Forte São João

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Forte São João de Bertioga

O Forte São João de Bertioga é uma estrutura de pedras e argamassa construída no século XVI para defesa militar da Barra de Bertioga, um dos acessos à Vila de São Vicente. Foi a primeira construção oficial da Coroa Portuguesa no Brasil. Teve participação especial na história, no início da colonização, como um importante marco de proteção à recém fundada Vila de São Vicente do ataque de nativos e piratas europeus, possibilitando, a partir dali, a pacificação dos povos indígenas e a colonização do Brasil.

Atualmente, é formado por duas estruturas principais: a) o terrapleno ou plataforma de armas; b) o quartel, onde hoje funciona o Museu João Ramalho, casa que servia para alojamento dos soldados, armazenamento da artilharia, além de contar com uma capela.

Está localizado em Bertioga, cidade do litoral do Estado de São Paulo, em frente à Praia da Enseada, na entrada da Barra de Bertioga e do Canal de Bertioga.

Partindo da descrição de inúmeros autores, é possível interpretar a existência de diferentes estruturas ao longo da história. A primeira fortaleza pode ter sido a Torre da Bertioga, erguida em 1531, uma espécie de trincheira ou posto de observação, como explica Frei Gaspar da Madre de Deus. A segunda fortaleza foi construída em 1547 pela família de Diogo de Braga, era a paliçada com uma casa forte ao centro, de acordo com os relatos de Hans Staden. É possível que João Ramalho tenha estado a frente da construção dessas duas fortificações. Já a terceira fortaleza, de alvenaria, com o terrapleno e a casa do quartel, foi erguida por ordem oficial e documentada do Rei de Portugal, e concluída em 1560, recebendo o nome de Fortaleza/Forte de São Thiago. Por volta de 1760, o terrapleno é ampliado por decisão do Governador da Capitania de São Paulo  e mais tarde passa a ser denominado de Forte São João. 

A primeira fortaleza: a Torre da Bertioga - 1531​

O nobre português Martim Afonso de Sousa foi designado pelo Rei de Portugal Dom João III para realizar uma expedição no Brasil, com o objetivo de expulsar os franceses e estabelecer marcos de posse pelo litoral brasileiro. Veio com mais de 400 pessoas. Estava autorizado a escolher para si mesmo cem léguas de costa da melhor terra e outras oitenta para seu irmão Pero Lopes de Sousa. Chegou ao Brasil em dezembro de 1530 e imediatamente percorreu o litoral brasileiro. Esteve pela primeira vez em Bertioga no ano de 1531, de passagem, para depois retornar em direção à Vila de São Vicente, que seria fundada em 22 de janeiro de 1532.

Martim Afonso de Sousa nasceu em Portugal, Vila Viçosa, no ano de 1500 e faleceu em Lisboa, no ano de 1564. Foi o primeiro donatário da Capitania de São Vicente.

Durante sua passagem por Bertioga, Martim Afonso de Sousa realizou a “Conferência de Bertioga”, objetivando a expulsão do Bacharel de Cananéia, Mestre Cosme Fernandes, do povoado de São Vicente, para que houvesse a fundação da Vila de São Vicente.

Ainda em 1531, na sua passagem por Bertioga, Martin Afonso de Sousa teria ordenado que se edificasse uma instalação de defesa, muito precária, para dar proteção contra os indígenas, ameaça presente à segurança dos colonizadores, cujos conflitos prosseguiriam durante vários anos.

O povo Tupi dividia-se em dois grandes grupos: “Tupinambás”, que ocupavam o litoral do Rio de Janeiro até Bertioga, e “Tupiniquins”, ocupando o litoral a partir de Bertioga até Cananéia. Os Tupinambás tinham parceria com os franceses, e os Tupiniquins com os portugueses. Era um cenário de constantes conflitos, que exigiam a defesa da Barra de Bertioga, impedindo ataques sorrateiros contra a Vila de São Vicente.

Possivelmente, foi João Ramalho quem ficou responsável pela construção da primeira fortaleza na Barra de Bertioga, uma espécie de trincheira, feita de madeira, extraída da vegetação local. João Ramalho era um português que já estava no Brasil antes da chegada de Martim Afonso de Sousa. Não se sabe ao certo o motivo da vinda dele ao Brasil, como náufrago, aventureiro ou degredado. Conheceu os Tupiniquins e ficou próximo do Cacique Tibiriçá, importante liderança indígena no Planalto Paulista. Por causa da aproximação, terminou se casando com uma das filhas do Cacique Tibiriça, Bartira. Em função dessa união, João Ramalho passou a exercer grande influência entre os nativos. Eles conheciam o terreno, seus perigos, sabiam onde tinha água e qual era a madeira de melhor qualidade, e por isso foram úteis para a expedição.

Bartira e João Ramalho, a união de uma indígena com um português que facilitou a ocupação do Brasil, a partir de Bertioga e São Vicente.

Martim Afonso de Sousa, com auxílio de João Ramalho, instalou ali somente uma estacada ou pequena casa, para refúgio e abrigo provisório de pessoas que deixaria naquele ponto, casa esta que ele mesmo fez abandonar no ano seguinte, não se podendo contar, dali, a existência real da fortaleza, segundo defende Fernando Martins Lichti.

Não há registros históricos concretos sobre isso, mas Diego de Braga e seus filhos teriam se instalado ali, numa casa de pau-a-pique, tomando para si a missão de proteger a Barra de Bertioga. Diego de Braga era um português, casado com uma nativa. Eles tiveram cinco filhos, chamados de “mamelucos”, pela miscigenação de branco e indígena. Eram João de Braga, Diogo de Braga, Domingo de Braga, Francisco de Braga e André de Braga, todos jovens adultos nessa época.

Frei Gaspar da Madre de Deus escreveu em “Memórias para a história da Capitania de São Vicente”, a existência da “Torre da Bertioga”, uma espécie de fortim ou posto de observação, feito inteiramente de madeira e de modo muito precário para abrigar a esquadra de Martim Afonso de Sousa em terra. Foi construído no mesmo local onde se encontra o Forte São João. Ainda de acordo com Frei Gaspar da Madre de Deus, o manuscrito de Dionísio da Costa diz que a entrada de Martim Afonso de Sousa em direção a à São Vicente foi pela Barra de Bertioga. A expedição vinha de viagem do Rio de Janeiro e precisava que a tripulação ficasse aquartelada, o que justificaria a construção de uma fortaleza em Bertioga. 

Alberto Sousa, biógrafo de José Bonifácio de Andrada e Silva, em seu livro “Os Andradas”, confirma a existência dessa primitiva fortificação erguida no ano de 1531. Francisco Martins dos Santos não discorda dessa interpretação, mas ressalta que logo foi abandonada.

O Instituto Histórico e Geográfico Guarujá-Bertioga, quando da presidência de Lucia Piza Figueira de Mello Falkenberg, no Guia do Museu João Ramalho, faz uma interpretação diferente e isolada dos demais autores, afirmando que essa fortificação erguida a mando de Martim Afonso de Sousa, era a “paliçada” (estacada) construída em 1532 por Diogo de Braga e seus filhos. Esse é um ponto de conflito nas versões, pois sabemos que todos os autores dizem que a “paliçada” foi executada no ano de 1547.

Já Adler Homero Fonseca de Castro, em sua obra “Muralhas de Pedra, Canhões de Bronze e Homens de Ferro”, se opõe a interpretação de existência de qualquer instalação no sítio de Bertioga antes de 1547, aduzindo que essa versão “não é confirmada por outros documentos da época da fundação da colonização”. Ele considera que os poucos recursos da Coroa Portuguesa foram usados para instalações na recém fundada Vila de São Vicente. Para Adler, a primeira fortificação foi a “paliçada”, erguida em 1547.

A segunda fortaleza: a paliçada - 1547

Em 1547, os cinco filhos de Diego de Braga, além de outros portugueses e nativos amigos, os Tupiniquins, sob a orientação de João Ramalho, edificam uma casa forte para defender o território dos inimigos, os Tupinambás.

Possivelmente a família de Diego de Braga tinha interesse em proteger as terras para fins de cultivo e exploração.

Construíram uma paliçada, obra de engenharia militar, formada por uma arena cercada de estacas de madeira fincadas no chão, entrelaçadas entre si, para impedir o ataque inimigo. O livro “Duas Viagens ao Brasil”, de Hans Staden, publicado em 1557, retrata como era uma paliçada, possivelmente semelhante à construída pelos irmãos Braga.

Gravura de uma aldeia fortificada, no livro “Duas Viagens ao Brasil”, de autoria de Hans Staden

A mata foi cortada e queimada. Os Tupinambás viram esse evento como uma invasão ao seu território e um desrespeito com a natureza. A floresta era o templo sagrado da tradição. Ela fornecia tudo que o nativo precisava. Era na floresta que estavam abrigados os espíritos e era ela que fornecia o alimento e a casa. Quando os Tupinambás viram teriam gritado “caiçara”. Significava “assassinos da selva” ou “incendiários da mata”, como escreveu Francisco Martins dos Santos. Mas, nos estudos de Teodoro Sampaio, o maior especialista em Tupi nacional, “caiçara” significava “estacada”, “tapume”, “cercado” ou “trincheira”.

Não existem documentos que indiquem com precisão qual foi o material empregado para a construção dessa estrutura. Pelo relato de Hans Staden era um cercado de madeira com uma casa forte ao centro. 

Para Adler Homero Fonseca de Castro, em sua obra “Muralhas de Pedra, Canhões de Bronze e Homens de Ferro”, essa casa forte era feita de barro. E poderia ser totalmente de barro e madeira, inclusive sua cobertura, sem nada de palha, o que teria impedido que os nativos a incendiassem no ataque de 1547. Gravuras no livro de Hans Staden parecem confirmar isso, embora desenhadas por artistas europeus que nunca vieram ao Brasil, foram produzidas na época segundo os relatos do próprio Hans Staden. 

Segundo consulta oficial ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, a placa com o ano de 1547, localizada encima da porta da antiga entrada principal, ao lado do Forte São João (Forte São Thiago), e de frente para o Canal de Bertioga, foi instalada ali entre as décadas de 1960 e 1970 pelo Instituto Histórico e Geográfico Guarujá-Bertioga, que considerava o ano de 1547 como data de possível construção “de um forte que pudesse oferecer maior resistência aos ataques inimigos, do qual, os Irmãos Braga, unindo-se a sobreviventes e a novos colonos, levantaram as fundações da fortificação no mesmo local da antiga paliçada”. Nesta versão, do Instituto Histórico e Geográfico Guarujá-Bertioga, o Forte São Thiago, de alvenaria (cal e pedra), com os mesmos traços da fortaleza atual, teria sido erguido em 1547.  

O IPHAN, ainda em parecer oficial, questiona essa versão, alegando que em 1547 o que existia era apenas a “paliçada” construída por Diogo de Braga e os filhos.

Independentemente de ser de “pedra e cal” ou ser de “barro e madeira”, é fato incontroverso que em 1547 existia uma fortificação na Barra de Bertioga. 

Esse assunto apresenta divergência entre os autores. O historiador José da Costa e Silva Sobrinho afirma que no “Arquivo da Câmara de São Vicente, livro de vereações de 18 de fevereiro 1557”, consta que na Barra de Bertioga, quando foi determinada a construção de uma nova fortificação, em 1551, isso foi feito em substituição a outra que já existia, possivelmente a de 1547. A conclusão é que se substitui somente algo que já existe. Se já existia uma fortificação de alvenaria, foi ela substituída por outra de alvenaria.

Frei Gaspar da Madre de Deus, em “Memórias para a história da Capitania de São Vicente”, disse que “ordenaram com beneplácito de ambos os povos, que à custa deles se levantasse outra fortaleza de pedra e barro defronte da primeira”. Se a ordem foi para a execução de uma outra “fortaleza de pedra e barro”, isso pode ser interpretado como existindo uma anterior, também de “pedra e barro”. Talvez essa construção que Frei Gaspar disse feita de “pedra e barro” fosse a casa forte, que ficava ao centro da “paliçada”, construída em 1547.

Quando os Tupinambás descobriram a paliçada, vieram silenciosamente pelo Canal de Bertioga (Rio da Bertioga), com setenta canoas e, como de costume, atacaram de madrugada. Os irmãos Braga e seus familiares teriam corrido para a casa forte que construíram e ali se defenderam, sobrevivendo. Muitos Tupinambás foram mortos, mas por fim venceram, matando todos os Tupiniquins aliados dos irmãos Braga, esquartejando-os e repartindo-os entre si, para levar para a aldeia, onde seriam assados e comidos.

Gravura de um ataque a aldeia fortificada, no livro “Duas Viagens ao Brasil”, de autoria de Hans Staden

Há divergência entre os autores sobre a data da destruição da fortaleza de paliçada, com a casa forte ao centro, feita pela família de Diogo de Braga. Para Francisco Martins dos Santos e Fernando Martins Lichti o ataque indígena teria ocorrido no mesmo ano de sua construção, em 1547. Já no livro “Arquitetura Militar, um panorama histórico a partir do Porto de Santos”, os autores Victor Hugo Mori, Carlos A. Cerqueira Lemos e Adler H. Fonseca de Castro, consideram que a paliçada foi destruída em 1551, partindo da interpretação do livro de Hans Staden, Duas Viagens ao Brasil, no qual o autor menciona que a destruição da fortificação teria ocorrido “dois anos antes de sua chegada”, não a São Vicente, mas a Bertioga, que ocorreu em dezembro de 1552, começo de 1553. A versão de que a fortaleza foi destruída em 1551 é coerente com a Carta do Irmão Diogo Jácome de São Vicente, escrita aos padres e irmãos de Coimbra, em 1551, no qual descreve o ataque e a destruição da fortaleza localizada em Bertioga, ocorridos “agora há poucos dias”.

