursões em Bertioga eram um momento singular e marcante na vida de pessoas ricas e que conseguiam ter dinheiro para contratar um fotógrafo ou ter em mãos uma máquina fotográfica, algo raríssimo até as duas primeiras décadas do século XX. Nesse contexto, de um passeio especial, feito por negociantes ricos e autoridades, mesmo sendo algo raro, muitas fotos registraram esses momentos em Bertioga. A casa do Coronel Cândido Anunciado Dias de Albuquerque, em frente ao Canal de Bertioga, era uma referência e sempre servia como plano de fundo nas fotografias.

Grupo de moças revolucionárias de Santos – outubro de 1930 – Piquenique no Forte São João.

Grupo de moças revolucionárias de Santos – outubro de 1930 – Piquenique no Forte São João, em homenagem póstuma a Joao Pessoa de Cavalcanti de Albuquerque, que foi vice na chapa com Getúlio Vargas a Presidente. O assassinato de João Pessoa é considerado uma das causas principais da Revolução de 1930, que depôs o presidente eleito Washington Luís e levou ao poder Getúlio Vargas.

O histórico Clube Atlético Santista, em 21 de abril de 1940 – na Praia da Enseada de Bertioga – Piquenique com mais de 400 sócios presentes – Foto da Revista Flamma
Piquenique na década de 1920, ao lado do Forte São João

Forte São João em 1889. Detalhe para a tenda armada sobre o terrapleno para a realização de piqueniques. Foto da Coleção de Luiz Gonzaga de Azevedo, adquirida pela Fundação Roberto Marinho e doada ao Museu Paulista, da USP. Colorizada por História de Bertioga.

Piquenique na Chácara dos Jambeiros. Forte São João em 1904. Foto da Coleção de Luiz Gonzaga de Azevedo, adquirida pela Fundação Roberto Marinho e doada ao Museu Paulista, da USP. Colorizada por História de Bertioga.

Forte São João em piquenique de 1913. A estrutura de madeira instalada na plataforma de armas para almoço dos excursionistas e visitantes. As cortinas (parede de pedras do forte) estavam bem deterioradas nessa época. Detalhe para as históricas palmeiras imperiais ao fundo.

Forte São João em piquenique de 1913. Detalhe para a cabana instalada sobre a plataforma de armas, para a realização das refeições dos visitantes.

Forte São João em piquenique de 1913. Evento do Grupo G10.

Batalhão Alfredo Ellis - 1893

Era o dia 23 de setembro de 1893 quando o histórico “Batalhão Alfredo Ellis” esteve em Bertioga, fazendo exercício de fogo com embarcações, na Barra de Bertioga. Isso foi notícia no Jornal do Brasil, que tinha nessa época como Chefe de Redação Ruy Barbosa.

Dr. Alfredo Ellis, médico e político, nasceu em São Paulo em 19 de março de 1850 e faleceu na mesma cidade em 30 de junho de 1925. Foi Deputado Federal e Senador. Importante parlamentar do Partido Republicano Brasileiro.

Para entender a presença desse grupo armado em Bertioga, é preciso contextualizar a crise política pelo qual passava o governo federal nessa época.

Em 3 de novembro de 1891, o Presidente Marechal Deodoro da Fonseca aplica um golpe e determina a dissolução do Congresso Nacional. O Congresso tinha acabado de aprovar uma lei que instituía o impeachment, e isso deixou Deodoro revoltado. Embora eleito indiretamente por esse mesmo Congresso, o governo passava por uma tensão política, agravada pela crise econômica. Deodoro construiu uma brilhante carreira militar com a Guerra do Paraguai, mas não soube conduzir a gestão político-administrativa da República que ele mesmo proclamou. A dissolução do Congresso Nacional provocou diversas movimentações políticas em desfavor de Deodoro. Grupos armados organizaram-se no país contra ele. No Estado de São Paulo destacou a atuação do médico e político Alfredo Ellis, influente deputado federal que reunindo-se na capital paulista com Bernardino de Campos, Prudente de Moraes e Campos Salles, planejaram um movimento armado decisivo contra o Governador do Estado, Américo Brasiliense, que se mantinha aliado ao Presidente Deodoro da Fonseca.

Houve também uma revolta armada no Rio de Janeiro, liderada por Floriano Peixoto, Vice-Presidente da República. O Almirante Custódio de Melo exigiu a renúncia de Deodoro da Fonseca, caso contrário bombardearia o Rio de Janeiro. Deodoro não andava bem de saúde. Renunciou e dias depois foi a vez do Governador de São Paulo Américo Brasiliense.

Pela iniciativa de Alfredo Ellis em promover um motim contra o Governador de São Paulo, e pela sua coragem em liderar o movimento, foi em sua homenagem nomeada uma das forças militares de “Batalhão Alfredo Ellis”. Vitorioso, o batalhão permaneceu por vários anos resguardando o governo constitucional.