Foi diante desse episódio, possivelmente em 1551, que a família de Diego de Braga decidiu construir uma nova fortificação, mais resistente, de pedras e com canhões, para a defesa dos inimigos. Mas não ficaram no mesmo local da paliçada destruída pelos Tupinambás. Foram para o outro lado do Rio da Bertioga (Canal de Bertioga), onde seria construído mais tarde o Forte São Felipe (Forte São Luís), na Ilha de Santo Amaro (Guarujá).

Assim, tinham começado um forte na Ilha, mas não o tinham acabado, pela falta de artilheiro português que se arriscasse a morar ali.

Em 1548 Luís de Góes escreve uma carta ao Rei Dom João III alertando sobre as dificuldades encontradas, a urgente necessidade de defender as capitanias e o litoral do Brasil e o risco de a Coroa Portuguesa perder essas terras recém-descobertas.

Para a alimentação do povoado nas Vilas de Santos e São Vicente era fundamental a produção agrícola nas terras vizinhas, como ocorria em Bertioga. Por isso, vários colonos receberam “sesmarias”, uma espécie de concessão da Coroa Portuguesa para ocupar e explorar as terras. Essas “sesmarias” foram concedidas a Diogo Rodrigues, José Adorno, Jorge Ferreira, Cristóvão Monteiro, Domingos Garocho, Simão Machado, Antonio Rodrigues de Almeida, Pascoal Fernandes, Jorge Pires, entre outros. Porém, com a ameaça dos Tupinambás, os colonos mudaram-se para as Vilas de Santos e São Vicente.

É nesse contexto que o alemão Hans Staden entra para a história de Bertioga. Era um homem livre que estava em busca de prestar serviços em troca de bons salários.

Hans Staden estava na sua segunda viagem ao Brasil, em uma expedição a serviço do governo espanhol. Chegou em abril ou maio de 1549 quando sofre um naufrágio na costa brasileira. Conseguiram aportar em uma ilha, que chamou de Ilha de Santa Catarina (Florianópolis), onde receberam ajuda do povo Carijó, amigo dos espanhóis, permanecendo ali por dois anos, em condições selvagens e precárias, até conseguirem chegar a Vila de São Vicente, para trabalhar em um engenho de açúcar. Soube que estavam precisando de um artilheiro em uma fortificação na Barra de Bertioga.

Hans Staden foi conhecer o lugar. Era final do ano de 1552. Quando os moradores souberam que ele era alemão e que entendia de artilharia, pediram para ficar no forte e ajudá-los a vigiar o inimigo. Prometeram equipe de trabalho e um bom salário, além da garantia de ser estimado pelo Rei, porque este costumava ver com bons olhos aqueles que, em terras assim novas, contribuíam com seu auxílio e seus conselhos. Hans Staden decide ficar pelo período de quatro meses e segundo o que relatou em seu livro, algum tempo depois começaram a chegar os suprimentos para construção da fortificação. Termina o seu contrato de quatro meses, mas o Governador Thomé de Souza e os moradores pediram para que ele ficasse. Aceitou ficar por mais dois anos, contratado oficialmente pela Coroa Portuguesa, em abril de 1553, recebendo sua patente e com o compromisso que terminado o período de trabalho, ele retornaria no primeiro navio para Portugal. Ali foi concluída a construção de uma “casa de pedra”, uma estrutura que antecede ao Forte São Felipe (Forte São Luís). Foram instalados alguns canhões e Hans Staden recebeu ordens para que zelasse bem da casa e das armas.

Hans Staden relatou que era necessário estar mais alerta em duas épocas do ano. Em agosto, os Tupinambás partiam para a pesca de uma espécie de peixe que saia do mar para a água doce, onde desovava. Era a pesca da tainha, segundo explicou Teodoro Sampaio. As tainhas eram capturadas com redes ou flechas. Esse peixe era frito em grandes quantidades pelos nativos e levado para a aldeia. Também faziam farinha dele. Em novembro, outro momento de iminente perigo de ataques, era época de amadurecer o milho, com o qual os nativos preparavam uma bebida fermentada junto com a mandioca, que eles bebiam quando tinham algum inimigo de guerra para comer em rituais antropofágicos. Relata Hans Staden, que várias vezes, a noite, os nativos tentaram surpreendê-los, mas sempre conseguiram percebê-los, evitando um novo ataque.

Em 1554 Hans Staden, caçando fora das imediações da fortificação, foi capturado pelos Tupinambás e levado para a aldeia, localizada mais ao norte de Bertioga. É um dos relatos mais extraordinários sobre a cultura do povo Tupinambá. Hans Staden ficou prisioneiro por nove meses e os Tupinambás possivelmente tinham intenção em praticar com ele a antropofagia, uma espécie de ritual espiritual que consiste em comer os inimigos, em momento de ódio e vingança, ainda não muito bem compreendida, talvez para ganhar a força e os poderes do inimigo, fazendo dele parte de seu corpo. Logo que capturado, os nativos disputaram a posse dele, para que ficasse com o que viu o ou capturou primeiro. Ao chegar na aldeia, os nativos mordiam simbolicamente os braços dele, para mostrar a intenção de comê-lo.

Alguns dias depois, foi levado para a aldeia principal, onde conheceu o principal “rei” de todos eles, Cunhambebe, ali implorou pela vida e enalteceu fortemente a grandiosidade do líder indígena Tupinambá. Descreve Hans Staden ser Cunhambebe um homem com uma pedra verde atravessada nos lábios, além de um colar de conchas, enrolado várias vezes no pescoço, com cerca de dez metros de comprimento, demonstrando a autoridade do líder Tupinambá. Conversou por longo tempo com Cunhambebe, que gostou de ouvir os elogios. Foi mantido cativo, sob a constante ameaça dos nativos de ser morto, cozido e devorado, como ele próprio viu acontecer com outros prisioneiros.

Hans Staden era uma espécie de troféu para os Tupinambás contra os inimigos portugueses. Pensavam que Hans Staden era português. Inicialmente, foi tratado de modo agressivo, mas as suas súplicas à Deus, olhando para o céu, e falando a língua Tupi, que ele conhecia, fizeram com que fosse mantido vivo. Ficava a maior parte do tempo com as indígenas, por ordem do seu dono, sem ter nada com elas.

Certo dia, os Tupiniquins atacaram a aldeia onde estava Hans Staden, que pediu arco e flecha para lutar ao lado dos Tupinambás contra os inimigos, na intenção de fugir, mas não conseguiu.

Hans Staden ao fundo, de barba ruiva, assistindo o ritual antropofágico dos Tupinambás, durante seu período no cativeiro – Pintura de Theodor de Bry baseada no relato de Hans Staden. 1593.

Hans Staden foi poupado, por sobrestarem dúvidas quanto à sua nacionalidade. Além disso, os Tupinambás não tinham desavenças com os franceses, de quem os alemães eram simpatizantes, e o jovem Hans Staden chegou a lutar ao lado dos Tupinambás contra os Tupiniquins, aliados dos portugueses.

Hans Staden foi encontrado pelos franceses, que negociaram sua libertação. Voltou para a Alemanha, onde publicou seu livro em 1557, “Duas Viagens ao Brasil”, relatando sua passagem por Bertioga. O livro foi “best-seller” na Europa, um grande sucesso, pois ali os europeus tomavam conhecimento, pelo ponto de vista de um alemão branco da época (Hans Staden), de como eram os habitantes das recém terras descobertas.

Hans Staden – Nasceu em 1525 e faleceu em 1576

É nesse contexto que Portugal resolve construir duas fortificações: uma no local da antiga paliçada (Forte São Thiago/São João) e outra do lado oposto do Canal, onde a família de Diego de Braga se refugiou e por onde mais tarde trabalhou e viveu Hans Staden (Forte São Felipe/São Luís).

A terceira fortaleza: construída por ordem do Rei de Portugal – 1557/1560

Desde a passagem de Martim Afonso de Sousa por Bertioga, em 1531/1532, houve o convencimento de ser fundamental a instalação de uma estrutura de observação e proteção permanente no local.

Assim, por Provisão Régia de 18 de junho de 1551, o Rei de Portugal, Dom João III, determinou que no local fosse erguida uma fortaleza, destinando recursos para essa finalidade. Essa decisão histórica foi transcrita nos seguintes termos:

“Certifico eu Sebastião Ribeiro, escrivão da Real Fazenda, e Almoxarifado desta Capitania de São Vicente, que é verdade, que em meu poder tenho um livro velho, que está no Cartório desta Provedoria, que se intitula: ‘Livro dos Registros desta Feitoria da Capitania de São Vicente, que começou a servir em o ano de 1564’. E a folha 25 do dito livro está uma provisão do senhor rei de Portugal, e por nela não estar o nome do senhor rei, fui a ver adiante, e se nomeava o Real Nome, achei outra provisão passada a folhas 47, em 18 de mês de junho de 1551, em que inferi serem ambos passados pelo senhor rei d. João III, que Deus haja, e nela ordena o senhor rei, pela primeira provisão a folhas 25 do dito livro, e diz, que a requerimento dos moradores da Capitania de São Vicente, de que Martim Afonso de Souza, de seu Conselho, é capitão, mandava se fizesse uma fortaleza na Barra de Bertioga, para a qual havia por bem que, dos direitos que tenha na dita Capitania, se gastassem dois mil cruzados nas obras da dita fortaleza, e que das redízimas da dita Capitania, pertencente ao dito Martim Afonso, se gastassem mil cruzados. Passado em Almeirim, aos 25 de julho de 1551 anos.

Foi a primeira construção oficial de Portugal no Brasil, com ordem documentada, projeto, dinheiro e equipe dispostos e organizados pela Coroa Portuguesa. A política de colonização exigia que a Vila de São Vicente fosse protegida dos frequentes ataques dos nativos e dos piratas europeus.

Dom João III, “O Piedoso”, Rei de Portugal e Algarves, reinou de 13 de dezembro de 1521 a 11 de junho de 1557.

Affonso d’Escragnolle Taunay (filho do famoso Visconde de Taunay), foi Professor da Escola Politécnica da USP (Universidade de São Paulo) e posteriormente da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da mesma universidade. Escreveu que era tão importante a posição da fortificação que o próprio Rei de Portugal, Dom João III, ordenou “que se refortificasse a barra da Bertioga autorizando o Governo Geral do Brasil a despender a esta obra a soma enorme para a época, de três mil cruzados”.

Frei Gaspar da Madre de Deus, em seu livro “Memórias para a história da Capitania de São Vicente”, explica que foram destinados à construção da fortaleza dois mil cruzados dos recursos da Capitania e mais um mil cruzados da cobrança de tributos por Martim Afonso de Sousa, totalizando os três mil cruzados, citados por Taunay. Isso foi transcrito em 18 de junho de 1551, no “Livro de Registros da Feitora da Capitania de São Vicente”.

É mencionada como moeda o “cruzado”, que não deve ser confundida com o “cruzado” brasileiro, que circulou entre 1986 e 1989. A moeda citada nos livros históricos diz respeito ao “cruzado de ouro”, uma moeda comemorativa, que demonstrava o apoio de Portugal as “cruzadas” católicas. Embora a moeda oficial de Portugal fosse o “real”, nas transações comerciais da Coroa Portuguesa com outras nações a moeda aceita era o “cruzado de ouro”, que se tornou forte e respeitada. No tempo do Rei Dom João III, cada moeda de “cruzado de ouro” equivalia a 400 “reais” (moeda oficial de Portugal). A moeda era cunhada toda em ouro e pesava quase um grama.

Moeda portuguesa chamada de “cruzado de ouro”. Embora a moeda oficial de Portugal fosse o “real”, era comum os documentos da época mencionarem os valores em “cruzados”.

Explica Hans Staden que diante do ataque à fortificação de paliçada, pareceu conveniente aos comandantes e à Câmara Municipal de São Vicente, não abandonar o lugarejo, mas fortificá-lo o máximo possível, porque de lá se podia defender toda a região. E assim aconteceu.

No ano de 1557, o Forte São Thiago (Forte São João) foi construído, trabalhos de que se incumbiu o fidalgo português Antônio Rodrigues de Almeida, Almoxarife/Comandante da Capitania de Santo Amaro. As obras somente teriam sido concluídas em 1560.

Está localizado em Bertioga, no litoral do Estado de São Paulo, em frente à praia, posicionado na entrada da Barra de Bertioga.

É uma obra de alvenaria, construída com pedras unidas por uma argamassa formada a partir do processamento dos “sambaquis”, Eram extraídas as conchas desses sítios, submetidas a limpeza e trituração, eram calcinadas em fornos de alta temperatura e depois hidratadas com água para formar um pó (a “cal”).

O Forte São Thiago (Forte São João) é formado por duas estruturas principais:

a) o terrapleno, também chamado de plataforma de armas ou baluarte, é a estrutura retangular de pedras, armada com canhões, e com as duas guaritas;

b) o quartel (atual Museu João Ramalho), é uma casa com paredes de pedra e cal, e com telhado de cerâmica, que servia como alojamento para os soldados, para o armazenamento da pólvora e demais instrumentos de artilharia, além de contar com a Capela de São Thiago.