Recebeu a missão do Governador do Estado de manter a ordem durante a Revolta da Armada de 6 de Setembro de 1893, um levante da Marinha brasileira, apoiado supostamente pela oposição monarquista, que, insatisfeita com a recém-proclamada República, exigia a renúncia do Presidente Floriano Peixoto. O Governador do Estado, Bernardino de Campos, determinou que o Batalhão Alfredo Ellis viesse socorrer Santos, que estava na iminência de ser atacada pelo encouraçado “República”, tomado pelos militares da Marinha.

Em 19 de setembro de 1893 houve o conflito. O Batalhão Alfredo Ellis e outros militares trocaram fogo contra os revolucionários. A população fugiu para o alto do Monte Serrat ou para a estação de trem do Valongo, em direção à São Paulo. O Batalhão Alfredo Ellis venceu, ficando por alguns dias na região para proteger o Porto de Santos. A Barra de Bertioga era usada nos exercícios militares do Batalhão Alfredo Ellis.

Para Adler Homero Fonseca de Castro, em sua obra “Muralhas de Pedra, Canhões de Bronze e Homens de Ferro”, e segundo publicação do Jornal “O Estado de São Paulo”, durante a Revolta da Armada foi instalada uma metralhadora no Forte São João pela Força Pública de São Paulo.

Euclides da Cunha em Bertioga - 1904

O Jornal “O Commercio de São Paulo”, no dia 11 de agosto de 1904 noticiava que Euclides da Cunha estava encarregado de providenciar uma inspeção nas fortificações localizadas na Barra de Bertioga. Nesta época, mais exatamente em 15 de janeiro de 1904, Euclides da Cunha foi nomeado engenheiro-fiscal da Comissão de Saneamento de Santos. Como membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro é encarregado de produzir um relatório sobre o Forte São João e o Forte São Luís. Euclides da Cunha foi escritor, jornalista, professor, membro da Academia Brasileira de Letras. É reconhecido por uma das grandes obras da literatura brasileira, “Os Sertões”.

Euclides da Cunha, um dos maiores autores da literatura brasileira

O Commercio de São Paulo – 11/08/1904

Foi relatado por Euclides da Cunha, descrevendo o prédio do quartel, que “ao fundo protegida dum lado pelo prolongamento da muralha do forte, acha-se a antiga caserna, acaçapada e em ruínas – cômodos mal repartidos, sem assoalho e quase sem abrigo sob um telhado levadio que desabou em parte”. Foto do mesmo ano comprova o que descrevia Euclides da Cunha. E esse relatório foi suficiente para que no ano seguinte fossem determinados reparos na fortificação.

Forte São João – foto original de 1904 – Revista Renascença – Coleção de João Sabino Abdalla. Ano em que Euclides da Cunha esteve em Bertioga

Desenhos de Benedito Calixto – 1904 – Revista Renascença – Coleção de João Sabino Abdalla. O Forte São João, o Forte São Luís e a Vila de Bertioga.

A Escola Municipal instalada pela Prefeitura de Santos – 1906

A Prefeitura de Santos promulgou no dia 14 de novembro de 1906, a Lei Municipal nº 242, que criava a “Escola de Instrução Primária para o sexo masculino no bairro da Bertioga”. Os dois primeiros cargos específicos de Professor para Bertioga foram criados pela Lei Municipal nº 481, de 18 de outubro de 1911, mas desde 1907 os meninos já eram assistidos por Professores de Santos.

O ato foi assinado pelo Prefeito Carlos Augusto de Vasconcellos Tavares. Foi fixado o ordenado mensal (salário) do Professor no valor de cento e cinquenta mil réis.

A Lei Municipal nº 550, de 28 de outubro de 1914, que orçou a receita e fixou a despesa da Câmara Municipal de Santos previu recursos orçamentários para pagamento das despesas com pessoal, indicando a existência de dois Professores em Bertioga.

Foram instaladas duas escolas em Bertioga, destinadas exclusivamente ao sexo masculino. Uma ficava na Vila de Bertioga, tendo suas aulas iniciado em 1907, e a outra no Indaiá (Enseada), com início das aulas em 1908. A escola da Vila era municipal e a escola da Enseada era estadual, mas as duas tinham professores designados pela Prefeitura de Santos.

Não existiam imóveis públicos específicos, destinados exclusivamente para o funcionamento dessas escolas. Elas funcionavam em locais emprestados pelos moradores, geralmente alguns cômodos das casas, visto que essas escolas não contavam com nenhuma equipe de apoio, a não ser a presença do Professor. Nossa pesquisa não conseguiu identificar em quais locais essas escolas funcionaram entre 1906 e 1924.