O terrapleno possuía uma estrutura central retangular de pedras e era revestido por uma parede também de pedras, chamada de “cortina”, com aproximadamente 50 centímetros de largura. A “cortina” era coberta por uma parede caiada, de no máximo cinco centímetros, preparada originalmente a partir da “cal de sambaqui”.

O telhado do quartel era de “duas águas”, diverso do telhado atual, que possivelmente após uma reforma no século XVIII passou a ser de “quatro águas”.

Além disso, na fortaleza construída em 1560, não existia a “tenalha”, isto é, o muro de pedras ao redor do quartel, em formato de “rabo de peixe”, que somente foi incluído em reforma posterior.

(A) Cortinas, espécie de parede de pedras e cal que envolvem o terrapleno. (B) Plataforma de armas ou terrapleno. (C) Guarita. (D) Braseiro.

Visão do Forte São Thiago, em 1560 (século XVI): a plataforma de armas (terrapleno) e o detalhe para a cortina, que reveste o terrapleno. O telhado era de duas águas. A tenalha somente foi executada no século XVIII. Imagem publicada em 2018, no livro “Arquitetura Militar: um panorama histórico a partir do Porto de Santos”, de autoria de Victor Hugo Mori, Carlos A. Cerqueira Lemos e Adler H. Fonseca de Castro.

Visão interna do Forte São Thiago, em 1560 (século XVI): plataforma de armas, Capela de São Thiago, quartel dos soldados, despensa, sala de jantar dos soldados, alojamento dos oficiais, alpendre. Detalhe para o “oitão” para formar o telhado de duas águas. A tenalha somente foi executada no século XVIII. Imagem publicada em 2018, no livro “Arquitetura Militar: um panorama histórico a partir do Porto de Santos”, de autoria de Victor Hugo Mori, Carlos A. Cerqueira Lemos e Adler H. Fonseca de Castro.

Detalhe de como é a estrutura da fortificação: pedras e cal.

Thomé de Sousa (ou Tomé de Souza) foi Governador Geral do Brasil de 1549 a 1553. Em carta ao Rei de Portugal, Dom João III, escrita em 1º de junho de 1553, Tomé de Souza relata as realizações que fez pelas Capitanias brasileiras durante sua administração como governador. Nesta carta ele comenta sobre a Vila de Bertioga, mencionando que o Rei havia mandado fazê-la e ele cumpriu essa providência e ainda realizou melhoramentos.

Sem mencionar o nome de São Thiago, o Padre Fernão Cardim, acompanhando em 1585 o Padre Christovão Gouvêa à São Vicente, narra a existência de uma estrutura em Bertioga. Disse ele: a fortaleza é coisa formosa, parece-se ao longe com a Torre de Belém e tem outra mais pequena de fronte (Forte São Felipe), e ambas se ajudavam uma à outra no tempo das guerras.

A fortaleza de 1531, chamada de “Torre da Bertioga”, por Frei Gaspar da Madre de Deus, e a fortaleza de 1547, indicada como sendo uma “paliçada com a casa forte ao centro”, conforme relatou Hans Staden, não possuíam uma denominação. Não há nenhum registro histórico sobre isso.

A denominação São Thiago surge a partir da fortaleza de alvenaria, erguida conforme Provisão Régia de Dom João III. No entanto, esse documento oficial não citava o nome que seria atribuído a nova fortaleza.

No “Translado da Nomeação” do Padre Fernão Luiz Carapeto para a Vila de Bertioga, de 22 de dezembro de 1555, consta a sua designação para a “Vigairaria de Santigo da Britioga”. Estava se referindo a Capela de São Thiago, parte integrante do quartel da fortaleza. Os historiadores apresentam datas divergentes, mas presume-se que mesmo antes da conclusão das obras da fortaleza, em 1560, construída por ordem do Rei de Portugal, já se atribuía o nome de São Thiago a sua capela.

Pela ausência de documentos oficiais, é provável que a partir da denominação da capela é que a fortaleza passou a ser chamada de São Thiago. 

Estava em construção nesta época e já deveria possuir uma capela destinada a adoração à Santiago. É muito provável que houvesse uma imagem do Santo. O nome da fortificação Santiago ou São Thiago decorreu dessa capela ou paróquia ali instalada, ainda que modestamente.

No século XVI, as imagens dos santos eram de madeira – Santiago

Um dos registros históricos mais antigos da fortaleza é o “Mapa de São Vicente”, de Luis Teixeira, de 1574, indicando a existência do Forte São Thiago (Forte São João) ou, como denomina, “Fortaleza de S. Thiago”:

Mapa de São Vicente, de Luis Teixeira, de 1574. Detalhe para a Fortaleza de S. Thiago (Forte São Thiago/Forte São João).

O Tratado Descritivo do Brasil, obra de Gabriel Soares de Sousa, de 1587, também é um documento peculiar na história de Bertioga, pois se refere a fortificação como “S. Thiago”, confirmando o seu nome primitivo, e que estaria armado com “bombardeiros e artilharia”.

Não existem plantas ou desenhos da fortaleza, descrevendo como ela seria na época (século XVI). Porém, existe uma planta da fortificação do ano de 1751, elaborada para servir como orientação técnica na ampliação realizada em meados de 1760 (século XVIII), indicando em vermelho a área que seria ampliada e em azul a antiga fortificação quinhentista, construída em 1560 e que permaneceu ali com as mesmas características por 200 anos, até ser “ampliada”, por volta de 1760, para dar lugar ao Forte São João tal como existe até hoje.

Abaixo, a planta de autoria do Governador da Praça de Santos, Luís Antonio de Sá Queiroga, indicando em azul a área da antiga fortificação quinhentista de 100 m².

A parte azul da imagem acima mostra a área ocupada pela fortaleza original do século XVI, isto é, o terrapleno (plataforma de armas). Também é possível observar, em linhas pretas, a área ocupada pelo quartel (Museu João Ramalho), que possivelmente foi construído junto com a fortaleza original. Em vermelho, observamos a ampliação do terrapleno realizada no século XVIII. Também em vermelho, ao redor do quartel, está a tenalha (muro de pedras), somente executado no século XVIII. Planta de Luís Antônio de Sá Queiroga – Arquivo Ultramarino – 1751.

Uma interpretação possível de como deveria ser a estrutura original, construída por ordem do Rei de Portugal, é que seria muito semelhante a fortaleza atual, no mesmo local e formato, com duas guaritas, revestido o terrapleno com uma parede caiada, com três principais diferenças: a) o terrapleno ou plataforma de armas era menor, com apenas 100m², menos da metade do tamanho atual; b) o telhado do quartel era de “duas águas”, mas o prédio deveria ser do mesmo tamanho do atual; c) não existia a tenalha (muro de pedras em formato de rabo de peixe, no entorno do quartel).

O Forte São Thiago (Forte São João) original tinha um terrapleno menor, mas o mesmo formato retangular atual, com duas guaritas. Já o quartel tem as mesmas dimensões e algumas estruturas originais do século XVI, mas tinha telhado de “duas águas” e não existia o muro de pedras ao seu redor (tenalha), adaptações que somente seriam executadas dois séculos depois:

A linha em vermelho indica a área ocupada pela estrutura atual. A imagem acima do terrapleno (plataforma de armas) é uma reprodução reduzida do forte, podendo, hipoteticamente, ser essa a sua forma original, construída no século XVI. O quartel (Museu João Ramalho) deveria possuir o mesmo tamanho atual, mas o telhado era de “duas águas” e não existia a tenalha (muro no entorno do quartel), indicada em vermelho na imagem acima. Imagem publicada em 2018, no livro “Arquitetura Militar: um panorama histórico a partir do Porto de Santos”, de autoria de Victor Hugo Mori, Carlos A. Cerqueira Lemos e Adler H. Fonseca de Castro.

Segundo o artigo “Aspectos geológicos, históricos e estado de conservação das fortificações da Baixada Santista”, de autoria de Vanessa Costa Mucivuna, Eliane Aparecida Del Lama e Maria da Glória Motta Garcia, publicado na Revista do Instituto Geológico da USP, atualmente, pouco resta da construção original de 1560 (século XVI), que era feita essencialmente de pedras. Apenas a escada que dá acesso à plataforma das armas, parte de uma das paredes do quartel, dois parapeitos de janelas e um batente de porta.

Esta é uma das paredes do quartel do Forte São João. Segundo pesquisadores da Universidade de São Paulo – USP, essa parede é original do século XVI, feita de pedras e cal de sambaqui. 

Não se sabe ao certo em que época o quartel do Forte São Thiago (Forte São João) foi construído. Não existem desenhos ou plantas, ou até mesmo relatos históricos entre 1560 até 1733 sobre a existência dele. 

Possivelmente sempre existiram edificações nos fundos do Forte, isto porque ele era formado por uma torre de pedras (terrapleno/plataforma de armas). A estrutura não é um castelo, com salas e corredores no seu interior, mas um elevado onde amontoam-se pedras argamassadas.

Se não é possível ocupar dentro da fortificação, estocar armas, pólvora, alimentos, dormir, evidente que edificações mais simples faziam parte do conjunto que formava a defesa da Barra de Bertioga. Existia um terrapleno, como estrutura de combate militar, mas também existia uma casa, com telhado, paredes, cômodos, portas e janelas, para abrigar a artilharia e os soldados.  

A casa que servia como quartel dos soldados do Forte São Thiago (Forte São João): parte dessa edificação é original do que seria o primitivo quartel erguido em 1560 junto com o terrapleno.

Mas é somente em 1733 que a Carta Régia do Rei de Portugal, Dom João V, ao 4º Conde de Sarzedas, António Luís de Távora, Governador da Capitania de São Paulo, faz menção a um “muro de duas casas que servem de quartéis aos soldados da guarnição”. Através desse registro histórico, podemos afirmar que em 1733 existiam duas edificações no local, cercadas por muros. 

Esse muro talvez seja a tenalha de pedra argamassada, executada em 1724, em substituição a estacada de madeira que cercava o conjunto. O curioso é a carta mencionar a existência de muro de duas casas. Teoricamente, a fortaleza contava apenas com uma casa, que servia de quartel, mas muitos autores mencionam que no entorno dessas instalações foram construídas outras casas, algumas ocupadas por famílias soldados que ali passavam a residir permanentemente.

A planta mais antiga indicando a existência do quartel é o mesmo desenho, já citado acima, de autoria de Luís Antonio de Sá Queiroga.

Planta de Luís Antônio de Sá Queiroga – Arquivo Ultramarino – 1751.

Existem outras plantas, dos anos de 1775 e 1817 que também indicam a existência de um quartel, localizado atrás do terrapleno. Essa era uma composição comum de defesa militar, formada pela plataforma de armas, onde realizavam-se as vigílias e os combates, e pelo quartel, que abrigava os soldados e a artilharia.

A primeira planta é de 1775, produzida no governo de Dom Luís Antônio de Sousa Botelho Mourão, o Morgado de Mateus, Governador da Capitania de São Paulo, e a segunda planta é de 1817, de autoria do engenheiro Rufino José Felizardo e Costa.

O quartel do Forte São Thiago (Forte São João) deve ter sido construído juntamente com o terrapleno em 1560, sendo posteriormente restaurado, mas preservando a maioria de suas características originais.

O prédio do quartel existe até os dias atuais e nele foi instalado o Museu João Ramalho, em 1962, pelo Instituto Histórico e Geográfico Guarujá-Bertioga.

A Confederação dos Tamoios e a Paz de Iperoig - 1563

Os “Tamoios” foram um agrupamento de povos indígenas, da linhagem tupi, que habitou o litoral norte do Estado de São Paulo e o litoral sul fluminense. Tamoios significa “avós”, pois intitulavam-se como o povo mais antigo que habitava a região. Também são denominados de Tupinambás.

 

A “Confederação dos Tamoios” foi uma revolta organizada por lideranças indígenas. O povo Tamoio não aceitava os abusos praticados pelos colonizadores portugueses e outros europeus. As doenças que vinham com o povo branco e a concepção trazida pelo europeu de destruir o inimigo foram causas determinantes para essa revolta. Havia conflitos entre os indígenas antes da chegada dos europeus. Os Tupinambás e os Tupiniquins disputavam território e posições culturais, mas não havia a ideia de destruição do inimigo.

O último Tamoio – 1883 Tela de Rodolfo Amoedo

A “Confederação dos Tamoios” ocorreu entre os anos de 1554 e 1567. E o principal líder Tamoio (Tupinambá) foi Cunhambebe, herói do povo indígena, que lutou ao lado dos franceses contra o domínio português. Segundo o historiador Eduardo Bueno, o chefe Tamoio, em rituais canibais de sua tribo, teria devorado mais de sessenta portugueses. Cunhambebe existiu, é citado em duas obras literárias da época. Representa a força e resistência indígena. Entretanto, existiram dois Cunhambebe, o pai e o filho. O primeiro era um grande guerreiro e morreu de varíola em 1555. Já o filho, preferiu a diplomacia, e foi um dos articuladores da paz de Iperoig, assassinado em 1563 pelos portugueses.

Cunhambebe – 1555 – ilustração de André Thevet

As autoridades portuguesas enviaram os padres jesuítas Manuel da Nóbrega, como representante do governo de São Vicente, e José de Anchieta, como intérprete, para acertarem um tratado de paz com os tamoios fronteiriços. Partiram de São Vicente em 18 de abril de 1563, com escala em Bertioga, os abnegados padres Nóbrega e Anchieta, em expedição custeada e acompanhada por um dos irmãos Adorno, seguiram para Iperoig (Ubatuba/SP), onde chegaram em 06 de maio de 1563, para tentar a pacificação dos Tamoios, tendo lá ficado como refém o padre José de Anchieta, que conseguiu, pela sua fé e força moral, a paz almejada.

Tele de Benedito Calixto – José de Anchieta e Manoel da Nóbrega na cabana de Pindobuçu

Durante esse período como refém, Anchieta compôs, na areia da praia, seu célebre poema em latim em honra à Virgem Maria, o “Poema à Virgem Maria”.

Tele de Benedito Calixto – José de Anchieta e o Poema à Virgem Maria

Porém, mesmo após o acordo de paz, os portugueses continuaram matando Tupinambás, sendo o próprio Cunhambebe traído e assassinado.

Pela grandeza desse herói indígena, foi homenageado no Parque dos Tupiniquins, ao lado do Forte São João, com sua escultura.

Cunhambebe, líder dos Tupinambás (Tamoios), é homenageado com uma estátua no Parque dos Tupiniquins, em Bertioga, em um gesto de respeito e reconhecimento aos verdadeiros donos da terra. Primeira estátua de Bertioga. Cunhambebe (filho) está posicionado olhando para Ubatuba, onde foi traído e assassinado em 1563 pelos portugueses. O povo Tupinambá foi massacrado e totalmente extinto em 1567, eliminando para sempre toda uma civilização.

Fundação do Rio de Janeiro - 1565

Em 1565, após missa rezada pelo padre Manuel da Nóbrega, em auxílio à Estácio de Sá, partiram de Bertioga o apóstolo José de Anchieta e os irmãos Adorno, que forneceram diversas naus e embarcações a remo e suas respectivas tripulações cristãs e indígenas, possibilitando, em união com as forças vindas de São Vicente e da Bahia, a primeira retomada do Rio de Janeiro.

Enseada do Botafogo – Rio de Janeiro

Segunda expedição ao Rio de Janeiro - 1567

Em 1567, novamente partem eles de Bertioga, aparelhados em naus, embarcações e homens, e apoiam decisivamente Mem de Sá e Estácio de Sá na luta pela posse definitiva do Rio de Janeiro, tendo sido preponderantes os esforços desses pioneiros e particularmente do padre José de Anchieta, na expulsão dos franceses e seus aliados. Essa segunda expedição ao Rio de Janeiro é retratada em um dos famosos quadros de Benedito Calixto:

Óleo sobre tela de Benedito Calixto de Jesus – detalhe para o Forte São João ao fundo

O período de esquecimento do Forte São João – 1583/1714

A expulsão dos franceses do Rio de Janeiro, em 1567, transformou a área de conflito em região de grande calmaria nos anos seguintes. Com a união das coroas portuguesa e espanhola, no período de 1580 a 1640, a costa brasileira ficou exposta aos ataques dos ingleses e holandeses, inimigos da Espanha. O cenário dos conflitos foi transferido para o Canal da Barra Grande, que era o principal acesso ao Porto de Santos. Em 1583, foi construída a Fortaleza de Santo Amaro e a partir daí pouca importância se deu ao Canal de Bertioga e ao seu forte.

Em 1711, após o ataque do corsário francês René Duguay-Trouin à cidade do Rio de Janeiro, o Rei de Portugal, Dom João V, enviou para o Brasil, em 1713, o Tenente-Coronel de Infantaria João Massé, com a patente de Brigadeiro. Atuou no Brasil de 1713 a 1718, com o objetivo de examinar e reparar as fortificações do Rio de Janeiro e da costa sul brasileira, e depois da Bahia e de Pernambuco.

Em 1714, o Brigadeiro João Massé chega à Vila de Santos para projetar um sistema de defesa do porto e reformar as instalações militares existentes. Bertioga era uma delas e o Forte São João despertava de um longo período de esquecimento. Os relatos é que ele estaria arruinado, desmoronando, com o terrapleno total ou parcialmente destruído pelos efeitos das marés e pelo abandono nos serviços de conservação.

Mapa de 1719, atribuído a Bartolomeu Paes de Almeida. Foi bandeirante e dentre os cargos que ocupou foi Vigilante Guarda-mor da Marinha, de Bertioga a São Sebastião. Demonstração da costa desde Buenos Aires até a Vila de Santos. Detalhe para a indicação da fortaleza em Bertioga, na extremidade direita da imagem.

A construção da tenalha de cal e pedra - 1724

Com poucas informações documentadas a respeito, possivelmente no ano de 1724, o Forte São Thiago (Forte São João) passou por uma pequena reforma, apenas para substituir a dupla estacada de madeira, que estava instalada ao redor de toda a fortificação, por um muro de pedras (tenalha).

A primeira planta é de 1775, produzida no governo de Dom Luís Antônio de Sousa Botelho Mourão, o Morgado de Mateus, Governador da Capitania de São Paulo, e a segunda planta é de 1817, de autoria do engenheiro Rufino José Felizardo e Costa. São as imagens mais antigas da tenalha. O principal detalhe é o seu formato de “cauda de andorinha”.

Essa obra foi executada cumprindo determinação do Governador da Capitania de São Paulo, Rodrigo César de Menezes, a partir da política do Rei de Portugal Dom João V em melhorar os equipamentos de defesa da costa sul brasileira.

Rodrigo César de Meneses foi Governador da Capitania de São Paulo, de 1721 a 1728.

De acordo com o livro “Arquitetura Militar, um panorama histórico a partir do Porto de Santos”, os autores, Victor Hugo Mori, Carlos A. Cerqueira Lemos e Adler H. Fonseca de Castro, explicam que nas primeiras décadas do século XVIII, em função da cobiça das nações estrangeiras e de piratas, na esperança da descoberta de novos tesouros, o Governador da Capitania de São Paulo, Rodrigo César de Menezes, conforme relatou em carta de 20 de maio de 1724, procurou “por na última perfeição a fortaleza da Barra da Bertioga”. Essa informação foi publicada em “Documentos Interessantes para a História e Costumes de São Paulo”, Volume XXXII, e diz respeito a uma coleção de documentos oficiais da gestão do Governador Rodrigo César de Menezes. Foi substituída a antiga “estacaria dobrada” de madeira por uma moderna tenalha.

A “estacada” era um alinhamento feito de madeira, no entorno do Forte São Thiago (Forte São João) e do quartel (Museu João Ramalho). Sua finalidade era a defesa da fortificação.

Foi trocada por uma “tenalha” de cal e pedra, pois a estacada de madeira precisava de manutenção de três em três anos, aumentando os custos para Portugal. Segundo o Governador Rodrigo César de Menezes, muros de alvenaria de pedra teriam uma manutenção bem menos dispendiosa, o equivalente a doze vezes menos do que o custo com a conservação da estacada.

A tenalha foi construída com terra socada em uma forma de madeira, sustentada por estacas mais altas, formando um muro de pedra argamassada. Possivelmente, a cal usada na argamassa era areia, sambaqui e óleo de baleia. Documento histórico indica que o projeto da tenalha tinha 2 metros de altura e 1,5 de largura. Entretanto, foi executada com aproximadamente metade dessas medidas.

Atualmente, parte da estrutura existente no Forte São João é a tenalha original, construída em 1724. No entanto, desde meados do século XIX (1801/1900), a tenalha sofreu os danos provocados pelos efeitos das marés, ficando parcialmente arruinada na parte ao lado do Canal de Bertioga. Além disso, era comum alguns moradores locais se utilizarem das pedras para fazer o alicerce de suas casas, segundo descreveu o historiador Francisco Martins dos Santos. Armando Lichti contou que recolheu pessoalmente algumas pedras na década de 1940 que estavam espalhadas pelo terreno, na tentativa de recompor a estrutura. A tenalha foi totalmente restaurada e reconstruída na primeira década de 2000 pela Prefeitura de Bertioga.

Foto atual da tenalha de pedra (muro), em formato de cauda de andorinha, recuperada na primeira década de 2000 pela Prefeitura de Bertioga.

A tenalha contorna o quartel (Museu João Ramalho). Foto de Rogério Cassimiro, publicada no site “Em algum lugar do mundo”.

A tenalha em detalhe

A “cauda de andorinha”, formato da tenalha do Forte São João.

A tenalha de cal e pedra. Ao fundo, esta casa era o quartel do Forte São João, que abrigava os soldados, a artilharia e a Capela de São Thiago e, depois, São João. Desde 1962 é ocupada pelo Museu João Ramalho.

Missão do Brigadeiro Silva Paes - 1738

O Rio de Janeiro era o porto de embarque do ouro extraído de Minas Gerais. Era fundamental que estivesse protegido de eventuais saques de piratas estrangeiros. Em 1710, o corsário francês Jean-François Duclerc tentou com seis naus, sem sucesso, atacar o Rio de Janeiro. No ano seguinte, em 1711, René Duguay-Trouin, que já tinha tentado invadir o Rio de Janeiro em 1706, dessa vez obteve sucesso com sete naus e conquistou a cidade. Após dois meses de ocupação, o governo da Capitania do Rio de Janeiro aceitou pagar 610.000 cruzados para a desocupação da cidade pelos franceses.

Diante deste cenário, era fundamental que o governo português adotasse medidas de proteção ao Rio de Janeiro e às demais vilas e sítios próximos que pudessem de algum modo servir de base para os inimigos.

Em 1735, Dom João V envia para o Brasil o engenheiro José da Silva Paes, com o título de Brigadeiro e com a missão de restabelecer a defesa do litoral brasileiro, vistoriando e apresentando projetos de restauração ou reconstrução das estruturas existentes.

Dom João V, o Magnânimo, governou Portugal de 1706 a 1750.

Em 1738, o Brigadeiro José da Silva Paes esteve em Santos e nas imediações vistoriando a situação das fortalezas. Nessa ocasião, esteve na Barra de Bertioga e ali encontrou instalações em péssimas condições de defesa. Verificou que as duas fortificações, o Forte São Felipe (Forte São Luís) e o Forte São Thiago, (Forte São João) estavam completamente destruídos.

José da Silva Paes, Engenheiro responsável.

Adler Homero Fonseca de Castro, em seu livro “Muralhas de Pedra, Canhões de Bronze, Homens de Ferro”, informa que a documentação aponta que os fortes construídos na Barra de Bertioga, no século XVI, desapareceram no século seguinte. O historiador fundamenta sua tese arguindo que em documento de 1696 somente são mencionados na região dois fortes, o de Itapema e o de Monserrate. Além disso, segundo o mesmo autor, em 1709, um documento enviado ao Governador de São Paulo consultava se seria melhor bloquear a barra com aterros ou levantar uma fortificação no local, presumindo que ali nada existia. No entanto, em uma Carta do Governador da Capitania de São Paulo, Rodrigo Cezar de Menezes, ao Rei de Portugal, datada de 20/05/1724, havia menção a existência de uma fortificação e da construção da tenalha de pedra. Dom João V, Rei de Portugal, em 30/10/1733, envia Carta Régia ao Conde de Sarzedas abordando a situação precária das fortalezas na costa brasileira e mencionando literalmente a fortificação da Barra de Bertioga. Em 1734 Gaspar de Caldas Lobo é nomeado Comandante do Forte e em 1740 é nomeado Manuel de Souza Ribeiro Araujo para a mesma função. Em 27/09/1738, o Rei Dom João V, em Carta Régia ao Governador da Capitania de São Paulo, volta a mencionar a fortificação da Barra de Bertioga. Em 20/06/1745, Dom Luiz Mascarenhas (Conde d’Alva), Governador da Capitania de São Paulo, nomeia Matias de Couto Reis como Capitão do Forte São João, com o encargo de repará-lo. Desse modo, por mais que se encontrasse parcialmente abandonado e em ruínas, comprova-se por documentos oficiais históricos que o Forte São João nunca desapareceu.

A ampliação do Forte – 1751/1760

Dom João V, Rei de Portugal, estava convencido da necessidade de restabelecer a defesa da costa sul brasileira para proteger o Rio de Janeiro do ataque de piratas franceses. No entanto, Portugal estava sem recursos financeiros para restaurar as fortalezas e acabou confiando essa missão a cidadãos ricos em troca da concessão de títulos honoríficos.

Adler Homero Fonseca de Castro, em seu livro “Muralhas de Pedra, Canhões de Bronze, Homens de Ferro”, explica que Matias de Couto Reis era um simples soldado, mas tinha servido como tesoureiro da “real capitação” (um imposto cobrado dos mineradores de ouro) e era almoxarife da fazenda real, o que indica que era um homem rico. Na verdade, a sua nomeação para o posto de Capitão da Fortaleza era para finalidade meramente honorífica, dando-lhe um título e prestígio social. 

Em troca desse título ele se encarregava de reparar a fortificação que já existia no local e equipá-la, tudo com seus recursos pessoais. Não havia nenhum retorno econômico para Matias de Couto Reis a não ser o “reconhecimento social do posto de Capitão”. 

Em carta de 14/08/1745, do Governador da Capitania de São Paulo, Dom Luis Mascarenhas, comprova-se que a Coroa Portuguesa não tinha mais interesse em manter a fortificação, por considerar que em uma eventual invasão, as tropas inimigas desembarcariam em qualquer outro ponto do extenso litoral. É isso que justifica o governo ter incumbido Matias de Couto Reis na tarefa de reparar a fortaleza. 