A partir de orientações da Fundação Arquivo e Memória de Santos, consultamos as publicações originais e oficiais da Prefeitura de Santos e descobrimos os nomes de alguns Professores que passaram por Bertioga nesta época.

Consta do jornal “O Diário de Santos” que Onofre Leite foi designado para ocupar o cargo de professor em Bertioga no ano de 1907, em função do falecimento do professor que estava na função.

Na Escola Municipal do sexo masculino de Bertioga, no ano de 1907, foram seus professores Onofre Leite (titular) e Gabriel Bento de Oliveira Filho (substituto). O Inspetor Literário em 1907 era Estácio Correia.

A convocação para os exames de 1907 e o nome dos Professores e seus substitutos. Publicação oficial da Prefeitura de São Paulo.

Em 1908, eram Professores da Escola Municipal do sexo masculino de Bertioga Onofre Leite (titular) e Gabriel Bento de Oliveira Filho (substituto). Na Escola Estadual do sexo masculino da Enseada de Bertioga eram os Professores Vicente Quintino Duarte (titular) e Manoel Ferreira Mattos (substituto).

A convocação para os exames de 1908

O exame realizado em 1908 aprovou todos os alunos. Aprovados com “distinção”: José Felisberto Garcez, João Antunes Ponto e João Francisco de Paula. Foram aprovados “plenamente”: João Anastácio dos Santos Hemérito, José Marcellino, Nicolau Antunes Pinto, João Marcellino dos Santos. E foram aprovados “simplesmente”: Luiz Antonio Laurindo, Zacharias Henriques dos Santos, José Marcellino, Arthur Francisco de Paula, Mario Affonso Telles, João Ferreira, Aurino Francisco da Cruz, Lauro Pereira, Antonio Alves de Oliveira e Constantino José Pedro.

Em 1910 atuavam como Professores da Escola Municipal do sexo masculino de Bertioga Marina Leite de Moraes (titular) e Mario Pinto (substituto) e na Escola Estadual do sexo masculino da Enseada de Bertioga eram os Professores Vicente Quintino Duarte (titular) e Gabriel Bento de Oliveira (substituto).

Marina Leite de Moraes era filha do Professor Onofre Leite, falecido em 1909. Ela permaneceu em Bertioga como Professora titular de 1910 até 1926, quando faleceu no dia 9 de fevereiro, em Santos.

Até 1910 o Inspetor de Ensino era Francisco Amancio de Oliveira. A partir de 1911 o Inspetor de Ensino passa a ser Delphino Stockler de Lima. No mesmo ano, a Escola do sexo masculino de Bertioga é transformada em escola mista, para ambos os sexos.

Em 1912 atuavam como Professores da Escola Municipal do sexo masculino de Bertioga Marina Leite de Moraes (titular) e Olivia de Moraes Pinto (substituta) e na Escola Estadual do sexo masculino da Enseada de Bertioga eram os Professores Mario Moraes (titular) e Gabriel Bento de Oliveira Filho (substituto).

Em 1913 atuavam como Professores em Bertioga Olivia de Moraes Pinto (titular) e Semirante Moreira (substituto).

No exame realizado em 1913 foram aprovados com “distinção” Mario Leite, Maria Candida e Phipolema de Oliveira. Aprovados “plenamente” Aristeu Tavares, Lucilia Campos, Domingo Ramos, Jayme Piloto, Mathias Guimarães, Alberto Pinto, Brasilio de Paula, Silveria Santos, Olga Piloto, Pedro Ludgero, Indalecio Jesus, Leonor Santos, Adelaide de Andrade, Benedicta Piloto, João Andrelino, Hermelinda Neves dos Santos e Benedicta dos Santos. Um dos examinadores, o Professor Abel de Castro, escreveu no livre de visitas: “se em todos os recantos do Brasil , afastados como este em onde me encontro, houvesse escolas, tão bem instaladas e tão bem regidas, outro e mais brilhante seria o futuro desta pátria, embora o seu progresso seja constante. Felicito a Câmara Municipal de Santos e a digna Professora pelos resultados que constatei”.

Em 1914 atuavam como Professores da Escola Municipal do sexo masculino de Bertioga Marina Leite de Moraes (titular) e Eliza Stockler de Araujo (substituta) e na Escola Estadual do sexo masculino da Enseada de Bertioga eram os Professores Mario Moraes (titular) e Gabriel Bento de Oliveira Filho (substituto).

Em 1915 atuavam como Professores da Escola Municipal do sexo masculino de Bertioga Marina Leite de Moraes (titular) e Iracema Miller de Azevedo Marques (substituta) e na Escola Estadual do sexo masculino da Enseada de Bertioga eram os Professores Mario Moraes (titular) e Gabriel Bento de Oliveira Filho (substituto).