No entanto, as modificações realizadas não agradaram ao Governador e determinou que as obras fossem refeitas. 

O terrapleno ou plataforma de armas e a dimensão das obras executadas por Matias de Couto Reis é motivo de divergência entre os autores. Os historiadores Francisco Martins dos Santos e Fernando Martins Lichti citam que nessa época houve apenas uma reforma ou restauração do Forte São João. No livro “Arquitetura Militar, um panorama histórico a partir do Porto de Santos”, os autores Victor Hugo Mori, Carlos A. Cerqueira Lemos e Adler H. Fonseca de Castro defendem que, em 1751 o então Governador da Praça de Santos, Luís Antônio de Sá Queiroga, “praticamente reedificou a Torre da Bertioga”.

Na ocasião, o modesto terrapleno quinhentista com uma área de 100 metros quadrados foi reformado, para dar lugar ao atual, com 250 metros quadrados. É provável que as despesas com as obras tenham sido todas suportadas por Matias de Couto Reis, pois após a sua morte, o Governador da Praça de Santos passou o comando da fortaleza para o “genro e herdeiro” de Matias de Couto Reis. 

Planta do Forte São João, Brasil. Desenho aguarelado, Luís Antônio de Sá Queiroga, 1751. Acervo: Biblioteca Nacional de Portugal. Esta planta mostra, em vermelho, as melhorias feitas à época na fortificação.

Ampliado ou reconstruído? O desenho de Luís Antônio de Sá Queiroga não menciona demolição para posterior reconstrução. Nos parece mais coerente que tenha sido ampliado. 

Além do terrapleno, o Forte São João também é formado por outras estruturas: a tenalha e o quartel.

A “tenalha” é um muro de pedras que fica no entorno do Forte São João e do quartel (museu). Essa tenalha já existia, foi construída, provavelmente, em 1724, pois segundo historiadores foi apenas elevada para dois metros de altura e um metro e meio de largura. O muro foi construído com terra socada em uma forma de madeira, no formato de “cauda de andorinha” e a sua finalidade era a defesa do Forte São Thiago (Forte São João). A altura desse muro, entretanto, é matéria de divergência, pois é provável que o projeto que constava da planta não tenha sido efetivamente executado. Em perfeito alinhamento no entorno da “tenalha” foi instalada uma “estacada” paralela. A “estacada” era um alinhamento feito de paus enterrados na areia, uma espécie de cercado que fazia parte das estruturas de defesa militar da época. O Forte São Thiago (Forte São João), desse modo, foi cercado por um muro feito de pedras (tenalha) e no entorno desse muro foi construída uma estacada. 

O edifício do quartel já existia nessa época e estava incluído no projeto, mas segundo os historiadores, ele foi apenas reformado, mantendo-se o desenho original.

Configuração hipotética do Forte São João em 1560. Imagem obtida em “Arquitetura Militar, um panorama histórico a partir do Porto de Santos”, os autores Victor Hugo Mori, Carlos A. Cerqueira Lemos e Adler H. Fonseca de Castro.

Configuração hipotética do Forte São João em 1560. Imagem obtida em “Arquitetura Militar, um panorama histórico a partir do Porto de Santos”, os autores Victor Hugo Mori, Carlos A. Cerqueira Lemos e Adler H. Fonseca de Castro.

 

Configuração do Forte São João após as obras de 1760. Imagem obtida em “Arquitetura Militar, um panorama histórico a partir do Porto de Santos”, os autores Victor Hugo Mori, Carlos A. Cerqueira Lemos e Adler H. Fonseca de Castro.

 

Configuração do Forte São João após as obras de 1760. Imagem obtida em “Arquitetura Militar, um panorama histórico a partir do Porto de Santos”, os autores Victor Hugo Mori, Carlos A. Cerqueira Lemos e Adler H. Fonseca de Castro.

 

O Forte São Thiago (Forte São João) foi equipado com novo armamento, representado, entre outras peças, pelos 3 históricos canhões, remanescentes da época. Em 1759 contava com a guarnição de um alferes e doze soldados. Em 1765 tinha um sargento e vinte e três soldados, sem oficiais.

A ressaca que adernou o forte - 1769

Por volta de 1769, uma intensa ressaca marinha destruiu parte do terrapleno do Forte São Thiago (Forte São João), deslocando em aproximadamente 25 centímetros a guarita e a cortina. Esse fenômeno teria destruído também a Capela de São João Batista localizada na praia, vizinha ao Forte. Tendo a imagem da capela sido recolhida ao Forte, este passou a ser denominado pela população de Forte São João.

Em Relatório à Coroa Portuguesa, acerca das fortificações da Capitania, datado de 30 de junho de 1770, o governador da praça de Santos, Luís Antônio de Sá Queiroga, informou que o quartel estava arruinado e por ser muito úmido não pode conservar um só barril de pólvora, e nem tem parte onde se lhe possa fazer cômodo para o ter sem grande risco.

No documento consta um quadro de legendas apontando os danos causados na fortificação pela ação do mar.

 

Planta da Fortaleza da Bertioga, e terrapleno, com os danos causados pelo mar. Trata-se de uma planta manuscrita do Forte São João. A planta faz parte do conjunto de “Cartas topográficas do Continente Sul e parte Meridional da América Portuguesa”, foi publicada em 1775.

O Forte tinha acabado de ser reformado ou parcialmente reconstruído. A estrutura quinhentista foi ampliada, para dar lugar a uma estrutura maior de 250m². A fortificação levou de 1751 a 1760 para ser projetada e reformada, e adernou nove anos depois. Por isso mesmo, os danos causados pela enchente de 1769 foram apenas reparados na proporção dos recursos da época, sendo visível a todos atualmente a fenda e a inclinação de parte da torre.

Detalhe da fenda ao lado de uma das guaritas

Alguns já chegaram a dizer que foi um tiro de canhão contra o Forte, mas isso jamais aconteceu. As fortificações de São João e de São Luís nunca trocaram tiros, pois jamais os inimigos se dispuseram a utilizar a barra de Bertioga para invadir a Vila de São Vicente.

O único conflito realmente enfrentado foi na época da paliçada, em 1547, construída pelos cinco irmãos Braga e auxiliares, que resultou na carnificina dos Tupiniquins pelos inimigos Tupinambás. A paliçada foi incendiada e a artilharia foi levada pelos Tupinambás. Foi desse conflito que a Coroa Portuguesa se convenceu de erguer a fortificação.

A destruição da Capela de São João Batista - 1769

A Capela de São João Batista, em Bertioga, foi instituída por legado testamentário do Vigário de Santos, João da Rocha Moreira, e edificada por provisão do Bispo do Rio de Janeiro Dom Frei Antonio de Guadalupe, de 12 de outubro de 1725, tendo recebido a benção em 1º de abril de 1740.

No mapa abaixo, mais detalhado, em publicação de 1775, é possível observar a capela de São João Batista (E), que deveria estar localizada próximo a praia, entre o Forte e a atual Casa da Cultura. Embora a imagem seja de 1775, nessa época a capela estaria em ruínas ou mesmo já não mais existia, pela enchente de 1769.

Planta da Coleção Morgado de Matheus – Biblioteca Nacional – Victor Hugo Mori – IPHAN – Forte São João

A alteração do nome, de Forte São Thiago para Forte São João - 1769

Com a destruição da Capela de São João Batista, que ficou em ruínas pelos efeitos da ressaca de 1769, os poucos habitantes conseguiram recuperar a imagem de São João Batista, que foi levada para a Capela que existia dentro da casa do quartel do Forte São Thiago.

Com o tempo, a população passou a denominá-lo de Forte São João, nome com o qual passou a ser reconhecimento nos documentos oficiais.

A imagem original de São João Batista, transferida para a Capela do Forte, era de madeira e já não existe mais, destruída pela ação do tempo.

São João Batista

Descrição de Manuel Eufrázio de Azevedo Marques – 1770

De acordo com o historiador e geógrafo Manuel Eufrázio de Azevedo Marques, no livro “Apontamentos Históricos, Geográficos, Estatísticos e Noticiosos da Província de São Paulo”, o Forte São João contava em 1770 com uma artilharia de seis peças de calibre 1, duas de calibre 6, uma de calibre 4, além de dois pedreiros de bronze. Já em 1773, não passava de um baluarte, quase coberto por espessa mata, enquanto o armamento de suas muralhas estava reduzido a apenas cinco peças, das quais somente duas contavam com carretas.

Manuel Eufrázio de Azevedo Marques, importante autor sobre a história paulista, nasceu em 1825 e faleceu em 1878. O livro “Apontamentos Históricos, Geográficos, Estatísticos e Noticiosos da Província de São Paulo” foi publicado somente após sua morte, em 1879.

Guarnição militar - 1772

No ano de 1772, contava o Forte São João com uma guarnição completa, de onde eram tirados os destacamentos para São Sebastião e Ubatuba. Era um grupo de militares que permanecia “aquartelado”, cumprindo suas atribuições no Forte São João. Não era uma tropa de patrulha ou preservação das posturas e ordem local. A função era servir como um posto de comunicação com outras localidades para envio de soldados.

A obra de estacada do Governador Luís Antônio de Sousa Botelho Mourão - 1775

O Tratado de Madrid, celebrado no dia 13 de janeiro de 1750, estabeleceu que Portugal entregaria a Colônia do Sacramento à Espanha, em troca do recebimento do território dos Sete Povos das Missões. Esse tratado teve sua validade contestada e diversos conflitos militares entre Espanha e Portugal disputaram a posse da Colônia do Sacramento, que atualmente é uma cidade uruguaia.

Em 1763, o Secretário de Estado do Reino (primeiro-ministro), o famoso Marquês de Pombal, transferiu a capital do Brasil, de Salvador para o Rio de Janeiro.

Em 1765 é nomeado um novo Governador para a recém-recriada Capitania de São Paulo, que foi extinta alguns anos antes, em 1748. Era Dom Luís Antônio de Sousa Botelho Mourão, o “Morgado de Mateus”, que para proteger o Rio de Janeiro e a costa sul brasileira dos ataques espanhóis, deu início em 1766 a reforma de todo o sistema de defesa da Capitania e determinou a realização de obras complementares no Forte São João. A estacada foi substituída por uma nova e deu-se início a uma outra paliçada em torno do terrapleno (plataforma de armas).

Dom Luís Antônio de Sousa Botelho Mourão, o Morgado de Mateus, foi Governador da Capitania de São Paulo de 1765 a 1775. 

Conforme Adler Homero Fonseca de Castro, em seu livro “Muralhas de Pedra, Canhões de Bronze, Homens de Ferro”, essa segunda paliçada, analisando planta da época, circundava toda fortaleza, inclusive na frente da praia, onde era “dobrada”, isto é, duas séries de estacas com terra socada no meio. Entre essa paliçada e a tenalha de pedra ficava um estreito caminho coberto. 

Trata-se de uma planta manuscrita do Forte São João, com a obra da estacada que o Governador da Capitania de São Paulo, Dom Luís Antônio de Sousa Botelho Mourão, mandou fazer. A planta faz parte do conjunto de “Cartas topográficas do Continente Sul e parte Meridional da América Portuguesa”, publicada em 1775. No documento consta um quadro de legendas localizando os principais pavimentos do forte e seus arredores.

Planta manuscrita do Forte São João. A planta faz parte do conjunto de “Cartas topográficas do Continente Sul e parte Meridional da América Portuguesa”, publicada em 1775. 

Foi ainda no governo de Dom Luís Antônio de Sousa Botelho Mourão que o Forte São João passou a ser utilizado como um posto para registro das embarcações que entravam pela Barra de Bertioga, evitando-se o contrabando e a evasão de impostos. 

Mas logo após Dom Luís Antônio de Sousa Botelho Mourão deixar o governo em 1775, o Forte São João volta a cair em um período de abandono e esquecimento.

Manuscrito de José Arouche de Toledo Rendon – 1795

Em um manuscrito relatando o estado das fortificações de Santos e da costa paulista, possivelmente de 1795 a 1815, e provavelmente esboçado por José Arouche de Toledo Rendon, que era inspetor geral de milícias e comissionado para exame das fortificações existentes, consta a seguinte descrição sobre o Forte São João:

“A fortaleza da Bertioga tem sete peças, todas desmontadas, e acho que só duas poderão dar fogo; o quartel está arruinado e por ser muito úmido não pode conservar um só barril de pólvora, e nem tem parte onde se lhe possa fazer cômodo para o ter sem grande risco. Nesta fortaleza por força a artilharia há de estar ao tempo e por isso precisa que o carretamem seja pintado para lhe poder resistir. Este reduto não tem vantagem alguma mais do que servir de registro na ponta da terra firme, porque ali não defende a entrada da barra e logo que qualquer embarcação entre da barra para dentro tem muito onde fazer desembarque e no caso de a quererem tomar (que não tem necessidade disso) quaisquer 40 ou 50 homens a tomam. “Pelo contrário, o forte de São Luís, que defende bem a barra, e não pode ser atacado por terra, tem capacidade para se lhe fazer uma ‘Casa de Pólvora’; os seus quartéis estão principiados e não se fará grandes despesas em acabá-los, porém acha-se sem uma só peça; em cujos termos sou de parecer que se tirem da Barra Grande duas peças de calibre 1, uma de 18 do forte da Vigia e uma de 8 da Estacada e creio que com estas quatro peças fica uma força suficiente para impedir a entrada de qualquer embarcação pequena, que são as mais que podem entrar neste porto…”

Tenente-General, Dr. José Arouche de Toledo Rendon. Nasceu em 1756 e faleceu em 1834. Foi militar, advogado, professor e político brasileiro. Foi o primeiro Diretor da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP), cargo que ocupou de 1827 a 1833.