Em 1917 atuavam como Professores da Escola Municipal do sexo masculino de Bertioga Marina Leite de Moraes (titular) e Risoleta Porchat de Assis (substituta) e na Escola Estadual do sexo masculino da Enseada de Bertioga eram os Professores Mario Moraes (titular) e Eugenio Porchat de Assis (substituto).

Em 1919 atuavam como Professores da Escola Municipal do sexo masculino de Bertioga Marina Leite de Moraes (titular) e Eliza Stockler de Lima (substituta). Ainda em 1919, Albertina Fernandes é nomeada, interinamente, como substituta. Já na Escola Estadual do sexo masculino da Enseada de Bertioga eram os Professores Mario Moraes (titular) e Gabriel Bento de Oliveira Filho (substituto).

Em 1920 atuavam como Professores da Escola Municipal do sexo masculino de Bertioga Albertina Fernandes (titular) e Eliza Stockler de Araujo (substituta) e na Escola Estadual do sexo masculino da Enseada de Bertioga eram os Professores Iperoig Dias Villela (titular) e João Ozório da Fonseca (substituto).

Em 1921 atuavam como Professores da Escola Municipal do sexo masculino de Bertioga Marina Leite de Moraes (titular) e Celso da Cunha Alves (substituto) e na Escola Estadual do sexo masculino da Enseada de Bertioga eram os Professores Iperoig Dias Villela (titular) e José Olivar da Silva (substituto).

Em 1923 atuavam como Professores da Escola Municipal do sexo masculino de Bertioga Marina Leite de Moraes (titular) e Ida de Breyne (substituta) e na Escola Estadual do sexo masculino da Enseada de Bertioga eram os Professores Iperoig Dias Villela (titular) e Leopoldina S. Araujo (substituta).

Em 1924 atuavam como Professores da Escola Municipal do sexo masculino de Bertioga Marina Leite de Moraes (titular) e Iracema Marques (substituta) e na Escola Estadual do sexo masculino da Enseada de Bertioga eram os Professores Iperoig Dias Villela (titular) e Eliza C. Araujo (substituta).

Em 1924, sob a coordenação de Delphino Stockler de Lima, foram avaliados e aprovados: Benedicto Amancio, Epiphanio Baptista, Mario Ignacio. José Epiphânio, João Eduardo, Romualdo Sant’Anna, Pheni Hora, Luiz Lemes, Benedicta Mauricia, Thereza Calvo, Nestor do Amparo, Marcolina Mervurges, Carminda do Amparo, Laura Sanches, Carmen Sanches, Maria Sanches, entre outros.

Em 1925, Antonio Costa Barros é transferido da Escola do Bairro do Iporanga para a cadeira de Professor titular da Escola da Enseada de Bertioga (Indaiá), por onde permaneceu por mais de dez anos.

E em 1926, Iperoig Dias Villela torna-se titular e Odila Bittencourt substituta, na Escola de Bertioga.

Essa Escola Municipal somente viria a ter uma casa destinada a educação dos alunos em 1924, quando a Colônia de Pescadores emprestou a sua sede para essa finalidade. Em 1942 a Prefeitura de Santos constrói em frente à praia um prédio exclusivamente com recursos públicos para servir como escola municipal, em condições adequadas de ensino, recreação e higiene.

O Professor Delphino Stockler de Lima, um dos nomes mais respeitados do ensino público de Santos, começou como titular da disciplina de Matemática, tornando-se, posteriormente, Inspetor de Instrução Municipal, atuando com profunda dedicação nas escolas de Bertioga nas décadas de 1920 e 1930. Inúmeros estudantes foram avaliados e aprovados sob a supervisão do Professor Delphino. Foi nomeado como Diretor de Ensino de Santos em 1939, aposentando-se em 1941.

Professor Delphino Stockler de Lima – Jornal A Tribuna de Santos – Foto de 1939

Professor Delphino Stockler de Lima em foto de 1939: Inspetor de alunos das escolas de Bertioga nas décadas de 1920 e 1930 e Diretor de Ensino de Santos de 1939 a 1941. Faleceu em 1948, aos 77 anos.

No dia 20 de março de 1941, dia de seu aniversário de 70 anos, aposentava-se, compulsoriamente, o Professor Delphino Stockler de Lima, ao centro de terno cinza. Neste dia, foi homenageado na Prefeitura de Santos por colegas de trabalho e amigos.

A Escola da Praia de São Lourenço era mista (meninos e meninas), de gestão estadual e a professora responsável, em 1939, era Oriete Bueno Duarte.