O manuscrito de José Arouche de Toledo Rendon não apresenta detalhes sobre as condições estruturais do terrapleno do Forte São João, mas menciona sobre o quartel, que estaria arruinado, sem condição de conservar um só barril de pólvora. A artilharia tinha peças quebradas e outras precisando de manutenção. Disse José Arouche de Toledo Rendon que a fortaleza não era mais usada para fins de defesa militar, servindo apenas para o registro de entrada e saída de embarcações.

Relatório sobre a artilharia - 1797

No manuscrito, “Sobre as fortificações da costa marítima da Capitania de São Paulo”, possivelmente do ano de 1797, sem autor, in Documentos Interessantes para a História e Costumes de São Paulo, vol. XLIV, p. 303-308, consta um breve relatório sobre as condições precárias dos itens de artilharia, da umidade localizada no quartel que impedia o depósito de pólvora e fazendo críticas sobre a utilidade da fortificação. 

Mesmo diante das condições precárias, em 1798 foi nomeado Vicente Machado da Silva para o posto honorífico de Comandante do Forte São João. Ainda em 1798, o Tenente-Coronel Antonio Faustino da Costa é incumbido de montar ou recuperar a artilharia da fortificação.

Em 1801 o título de Comandante do Forte São João passa para José Antonio Vieira de Carvalho.

Relatório do 2º Tenente de Engenheiros - 1817

Francisco de Assis Mascarenhas, também conhecido pelos títulos honoríficos de “Conde de Palma” ou “Marquês de São João de Paula”, foi Governador da Capitania de São Paulo, de 1814 a 1819.

Francisco de Assis Mascarenhas (Conde de Palma/Marquês de São João de Palma). Além de Governador da Capitania de São Paulo, também foi Governador das Capitanias da Bahia, Goiás e Minas Gerais.

Em 1817 o Governador da Capitania de São Paulo designou o 2º Tenente de Engenheiros Rufino José Felizardo e Costa, para produzir um relatório sobre a artilharia do Forte São João. Segundo consta do relatório:

“Achavam-se neste forte nove bocas de fogo, todas de ferro fundido; destas só três é que poderão servir, a saber, duas de calibre 9 e uma calibre 6 que é a melhor.”

Ainda de acordo com o relatório, o terrapleno podia ser aproveitado, precisando apenas ser reparada a cortina. A tenalha comprova-se que ainda existia nessa época e deveria ser apenas restaurada. As paredes do quartel estavam de pé, mas o telhado e tudo o que era de madeira estava em péssimas condições.

Rufino José Felizardo e Costa também elaborou uma planta indicando em detalhes as duas principais estruturas, o terrapleno e o quartel, com os seus compartimentos internos, o telhado de duas águas e a tenalha.

Planta de 1817, de Rufino José Felizardo e Costa – Forte São João

Reforma do telhado do quartel - 1817

Logo após o relatório do 2º Tenente de Engenheiros Rufino José Felizardo e Costa são realizadas obras no quartel do Forte São João, atual Museu João Ramalho.

Acredita-se que foi realizada em 1817 a reforma do telhado da edificação do quartel. O telhado que perdurou de 1560 até 1817, com algumas reformas, era de “duas águas”. Na planta publicada em 1775, da Coleção Morgado de Matheus, do conjunto de “Cartas topográficas do Continente Sul e parte Meridional da América Portuguesa”, citada acima, é possível notar o desenho do telhado em formato de “duas águas”, na casa ao centro.

Desenho de 1775 mostra o telhado original de duas águas.

Com a reforma de 1817 o telhado do Forte passou a ter “quatro águas”, como vemos nas fotos abaixo produzidas recentemente:

Vista para o quartel a partir do terrapleno.

Vista para o quartel a partir do terrapleno.

Detalhe para o telhado do quartel, em quatro águas. Obra possivelmente executada em 1817.

No desenho a seguir, observamos a representação do telhado de “duas águas”, que existiu até 1817, sendo substituído pelo telhado de “quatro águas”, existente até hoje:

Telhado de “duas águas” do quartel (de 1560 a 1817) e o telhado de “quatro águas”, executado a partir de 1817. Desenho publicado no livro “Arquitetura Militar, um panorama histórico a partir do Porto de Santos”, de Victor Hugo Mori, Carlos A. Cerqueira Lemos e Adler H. Fonseca de Castro

Além disso, segundo o livro “Arquitetura Militar, um panorama histórico a partir do Porto de Santos”, escrito por Victor Hugo Mori, Carlos A. Cerqueira Lemos e Adler H. Fonseca de Castro, as paredes do quartel foram levantadas em mais quatro palmos para colocar as janelas mais altas, e com essa elevação, houve a substituição do antigo sistema de “pilastras” por “paredes portantes”. Também foram construídos dentro do quartel uma cozinha e uma despensa.

Relatório do Marechal Daniel Pedro Muller - 1838

Daniel Pedro Muller nasceu em Portugal em 1785 e chegou ao Brasil, em São Paulo, no ano de 1802, como ajudante de ordens do Governador da Capitania, Antônio José da Franca e Horta. Permaneceu nesse cargo até 1811. Em seguida, passou ao corpo de engenheiros da Capitania de São Paulo, permanecendo na função até o início da década de 1820.

Depois, atuou como militar, tornando-se em 1829 Marechal reformado. Em 1835, recebeu da Assembleia Legislativa da Província de São Paulo a encomenda de organizar uma estatística e um mapa provincial. É a partir daí que surgem as informações sobre a fortaleza de Bertioga.

Em 1838, o Relatório apresentado pelo Marechal Daniel Pedro Muller, informava que o Forte São João possuía uma guarnição em tempo de paz composta de três homens, e, em tempo de guerra, compunha-se de um oficial superior, um inferior, e vinte soldados de infantaria.

Daniel Pedro Müller, nasceu em 1785 e faleceu em 1841. Foi engenheiro, Marechal do Exército, Governador das Armas da Província de Santa Catarina, membro do Governo Provisório da Capitania de São Paulo. Considerado um erudito (estudioso). É o “Patriarca da Estatística no Brasil” e o idealizador da Escola Politécnica da USP.

Nos anos seguintes, diversas vistorias e relatórios foram realizados no Forte São João. Todos identificavam as péssimas condições da artilharia e a necessidade de reposição. Alguns relatórios atestavam o estado de abandono e a necessidade de recuperação, enquanto outros afirmavam que a fortaleza já não era mais de interesse, sem utilidade alguma para defesa de Santos e São Vicente. A desativação da Armação das Baleias, que ocorreu nas primeiras décadas do século XIX, contribuiu para o abandono e esquecimento do Forte São João.

Mapa das Fortificações do Ministério da Guerra - 1847

O “Mapa das Fortificações existentes nas Províncias do Império do Brasil” é documento integrante do Relatório da Repartição dos Negócios da Guerra, elaborado em 1847. Em consulta que realizamos no Arquivo Nacional, foi possível ter acesso a este raríssimo documento. Segundo ele o Forte São João estava “em ruínas”, mas ainda era “de alguma importância”. 

Na foto abaixo, de 1899, aparece o Forte em ruínas, tomado pela vegetação, especialmente na parte onde existe a fenda provocada pela ressaca de 1769.

Forte São João – 1899

Em 1855 Cândido Francisco Carpes que ocupava o cargo de Comandante do Forte São João, é promovido a Secretário de Inspeção das Fortificações e substituído no posto de Comandante por João Carlos Corrêa Lemos.

Ao longo da história, o Forte São João sempre teve a presença de soldados. Em 1819 contava com nove soldados, em 1829 com oito soldados, em 1837 eram seis soldados e em 1860 apenas um. O engenheiro André Rebouças sugeriu que o forte fosse abandonado, pois existiam outros artifícios de defesa que poderiam ser adotados e menos onerosos. Isso foi endossado em parecer oficial de 1866 do Comandante Geral da Artilharia, Conde D’Eu.

Planta do Forte - 1871

Trata-se de uma planta do Forte São João, datada de 1871, de autoria de José António Teixeira Cabral:

Planta de 1871, de José António Teixeira Cabral – Forte São João 

José Antônio Teixeira Cabral foi promovido a tenente-coronel efetivo do Real Corpo de Engenheiros do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves em 6 de fevereiro de 1818. Com a independência do Brasil, continuou prestando serviço no Imperial Corpo de Engenheiros. Realizou o levantamento, redução e desenho de diversas vilas e fortificações brasileiras, em especial no litoral de São Paulo, Paraná e Mato Grosso do Sul. 

Pelo que tudo indica, essa planta foi mesmo produzida em 1871, mas apenas para atualizar informações sobre as fortificações militares no Brasil. Não há registros de que essa planta tenha sido utilizada para sua reforma.

Os últimos comandantes do Forte - 1889

Em 1870 é nomeado para o comando da fortificação Manoel Guimarães do Espírito Santo, sucedido em 1873 por Antonio Placido Guimarães Cova. Em 1876 é nomeado para o comando da fortaleza Joaquim Antonio de Mattos Junior. Em 1887 é nomeado o último comandante, Antonio Joaquim Dias, que teria permanecido no posto até o fim do Império, com a Proclamação da República em 1889.Esses postos eram ocupados por homens ricos ou influentes, geralmente militares aposentados, que eram prestigiados socialmente recebendo o título honorífico de comandante de uma fortificação. Estar no comando do Forte São João não significava morar nele ou até mesmo trabalhar, mas apenas de estabelecer algumas ordens de administração e cobrir certas despesas.

Vistoria e relatório de Euclides da Cunha - 1904

Euclides da Cunha

Euclides da Cunha foi um grande destaque da prosa pré-modernista brasileira, além de jornalista, militar e engenheiro, construtor de prédios públicos e pontes no interior de São Paulo. Sua principal publicação, Os sertões, é considerada referência na literatura brasileira, por expor importantes elementos de nossa cultura, exibindo aflitivos problemas sociais da nação, bem como uma poderosa narrativa do conflito histórico da Guerra de Canudos.

É nomeado engenheiro-fiscal da Comissão de Saneamento de Santos em 15 de janeiro de 1904. Muda-se para o Guarujá e percorre ambas as cidades do litoral paulista. No mesmo ano, a pedido de Dr. Cardoso de Almeida, prepara um relatório para o Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, sobre “Os Reparos nos Fortes de Bertioga”.

Euclides da Cunha relata que o Forte São João estava “acaçapado e em ruínas – cômodos estavam mal repartidos, sem soalhos e quase sem abrigo, sob um telhado levadio que desabou em parte”.

Para Euclides da Cunha, as duas fortificações, o Forte São João e o Forte São Luís deveriam ser conservados como estavam, sem grandes reformas que o descaracterizam-se:

Trata-se de conservar duas grandes relíquias, que compensam a falta absoluta de qualquer importância estreitamente utilitária, com o incalculável valor histórico que lhes advém das nossas mais remotas tradições. Compreende-se, porém, que tais reparos tendam apenas a sustar a marcha das ruínas. Quaisquer melhoramentos ou retoques, que se executem, serão contraproducentes, desde que o principal encanto dos dois notáveis monumentos esteja, como de fato está, na sua mesma vetustez, no aspecto característico que lhe imprimiu o curso das idades.

Forte São João com o quartel (museu) arruinado – Foto original de 1904 colorizada por História de Bertioga – Acervo de João Sabino Abdalla

Transferência da administração - 1908

Através do Aviso de 19 de fevereiro de 1908 o Forte São João foi transferido para a administração do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio. Era utilizado como um dos postos da linha costeira do telégrafo nacional, sendo esta a principal razão por não ter sido deixado ao total abandono.

Forte São João – 1906

Forte São João e a Barra de Bertioga – 1906. Foto arquivada no Museu Paulista (Universidade de São Paulo), que detém seus direitos autorais. Foi cedida oficialmente e autorizada sua reprodução exclusiva para “História de Bertioga”, de Jamilson Lisboa Sabino.

Forte São João – 1910

Forte São João, em 1915. Foto arquivada no Museu Paulista (Universidade de São Paulo), que detém seus direitos autorais. Foi cedida oficialmente e autorizada sua reprodução exclusiva para “História de Bertioga”, de Jamilson Lisboa Sabino.

Restauração por iniciativa de Washington Luís - 1920

Segundo o historiador Affonso d’Escragnolle Taunay (filho do Visconde de Taunay), o Governador do Estado de São Paulo, Washington Luís, um “benemérito zelador do patrimônio nacional”, mandou restaurar o Forte São João, que ele denominou de “Forte de São Tiago da Bertioga”.

Explica Taunay que “com o seu alto e fervente espírito de tradicionalismo”, Washington Luís executou a restauração com “grande tato”. Disse que restava uma única guarita de atalaia e almenara e com a reforma as guaritas tornaram-se simétricas. Isso foi descrito por Taunay em artigo publicado em 1937 na Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, acrescentando que mesmo com a restauração, um grande perigo ameaçava o fortim martim-afonsino, pois o oceano assustadoramente avançava pela praia.

Fotos de Washigton Luís, advogado, historiador e político. Foi Governador do Estado de São Paulo, de 1º de maio de 1920 a 1º de maio de 1924. Depois, foi Presidente do Brasil de 15 de novembro de 1926 a 24 de outubro de 1930.

Washington Luís, no centro (segurando o chapéu e com uma das mãos no bolso) e Vicente de Carvalho, de terno branco, o primeiro à direita da imagem. Washington Luís veio em Bertioga fazer uma visita ao amigo, o poeta Vicente de Carvalho, no sítio do Indaiá. Foram várias visitas enquanto esteve como Governador do Estado. Foto do início da década de 1920.

Essa versão é confirmada pelo militar “Capitão de Corveta” Carlos Miguez Garrido, no livro de sua autoria “Fortificações do Brasil”, publicado em 1940, ao citar que a “Fortaleza de São João da Bertioga” (Forte São João), foi “restaurada em 1920, por iniciativa do Governo do Estado a esse tempo presidido pelo Dr. Washington Luís”.

Ainda de acordo com Carlos Miguez Garrido, embora restaurado, o Forte São João já estava “novamente caindo em ruínas” por volta do final da década de 1930.
Washington Luís veio algumas vezes para Bertioga, para ficar na casa de seu amigo, o poeta Vicente de Carvalho, no sítio do Indaiá. Um desses passeios aconteceu no final de semana dos dias 07 e 08 de janeiro de 1922. Chegou em Santos de carro, pela Estrada do Vergueiro, acompanhado de familiares e assessores, e foi direto para o cais do Valongo, onde tomou uma embarcação com destino à Bertioga. 

Não conseguimos encontrar documentos oficiais que indiquem a execução de obras no Forte São João ou a destinação de recursos públicos do governo estadual para esse fim, mas possivelmente a restauração deve ter mesmo ocorrido pois é relatada por dois autores da época, Washington Luís frequentava Bertioga e tinha interesse na preservação do patrimônio histórico, inclusive como historiador é autor do livro “Na Capitania de São Vicente”, com alguns trechos sobre Bertioga, publicado em 1956, um ano antes de sua morte.

Todavia, o mais provável é que a restauração foi apenas uma significativa limpeza extraindo as árvores que brotavam e plantas que encobriam parcialmente o terrapleno e o quartel. As fotos anteriores e as fotos posteriores a 1920, apenas revelam uma redução da vegetação que encobria as estruturas. Nas fotos, a parede caiada das cortinas aparece deteriorada, fazendo presumir que não foram recuperadas naquela ocasião.

Vistoria e relatório de Mário de Andrade – 1937

Mário de Andrade foi romancista, poeta, pesquisador, etnógrafo, musicólogo, documentarista, ensaísta. Foi também o intelectual designado pelo Ministro da Educação e Saúde para elaborar o anteprojeto de um serviço destinado à defesa do patrimônio artístico nacional em 1936. Juntamente com Rodrigo Melo Franco de Andrade, criou em 1937 o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), que mais tarde viria a se tornar o IPHAN.

Conhecido por obras literárias como “Macunaíma” e “Amar Verbo Intransitivo”, Mário tinha um projeto de renovação cultural para o país. Sua extensa pesquisa sobre as tradições culturais brasileiras o levaram a se aproximar das questões de preservação e valorização do patrimônio nacional. Em 1935 Mário foi um dos criadores e primeiro diretor do Departamento de Cultura do Município de São Paulo. Na mesma década, redigiu o anteprojeto de criação do SPHAN (Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, que se tornaria o IPHAN). Como assistente técnico do SPHAN, Mário elaborou em 1937, com a colaboração de Luiz Saia, Nuto Sant’Ana e do fotógrafo Germano Graeser, um relatório sobre “monumentos arquitetônicos de valor histórico ou artístico” no Estado de São Paulo. Nele, foram listados edifícios considerados dignos de tombamento pelo órgão federal.

Em novembro de 1937 esteve em Bertioga para uma vistoria no Forte São João, no Forte São Luís e na Ermida de Santo Antônio do Guaíbe.

Mário de Andrade em sua casa. 

Descreveu Mário de Andrade sobre o Forte São João:

Este forte está bem danificado pela ação do tempo e ameaçando ruína. Ora, trata-se justamente de um dos mais deliciosos perfis da arquitetura militar colonial que possuímos e há que conservá-lo. Na quebra da praia, olhando o mar e as águas sombrias do rio, entestando o maciço montanhoso da ilha de Santo Amaro, o forte de São Tiago é uma expressão magnífica. No primeiro século defendeu Santos dos Tamoios que vindo do mar, desejariam atacar a vila pelas costas. Hoje é simplesmente gracioso. As suas pedras enérgicas, a sua plataforma de vasta perspectiva, as suas vigias pueris, são duma elegância arquitetônica impecável. O dedo do tempo, que é o maior de todos os feitiços, transformou Hércules na própria Onfale (sic).

Destacamos que o poeta nos apresenta a seguinte frase: o dedo do tempo, que é o maior de todos os feitiços, transformou Hércules na própria Onfale.

A interpretação do texto não é fácil. Nosso entendimento é que Mário de Andrade refere-se ao “mito” sobre Hércules vendido como escravo para a Rainha da Lídia, Ônfale, que com ele teve filhos, mas o submeteu a diversos “castigos”, inclusive vestindo ele com roupas femininas para cumprimento de tarefas domésticas e ela com o manto de pele de leão de Hércules. Parece existir uma troca de papéis, mas Ônfale não possui os poderes de Hércules. Ela é apenas uma mulher vestida com as roupas dele. Assim, a força e o esplendor que o Forte São João teve no passado (Hércules), não é a mesma realidade do presente (Ônfale). O tempo transformou Hércules em Ônfale. Aos estudantes de Bertioga, fica o desafio de interpretar melhor o sentido desse texto precioso e histórico, escrito por Mário de Andrade em 1937 exaltando a principal identidade de Bertioga: o Forte São João.

Mário de Andrade advertia que eram necessários reparos urgentes. Ainda segundo ele, o empenho na recuperação do Forte São João partia da “Sociedade Amigos de Bertioga”, então presidida pelo médico Francisco Quartim Barbosa, mas que também tinha como um de seus diretores José Ermírio de Moraes. Esta associação civil realizava diversas demandas perante as autoridades dos Poderes Executivo e Legislativo, bem como divulgando na imprensa paulistana a grandeza do passado histórico das fortificações na Barra de Bertioga.

Forte São João, na década de 1930. Foto arquivada no Museu Paulista (Universidade de São Paulo), que detém seus direitos autorais. Foi cedida oficialmente e autorizada sua reprodução exclusiva para “História de Bertioga”, de Jamilson Lisboa Sabino.

É possível observar que as cortinas (paredes de pedra e cal) estão bem deterioradas. Forte São João, na década de 1930. Foto arquivada no Museu Paulista (Universidade de São Paulo), que detém seus direitos autorais. Foi cedida oficialmente e autorizada sua reprodução exclusiva para “História de Bertioga”, de Jamilson Lisboa Sabino.

Forte São João, na década de 1930. Podemos observar na imagem, ao fundo, troncos de madeira empilhadas, que eram extraídas em Bertioga e levadas de barco para serem comercializadas em Santos. Foto arquivada no Museu Paulista (Universidade de São Paulo), que detém seus direitos autorais. Foi cedida oficialmente e autorizada sua reprodução exclusiva para “História de Bertioga”, de Jamilson Lisboa Sabino.

Forte São João, na década de 1930. Vista interna de uma das guaritas, coberta por musgos. Foto arquivada no Museu Paulista (Universidade de São Paulo), que detém seus direitos autorais. Foi cedida oficialmente e autorizada sua reprodução exclusiva para “História de Bertioga”, de Jamilson Lisboa Sabino.

Tombamento - 1940

De acordo com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, no Brasil, foram construídas centenas de fortificações a partir do século XVI, no litoral e em pontos estratégicos do interior e das áreas de fronteira. As fortalezas são as grandes edificações militares, com duas ou mais baterias de canhões instaladas em pontos diferentes no interior da construção onde existem vários prédios, torre de observação, entre outras obras. Os fortes são edificações militares menores do que as fortalezas e possuem uma ou mais baterias de artilharia, mas todas instaladas no mesmo local. Muitas fortificações brasileiras desapareceram, ao longo dos séculos, ou delas sobraram apenas ruínas e registros históricos das batalhas ali travadas. A fortificação de Bertioga é classificada como um forte.

Em 1936, o Ministro da Educação e Saúde, Gustavo Capanema, aprovou o projeto de Mario de Andrade, que propôs a criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN). Mario dirigia o Departamento de Cultura da Prefeitura de São Paulo e indicou, ao Ministro, o nome de Rodrigo Melo Franco de Andrade para a direção do SPHAN, instituído pelo Decreto-Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937. Desde abril de 1936, estava sendo organizado o que seria SPHAN e elaborada a legislação para criação da instituição, por Rodrigo Melo Franco de Andrade e Mario de Andrade.

Rodrigo Melo Franco de Andrade assume a direção do SPHAN, oficialmente, em 1937. Ele e seus colaboradores mais próximos organizaram uma grande equipe de profissionais, pesquisadores, historiadores, juristas, arquitetos, engenheiros, conservadores, restauradores, mestres de obra, para a realização de inventários, estudos e pesquisas, execução de obras de conservação e restauração de monumentos, organização do arquivo de documentos, reunião de valioso acervo fotográfico e estruturação de biblioteca especializada.

É nessa ocasião que ocorre o tombamento do Forte São João, tornando-se um dos primeiros prédios de valor histórico a ter essa qualificação máxima de proteção e preservação.

Rodrigo Melo Franco de Andrade nasceu em 17 de agosto de 1898 e faleceu em 11 de maio de 1969. Foi o primeiro Diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), que mais tarde se tornaria o IPHAN. Rodrigo Melo Franco de Andrade foi quem despachou a inscrição do tombamento do Forte São João em 1940.

Explica Hely Lopes Meirelles que tombamento é a declaração pelo Poder Público do valor histórico, artístico, paisagístico, turístico, cultural ou científico de coisas ou locais que, por essa razão, devam ser preservados, de acordo com a inscrição em livro próprio. Atualmente, sua efetivação, como forma de proteção ao patrimônio público, está expressamente prevista na Constituição Federal, em seu artigo 216, cujo § 1º dispõe: “o Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento, desapropriação e de outras formas de acautelamento e preservação”.

Pelo seu valor histórico para a cultura brasileira, por importar em um dos principais patrimônios do Brasil Colônia e da arquitetura quinhentista, o “Forte São João da Bertioga” foi tombado em 19 de fevereiro de 1940 como patrimônio nacional pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN.

Rodrigo Melo Franco de Andrade solicita, em 22 de dezembro de 1939, ao Ministro da Educação e Saúde, o tombamento do “Forte de São Tiago ou São João da Bertioga”, além da Casa do Trem Bélico, em Santos.

Documento do Ministro da Guerra, Eurico Gaspar Dutra (futuro Presidente do Brasil), datado de 23 de janeiro de 1940, acusando o recebimento do pedido de tombamento do Forte São João.

Um documento raro: o despacho de Rodrigo Melo Franco de Andrade, datado de 19 de de fevereiro de 1940, determinando a inscrição do Forte São João no “Livro do Tombo”. A expressão “tombamento” provêm do Direito Português, onde a palavra “tombar” significava “inventariar”, “arrolar” ou “inscrever” nos arquivos do Reino, guardados na Torre do Tombo.

Segunda Guerra Mundial - 1939/1945

No contexto da Segunda Guerra Mundial serviu como quartel para os pelotões de vigilância dos 4° e 6° Batalhões de Caçadores do Exército Brasileiro.

A última grande restauração - 1942

Assim como descreveram os relatórios de Euclides da Cunha e de Mario de Andrade, o Forte São João estava em ruínas. O terrapleno, sua principal estrutura, estava de pé, mas o quartel tinha condições precárias, especialmente o telhado e algumas paredes, que tinham desmoronado. A tenalha (muro de pedras no entorno do quartel) estava parcialmente destruída e muitas pedras foram retiradas dela e usadas pelos moradores como alicerce para suas casas.

Tinha muita vegetação cobrindo o terrapleno e a cortina quase desapareceu. As guaritas estavam bem conservadas, pois foram restauradas em 1920, na obra executada pelo então Governador do Estado, Washington Luís, que depois se tornaria Presidente, conforme escreveu Visconde de Taunay.

A principal joia de Bertioga tinha o iminente risco de desaparecer, desmoronar, e ser levada pelos efeitos das marés, assim como aconteceu com a Capela de São João Batista. Sem os cuidados de conservação, o forte poderia estar numa situação semelhante a Ermida de Santo Antônio do Guaíbe ou do Forte São Luís, ou seja, em ruínas.

Em 1937, o jornalista Joel de Aquino, para a Revista da Semana, do Rio de Janeiro, visitou Bertioga e escreveu um artigo relatando alguns aspectos da Vila.  Joel de Aquino visitou o Forte São João, e lá se deparou com as ruínas do prédio histórico. Segundo relatou, de Bertioga de outros tempos, os vestígios são os alicerces do Forte São João, tomados pelo matagal, e as paredes de pedra “esverdinhadas de limo”, além de paredes de pau-a-pique largadas aos pedaços. Telhados que parecem canteiros de gramíneas e musgos amparam ruinosas construções de portas e janelas em arco. Mangueiras que não dão mais frutos e troncos que sustentam parasitas e ostentam penduricalhos de “barba de velho” são os restos dos quintais de antigamente. Havia dois coqueiros, altíssimos e veneráveis, dando a impressão de serem marcos ali colocados pela mão dos primitivos povoadores.