Levantamento acerca das terras devolutas - 1906

O Brasil pertencia a Coroa Portuguesa, que no ano de 1534 implantou as “capitanias hereditárias”, dividindo o território brasileiro em quinze partes, administradas pelos “donatários” português. Bertioga estava inserida na Capitania de Santo Amaro, de Pero Lopes de Sousa. Seus herdeiros, por sua vez, usando do instituto jurídico das “sesmarias”, transferiram o uso desses bens aos encarregados, às instituições religiosas, aos fazendeiros, entre outros. Em 1850, por meio da Lei nº 601, a Lei das Terras Devolutas, o Imperador Dom Pedro II determina que as terras que não possuam título ou ato de posse sejam devolvidas ao Império. Com a Proclamação da República e uma nova Constituição, essas “terras devolutas” foram transferidas para os Estados, mantendo no patrimônio federal apenas as localizadas nas fronteiras com outros países.

No ano de 1906, o Governo do Estado de São Paulo, produziu um relatório sobre as “terras devolutas” localizadas ao longo do Rio da Bertioga (Canal de Bertioga). Consta desse relatório que a primitiva Vila de Bertioga nesta época já não possuía mais terras devolutas, pois estavam ocupadas por propriedades particulares. Do lado esquerdo do Rio da Bertioga, sentido Santos, o relatório indicava que as terras devolutas estavam preservadas (sem ocupação).

Posto do Telégrafo – 1907

Em 1907, foi instalado o Posto do Telégrafo em Bertioga. A Província de São Paulo acabava de realizar uma ampla manutenção do sistema de fios que constituía a antiga “linha do telégrafo”.

O serviço foi implantado dentro do prédio do “quartel” do Forte São João. O local já era usado pela Força Policial de São Paulo.

Somente na década de 1920 que o sistema por ondas de rádio eletromagnéticas foi instalado no Forte São João.

Publicação realizada em 1907 no Boletim Telegraphico da Repartição Geral dos Telegraphos.

Publicação realizada em 1908 no Boletim Telegraphico da Repartição Geral dos Telegraphos.

Publicação realizada em 1908 no Boletim Telegraphico da Repartição Geral dos Telegraphos.

Na instalação da fiação e do posto de Bertioga trabalharam Sebastião Hermeto (11º trecho), Albino Coelho Barreto (encarregado do 12º trecho), Benedicto Antonio Ferreira (encarregado do 12º trecho).

Segundo o “Boletim Telegraphico da Repartição Geral dos Telegraphos”, Benedicto Antonio Ferreira, guarda-fios, assumiu como encarregado do posto de Bertioga em 1915. E de acordo com o “Boletim Telegraphico da Repartição Geral dos Telegraphos” o guarda-fios Manoel Cândido de Macedo, que estava encarregado do trecho Guaratiba/Juqueí, é transferido em 1917 para a função de encarregado do posto telegráfico de Bertioga.

Manoel Cândido de Macedo foi sucedido pelo seu filho Miguel Macedo no dia 12 de dezembro de 1942, segundo disse Miguel Macedo em entrevista ao jornal “Costa Norte”. Também trabalharam no posto do telégrafo de Bertioga: Narciso Marques, Albino Barreto, José Epifânio da Silva.

Em Bertioga, o sistema foi totalmente desativado na década de 1960.

A Vila de Bertioga - 1910

Até o início do século XX, o Canal de Bertioga recebia a denominação de “Rio da Bertioga”. Foi a partir da instalação da Usina Hidrelétrica de Itatinga, na década de 1910, e dos estudos e projetos para que as linhas de transmissão passassem por cima do “Rio da Bertioga”, que este passa a ser denominado nos documentos oficiais como Canal de Bertioga, já que rio não é, pois não possui uma nascente. E o nome Canal se adequa melhor a ideia de curso d’água natural, destinado a navegação.

A orla do Canal de Bertioga, até o final da década de 1910, não possuía uma “ponte de atracação”, “trapiche” ou “embarcadouro”, isto é, uma estrutura de madeira avançada sobre as águas do canal para o embarque e desembarque de passageiros. O nome “ponte de atracação” é citado no último contrato de concessão do serviço à “Santense” (1952). A Prefeitura de Santos, quando construiu a estrutura de concreto, deu o nome de embarcadouro (1971).

Sem possuir ainda uma “ponte de atracação”, as embarcações maiores permaneciam fundeadas no Canal de Bertioga, enquanto as canoas podiam permanecer sobre o “barranco” das margens do Canal ou recolhidas nos ranchos de pescadores, como expressou Benedito Calixto, possivelmente retratando Bertioga em 1907:

Tela de Benedito Calixto
Tela de Benedito Calixto

Tela de Benedito Calixto

Cartões postais da década de 1910 expressavam a tranquilidade e beleza das águas do Canal de Bertioga:

Orla do Canal de Bertioga – cartão postal – 1910
Orla do Canal de Bertioga – cartão postal – 1912

No entanto, em 1911, foi produzido pelo “Ministério da Agricultura” um relatório alertando para a destruição dos mangues de Bertioga. Esse relatório foi produzido a partir de estudos desenvolvidos pela “Comissão Geográfica e Geológica do Estado de São Paulo” no ano de 1903:

Rareando já de um modo sensível e assustador, longe talvez não esteja o dia em que, dos outr’ora, tão frondosos mangues de Santos, só restarão uns arbustos rachiticos e chloroticos, enfraquecidos nesta lucta desigual e sem tréguas contra a ganancia humana, sem dó nem piedade, e, o que é peior, sem consciencia do grave mal que causa a si mesma e aos vindouros.

 Como prova mais eloquente do que avançamos, basta citar o significativo facto de que em toda a área dos mangues de Santos, inclusive Bertioga, Jurubatuba, Rio Branco e Piassabussú, não nos foi possível encontrar uma só siriúba, um só pé de mangue virgem e de porte typico, para ser fotografado.

Nesta época, ainda não havia a ideia de “meio ambiente” como um “direito” ou “ciência”. O propósito era de natureza econômica, impedindo a extração ilegal de madeiras. O relatório aponta para a urgência em proteger os bosques marítimos, os manguezais, que por longos anos foram entregues aos machados dos lenhadores.

Extração de madeira nos manguezais do Canal de Bertioga – cartão postal – 1912

Outro grande problema eram os cercos de pesca. Esse assunto foi tema de debate na Câmara Municipal de Santos, pois em 1883 veio uma ordem do Presidente da Província (Governador do Estado) para que esses cercos e currais fossem destruídos. Ficou encarregada da diligência a Capitania dos Portos. Numa ação fiscalizatória, com o exercício do “poder de polícia”, foram destruídos 33 cercos pelo Canal de Bertioga. Teve despesas aos cofres públicos essa ação. E, logo depois, o próprio Poder Público conferiu novas licenças, para quem os interessava, discutiram os Vereadores santistas. Era raro promover essas ações fiscalizatórias e quando executadas não conseguiam o objetivo almejado. Os cercos, também chamados na época de cercados ou “curraes” de pesca eram proibidos por norma federal, pois eles impediam que os peixes circulassem pelo Canal de Bertioga e seus manguezais, fundamentais para a reprodução de diversas espécies, tal como as tainhas. Além disso, os cercos provocavam o assoreamento do Canal, a formação de lodo e vegetação, perigo a navegação e impacto ambiental.

Cerco de pesca na orla do Canal de Bertioga

Em 1915 não existia a ponte de atracação, a Avenida Vicente de Carvalho e a escola, apenas alguns casebres e ranchos de pescadores, onde alguns anos depois as novas famílias de comerciantes se instalariam.

Rancho de pesca – 1915
Rancho de pesca e visão da atual Avenida Vicente de Carvalho e do Forte – 1915
Antiga orla do Canal de Bertioga (Avenida Vicente de Carvalho) – 1915
A orla do Canal de Bertioga. Terreno próximo ao atual Pier Licurgo Mazzoni. Rancho de pesca e casa de madeira ao fundo. Década de 1910. Foto da Coleção de Luiz Gonzaga de Azevedo, adquirida pela Fundação Roberto Marinho e doada ao Museu Paulista, da USP. Colorizada por História de Bertioga.

Cartão postal de 1919 mostra a orla do Canal de Bertioga ainda com sua vegetação rasteira e as canoas, algumas abandonadas, apodrecendo, outras aguardando a próxima pescaria:

Orla do Canal de Bertioga – cartão postal – 1919
Cais do Forte São João – 1905.
Rancho de pesca. Bairro da Cachoeira. Canal de Bertioga – Cartão postal de 1905.
Rancho de pesca. Bairro da Cachoeira. Canal de Bertioga – Cartão postal de 1905.

A Prefeitura de Santos, através da Recebedoria de Rendas, publicou em 1917, na imprensa oficial, os nomes dos proprietários de terras em Bertioga, que deveriam recolher o imposto territorial. São eles: Carolina Augusta de Menezes (Rio da Bertioga), Claudino I. da Rocha (Itatinga), Convento do Carmo (Rio da Bertioga/Praia da Bertioga), Bento Thomaz de Oliveira (Rio da Bertioga), Augusto Marinangili (Rio da Bertioga), Antonio Eustachio Largacha (Rio da Bertioga), Domingos Vicente de Oliveira (Rio da Bertioga), Damião José de Oliveira (Rio da Bertioga), Francisco Miraglia (Bertioga), Feliciano Baptista dos Santos (Rio da Bertioga), Florisbella Zacharias (Itatinga), Guilherme Santos (Rio da Bertioga), Gabriel Bento de Oliveira (Rio da Bertioga), Gabriel Garcez (Praia de Bertioga), Giuseppe Affonso Pelegrini (Rio da Bertioga), João dos Santos Moura Junior (Rio da Bertioga), Basilio dos Santos (Bertioga), João Euzebio dos Santos (Rio da Bertioga), José Ribeiro Coelho (Praia de Itaguaré), José da Cruz e irmão (Praia de Guaratuba), Joaquim Tavares (Bertioga), Luiz José de Mattos (Praia de Itaguaré), Manoel Augusto Alfaya (Rio da Bertioga), Norberto Luiz (Bertioga, Praia de Bertioga, Praia de Itaguaré), Martim Francisco e Jose Bonifacio de Andrada (Bertioga), Margarida Theodora de Campos (Bertioga), Sergio de Andrade (Rio da Bertioga), Prudente da Silva Bellegarde (Praia de Boracéia), Tiburcio Rodrigues de Souza (Rio da Bertioga), Uriel dos Santos Gaspar (Itapanhaú), Waldomiro Campos Luiz (Praia de Bertioga).