Forte São João, na década de 1930. Foto arquivada no Museu Paulista (Universidade de São Paulo), que detém seus direitos autorais. Foi cedida oficialmente e autorizada sua reprodução exclusiva para “História de Bertioga”, de Jamilson Lisboa Sabino.

Diante desse cenário, em 1941 foi iniciada a restauração do Forte São João pela Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Ficou responsável pela obra o arquiteto Luís Saia, que viria a se tornar um dos fundadores do IPHAN e respeitado professor e pesquisador sobre patrimônio histórico-cultural. A reforma foi concluída no ano de 1942.

Segundo consta, a principal finalidade dessa reforma foi colocar na posição original partes das cortinas que se encontravam desaprumadas desde a ressaca de 1769. As cortinas são as paredes de cal que cobrem a estrutura externa do terrapleno. Em outras palavras, é um revestimento fino, feito de material arenoso, aplicado sobre paredes externas do forte e depois pintado com tinta branca. Também são conhecidas como “pano de muralha”. Essas cortinas foram, originalmente, construídas com sambaqui, óleo de baleia e areia, uma mistura que forma argamassa para a construção civil, explica a pesquisadora Adriana Sanajotti Nakamuta.

Na reforma iniciada em 1941, as cortinas foram preenchidas com “cal de marisco”, em substituição ao “sambaqui”, nos locais onde estavam deterioradas. Disse o IPHAN, em consulta oficial, que a fortificação de Bertioga foi executada com pedras irregulares, do tipo “opus incertum”, por isso eram as cortinas revestidas e caiadas. Se fossem paredes de cantaria, com pedras perfeitamente alinhadas, aí permaneceriam aparentes, sem o revestimento de uma cortina caiada.

Foto de 1941/1942 – Restauração promovida pelo IPHAN

Foto de 1941/1942 – Restauração promovida pelo IPHAN

Restauração do Forte São João. Foto do IPHAN. Autoria: Luís Saia. Ano: 1941/1942.

Restauração do Forte São João. Foto do IPHAN. Autoria: Luís Saia. Ano: 1941/1942.

Restauração do Forte São João. Essas são as paredes do quartel (museu). O telhado foi trocado e algumas paredes refeitas. Foto do IPHAN. Autoria: Luís Saia. Ano: 1941/1942.

Eram dramáticas as condições em que se encontrava o quartel (Museu João Ramalho). Foto do IPHAN. Autoria: Luís Saia. Ano: 1941/1942.

A cortina caiada do Forte São João, na parte onde abriu a fenda após o maremoto de 1769. Foto do IPHAN. Autoria: Luís Saia. Ano: 1941/1942.

A cortina caiada com cal de marisco do Forte São João, nas obras de recuperação. Foto do IPHAN. Autoria: Luís Saia. Ano: 1941/1942.

A cortina caiada do Forte São João, ainda sem a aplicação da pintura branca. Foto do IPHAN. Autoria: Luís Saia. Ano: 1941/1942.

O Forte São João, após conclusão das obras de restauração. Foto do IPHAN. Autoria: Luís Saia. Ano: 1941/1942.

As cortinas caiadas e pintadas de branco do Forte São João. Foto do IPHAN. Autoria: Luís Saia. Ano: 1942.

A antiga entrada principal, amplamente reformada e o quartel (Museu João Ramalho), também já com as obras externas de restauração concluídas. Foto do IPHAN. Autoria: Luís Saia. Ano: 1942. 

Vista do quartel e do terrapleno, concluídas as obras de restauração. Foto do IPHAN. Autoria: Luís Saia. Ano: 1941/1942.

Destacamento da Polícia Militar - 1944/1954

Entre 1944 e 1954 serviu de aquartelamento ao destacamento subordinado à Praça Militar de Santos.

Forte São João – 1944

Forte São João – 1944

Forte São João – 1944

O Museu João Ramalho - 1962

O Instituto Histórico e Geográfico Guarujá-Bertioga, fundado em 1958 e atualmente extinto, era presidido por Lucia Piza Figueira de Mello Falkenberg. Teve participação determinante para a preservação e restauração do patrimônio arqueológico de Bertioga nas décadas de 1960, 1970 e 1980.

Em 1960 o Instituto Histórico e Geográfico Guarujá-Bertioga recebeu em doação do Ministério da Guerra (Comando do Exército) três canhões do período colonial. As peças foram transportadas de Santos para Bertioga pelo Departamento de Estradas de Rodagem – DER e pesavam cada uma cerca de uma tonelada.

Vista da plataforma de armas do Forte São João, em 1962. Eram três canhões de ferro, dois colocados na plataforma do Forte e um no gramado. Foi doação da Escola Naval (Ministério da Guerra). Foto do “Guia do Museu João Ramalho no Forte São João da Bertioga”, do Instituto Histórico e Geográfico Guarujá-Bertioga.

Vista para o canhão que foi instalado no gramado. Foto do “Guia do Museu João Ramalho no Forte São João da Bertioga”, do Instituto Histórico e Geográfico Guarujá-Bertioga.

Imagem atual dos dois canhões no terrapleno (plataforma de armas) do Forte São João e um no gramado, ao lado do quartel (Museu João Ramalho). Foto da Prefeitura de Bertioga.

Esse instituto assumiu no ano de 1961 compromisso com o Ministério da Guerra (Comando do Exército) e com o Ministério da Cultura para a manutenção do Forte São João.

Em virtude de entendimentos do Instituto Histórico e Geográfico Guarujá-Bertioga com a Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, foi procedida a completa reforma da Casa do Forte (quartel), possibilitando em vista do acordo firmado a instalação do Museu João Ramalho. Foi inaugurado no domingo do dia 11 de abril de 1962, mediante aquisições, doações e empréstimos de particulares.

O quartel do Forte São João passou a receber o nome de Museu João Ramalho, em homenagem aquele que, possivelmente, teria ficado encarregado de construir as primitivas fortalezas de 1531 e 1547.

Forte São João, em 1962. Foto do “Guia do Museu João Ramalho no Forte São João da Bertioga”, do Instituto Histórico e Geográfico Guarujá-Bertioga.

A Capela de São João, o oratório e a pia batismal, em foto de 1962. Foto do “Guia do Museu João Ramalho no Forte São João da Bertioga”, do Instituto Histórico e Geográfico Guarujá-Bertioga.

Quarto do oficial. Museu João Ramalho (quartel), em 1962. Foto do “Guia do Museu João Ramalho no Forte São João da Bertioga”, do Instituto Histórico e Geográfico Guarujá-Bertioga.

Sala para refeição no Museu João Ramalho (quartel), em 1962. Foto do “Guia do Museu João Ramalho no Forte São João da Bertioga”, do Instituto Histórico e Geográfico Guarujá-Bertioga.

Quando da sua inauguração, o Museu João Ramalho era composto do alpendre (onde fica a Capela), sala de entrada (comando), quarto do oficial, sala de comer, corredor e sala de armas.

Uma das primeiras doações para o acervo do Museu João Ramalho foi realizada em 1962 por Hermínio Lunardelli. Era um cruzeiro de ferro do século XVI, com a esfera armilar, proveniente de Caravelas, no Estado da Bahia

O cruzeiro de ferro ficava do lado externo do Museu João Ramalho. Foi instalado ali em 1962.

Detalhe para o cruzeiro de ferro. Foto de 1965, do Jornal Cidade de Santos.

O cruzeiro de ferro em um compartimento dentro do Museu João Ramalho. Fotos da Prefeitura de Bertioga.

Em 1963, na área externa, foi instalada uma casa de farinha (farinheira), reproduzindo a moagem da mandioca no século XVI. Também foi reconstruído o pavilhão que guardava ossos de baleia.

Casa da farinha. Foto do “Guia do Museu João Ramalho no Forte São João da Bertioga”, do Instituto Histórico e Geográfico Guarujá-Bertioga.

No dia 10 de janeiro de 1965 foi inaugurada a Sala Hans Staden, tendo como convidado de honra Gert Weiz, Consul Geral da Alemanha, em São Paulo. Foi destinada uma das dependências do Museu João Ramalho para a instalação da Sala Hans Staden, que contava com uma exposição de imagens e textos explicando quem foi Hans Staden e sua importância na divulgação dos primeiros anos de Bertioga, suas fortalezas e os conflitos com os povos indígenas.

No dia 27 de outubro de 1965, em comemoração ao IV Centenário de Fundação do Rio de Janeiro (1565/1965), foi inaugurado próximo ao Forte São João um monumento em homenagem ao Rio de Janeiro, um obelisco, executado por Alfredo Oliani. Nessa ocasião, um barco da Marinha de Guerra percorreu a costa até o Rio de Janeiro, parando em algumas cidades litorâneas e fazendo a leitura de uma mensagem elaborada pelo Instituto Histórico e Geográfico Guarujá-Bertioga. Foi de Bertioga que, em 1565, partiu a expedição liderada por Estácio de Sá para expulsão dos franceses e fundação do Rio de Janeiro.

O monumento ou marco, em formato de um obelisco, construído em homenagem a Fundação do Rio de Janeiro, ficava próximo ao Forte São João. Foi demolido nas obras de instalação do Parque dos Tupiniquins, na década de 2000. Fotos do Jornal “A Tribuna de Santos” e do “Guia do Museu João Ramalho no Forte São João da Bertioga”, do Instituto Histórico e Geográfico Guarujá-Bertioga.

Colaboraram para a instalação do Museu João Ramalho: José Ermírio de Moraes, Paulo Trussardi, Herminio Lunardelli, Fernando Lee, João Adhemar de Almeida Prado, José Pereira Fernandes, Claudio Pereira Fernandes e Egon Falkenberg.

Antonio Francisco Barbosa (zelador)- 1961/1984

De 1961 a 1984 foi o zelador do Forte São João, cuidando de sua segurança, visitação, limpeza e conservação, ao lado da esposa, Dona Francelina Ana Barbosa.

Antonio Francisco Barbosa nasceu no dia 11 de abril de 1922 em Ubatuba. Faleceu no 29 de junho de 1997 em Bertioga, aos 75 anos. Filho de Francisco Saturino Barbosa Rosenda Maria da Conceição.

Ele veio para Bertioga em 1961 com a família porque surgiu a proposta de trabalhar na restauração do Forte São João. Ele contou que nesta época o forte estava arruinado, deu muito trabalho a execução dos serviços. Alguns espaços externos provisórios, feitos de madeira, para exposições, já demolidos, foram construídos por ele. Após a conclusão das obras de restauro, Antonio Francisco Barbosa foi convidado a permanecer ali como caseiro, contratado pelo Instituto Histórico e Geográfico Guarujá-Bertioga. Sempre manteve impecável o local. Recepcionava turistas e fazia serviços de pedreiro, carpinteiro, eletricista, encanador e jardineiro. Ele morava ao lado do quartel, em uma casa construída por ele, com a ajuda de amigos. No início dos anos 1980, em entrevista ao Jornal A Tribuna de Santos, ele se mostrava bastante preocupado com as inaugurações da Rodovia Mogi-Bertioga e da Rodovia Rio-Santos, pois iria aumentar muito o número de visitantes e ele não conseguiria dar conta de tudo sozinho, cobrar os ingressos e vigiar o acervo, pois teve casos de turistas furtando peças históricas.

Foi dispensado pelo Instituto Histórico e Geográfico Guarujá-Bertioga em setembro de 1984, aos 62 anos de idade, e após 23 anos de trabalho prestados na manutenção e conservação do Forte São João, do quartel e do terreno que compunha o complexo. 

Antonio Francisco Barbosa – Foto de 1975

 

Antonio Francisco Barbosa, em foto de 1984, para o Jornal a Tribuna de Santos, abatido com a dispensa.

 

Parque dos Tupiniquins - 2004

No ano de 2004 a Prefeitura de Bertioga desapropria os terrenos vizinhos à edificação e ao Museu João Ramalho, promove a demolição das construções particulares recentes e cria em toda a quadra o Parque dos Tupiniquins, devolvendo para a população de Bertioga o seu maior patrimônio cultural.

Cunhambebe, o líder do povo Tupinambá, foi homenageado, recebendo no local a primeira estátua de Bertioga.

O Forte São João, criado por ordem do Rei de Portugal Dom João III, embora tenha enfrentado períodos de abandono, sempre os historiadores, governadores, militares e a população civil lutaram para preservá-lo.

Fotos atuais:

Forte São João e Parque dos Tupiniquins.

Forte São João. Foto de Rogério Cassimiro – MTUR.

Forte São João. Foto de Rogério Cassimiro – MTUR.

Forte São João. Foto publicada no site da Prefeitura de Bertioga.

Forte São João. Foto publicada no site da Prefeitura de Bertioga.

Forte São João. Vista lateral do Museu João Ramalho, ao lado do Canal de Bertioga. Foto publicada na Revista Nove.

Forte São João, com vista para a Praia da Enseada. O canhão está apontado para a entrada da Barra de Bertioga. Foto publicada no site Viagem Lado B.

Forte São João. O muro de pedras (tenalha) e o Museu João Ramalho (quartel). Foto publicada no site Viagem Lado B.

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