Além desses nomes, reconhecidos oficialmente pela Prefeitura de Santos, existiam inúmeros posseiros ou locatários, trabalhando no seu sustento e no desenvolvimento de Bertioga.

Na primeira metade do século XX (1901/1950) existiram diversas fazendas de bananas em Bertioga. As bananas eram levadas ao Porto de Santos, para exportação. Um dos principais bananicultores de Bertioga foi José Vergara, que no início da década 1910 adquiriu da Companhia Docas de Santos, diretamente de Eduardo Guinle, uma parte da Fazenda Pelaes, a 500 metros da Usina de Itatinga. Ainda na década de 1910 José Vergara deu início nessas terras a um próspero negócio de bananicultura. Segundo Eliana Ribeiro Vergara, neta de José Vergara, em entrevista ao jornal “Costa Norte”, sua família viveu o auge da produção de bananas principalmente entre as décadas de 1930 e 1970. Toda a colheita era transportada em troles, puxados a mão por linha férrea. Existia uma linha de trilhos por onde passavam os troles até chegar ao Rio Itapanhaú, onde eram depositadas as bananas em batelões (barcaças) que deslizavam lentamente em direção ao Porto de Santos, via Canal de Bertioga.

Fazenda Pelaes e o transporte das bananas por troles. Foto do cervo da família Vergara.

Os pequenos agricultores de Bertioga, tal como os de banana, como Orestes Amparo, iam comercializar sua produção em Santos, no Mercado Municipal do Macuco. Fonte: Fundação Memória e Arquivo de Santos.

Embarque no cais de Santos realizado pela água. Fonte: Fundação Memória e Arquivo de Santos.
As bananas eram cobertas por uma palha, para que fossem preservadas. Embarque no cais de Santos realizado por terra. Fonte: Fundação Memória e Arquivo de Santos.
Cais Santista. Década de 1910. Fonte: Biblioteca Municipal de Santos.

Chácara dos Jambeiros – 1910

Ao lado do Forte São João, em 1900, João Basílio dos Santos adquire parte das terras do Coronel Cândido Anunciado Dias de Albuquerque, incluindo uma casa construída por ela em 1890, que durante muitas décadas era usada como ponto de encontro nos frequentes piqueniques à Vila de Bertioga.

Ali, ocupando uma área quase que totalmente igual ao do atual Parque dos Tupiniquins, João Basílio dos Santos instalou entre 1908 e 1910 a Chácara dos Jambeiros ou Chácara das Palmeiras Imperiais. Existia ali também um grande e velho bambuzal e bananeiras. Há certa divergência entre os historiadores, mas pela análise das publicações, João Basílio dos Santos é citado como agricultor, proprietário de uma chácara, exercendo atividade rural, com criação de animais, especialmente aves, e cultivo de frutas e legumes. A propriedade também era usada, nos finais de semana, como um local para piqueniques, mas não se sabe se era cobrado algo por isso.

Pela transcrição de nº 17.119, foi lavrada no 3º Tabelião de Santos no dia 6 de dezembro de 1918 a escritura pública de venda e compra celebrada um dia antes, pela qual Germano Besser adquiriu de João Bazilio dos Santos a área onde está a Chácara dos Jambeiros e ali instalou a “Pensão Bertioga”.

No entorno do Forte São João, João Basílio dos Santos instalou em 1910 a Chácara dos Jambeiros. À esquerda, a casa construída em 1890 pelo Coronel Cândido Anunciado Dias de Albuquerque e adquirida por João Basílio dos Santos em 1900

Piquenique na Chácara dos Jambeiros. Foto histórica de 1913, de Jorge Marques (acervo de fotos de História de Bertioga). Encontro organizado pelas famílias de Americo Martins dos Santos, Octavio Lara, Andradina de Azevedo Marques e Ilsa Millon, além da companhia de Nelson Camison. Era amigos, bem afortunados de São Paulo e vieram com várias crianças e moças, além das auxiliares responsáveis pelos cuidados com os bebês.

Arredores da Chácara dos Jambeiros.

O quartel e o terrapleno do Forte São João, áreas ocupadas por João Bazilio dos Santos, citado como um pescador. Foto publicada no jornal “O Parafuso”, em 1919, na época de venda para Germano Besser.

A alameda das palmeiras imperiais. Estavam alinhadas e formavam um corredor com talvez oito ou dez palmeiras de cada lado. Foto publicada no jornal “O Parafuso”, em 1919.

Usina de Itatinga - 1910

Em 10 de outubro de 1910 foi inaugurada a Usina Hidrelétrica de Itatinga, um empreendimento construído pela Companhia Docas de Santos para gerar energia elétrica a partir do Rio Itatinga para abastecer o Porto de Santos.

Usina de Itatinga

Canal de Bertioga – Monte Cabrão – Itapema – Passagem das linhas de transmissão ligando o Porto de Santos a Usina de Itatinga

Porto de Santos – conexão com a linha de transmissão vinda da Usina de Itatinga

Entre os meses de dezembro de 1905 e maio de 1906 houve um surto de malária que paralisou as obras de construção da Usina de Itatinga. O alto índice pluviométrico da região provocou a proliferação de mosquitos transmissores da malária. A Companhia Docas de Santos entrou em contato com Oswaldo Cruz, Diretor de Saúde do Rio de Janeiro, que incumbiu o médico Carlos Chagas de vir até Bertioga, em Itatinga.

 

Carlos Chagas adotou uma série de medidas para eliminação do mosquito, especialmente voltados ao saneamento básico das instalações dos trabalhadores, valas para escoamento das águas empoçadas e proteção das casas com telas. Também descobriu que os mosquitos somente picavam durante o crepúsculo, mantendo os trabalhadores em isolamento neste período. Depois, podiam ser aproveitados no trabalho noturno que não haveria risco algum. Carlos Chagas obteve êxito e seu trabalho foi referência internacional.

Construção da Usina de Itatinga

Ruy Barbosa visita Bertioga - 1912

A campanha de 1909 a 1910 na qual Rui Barbosa disputou a Presidência da República, repercutiu bastante em sua saúde física. Ele ficou doente. Precisava descansar. O seu médico prescreveu longas férias. Inicialmente, passou uma temporada em Campinas, e depois resolve passar uns tempos em Santos, ficando hospedado na casa de Júlio Conceição.

Foi em 23 de junho de 1912, véspera de São João, que Ruy Barbosa, ilustre jurista na época, veio visitar Bertioga.

Um dos maiores brasileiros de todos os tempos. Era Senador da República em 1912. Ruy Barbosa, segundo Afrânio Peixoto, foi “libertador de cativos, defensor de oprimidos, educador do povo, reformador da pátria, apóstolo de todas as causas liberais. O maior entre os seus, no seu tempo”.

Rui Barbosa foi convencido a conhecer Bertioga pelo seu genro, Antonio Baptista Pereira, que o acompanhava nas férias. Segundo relatado pelo próprio Baptista Pereira, na sua obra “Rui Barbosa em Santos”, foi ele o responsável por contar para o seu sogro a história de Hans Staden e a grandeza da histórica Bertioga, fazendo-o ter interesse por conhecer o local.

O passeio até Bertioga foi realizado através da lancha “Padua Salles”, que pertencia ao serviço de migração. Ruy Barbosa estava acompanhado de sua família e por diversas autoridades importantes da época, entre os quais Norberto de Cerqueira (promotor público acompanhado da família), Dr. Valdomiro Silveira, Júlio Conceição, Dr. Oscar Lofgren, Dr. Agenor Silveira e Telesforo dos Santos.

Eles embarcaram às nove horas da manhã, na Ponta da Praia, em Santos. Eles desceram em Bertioga, em frente ao Forte São João, visitaram as ruínas e percorreram a praia da Enseada de Bertioga. Ruy Barbosa conheceu também o Forte São Luís, a Ermida de Santo Antônio do Guaíbe e as ruínas da Armação das Baleias.

O Jornal “O Estado de São Paulo” noticiou a tarde aprazível de Ruy Barbosa em Bertioga. Disse que Ruy Barbosa teve a “mais agradável impressão do passeio, assim como todas as pessoas que fizeram parte de sua comitiva”.

O retorno até Santos não foi muito bom, o genro Antonio Baptista Pereira, que acompanhava Ruy Barbosa na lancha, contou que na volta estava uma “chuvarada infernal e uma ponta de tufão pregaram neles um bom susto”.

Chegaram às seis da tarde em Santos, descendo na Ponta da Praia, de onde seguiram de bonde até a vivenda de Júlio Conceição, no Boqueirão, o histórico “Parque Indígena”, onde foi oferecido um jantar ao final do dia.

Ruy Barbosa, sua esposa e uma das filhas, em foto de 1907. Fonte Wikipédia

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