O transporte de passageiros entre Santos e Bertioga, as lanchas da “Santense” e a ponte de atracação - 1913
Bertioga estava isolada das demais cidades do litoral do Estado de São Paulo. O único meio de acesso era através de canoas e pequenas embarcações motorizadas, que vinham esporadicamente da Ilha do Montão de Trigo até a Prainha Branca. Os moradores das redondezas usavam o Canal de Bertioga para levar suas produções agrícolas, peixe seco ou madeira para vender em Santos. Até o início dos anos 1900 não existia um serviço público oficial de transporte de passageiros e cargas.
Apenas na década seguinte seria instalada uma linha regular para acesso até Bertioga. Foi um momento histórico, determinante para o desenvolvimento e progresso da Vila, que em poucos anos, pelo grande movimento de passageiros, logo viu a formação de um povoado com características de cidade, abandonando as atividades agrícolas.
Em 1911, o Governo do Estado de São Paulo, por concessão pública, delega a particulares a execução do serviço de transporte de passageiros e cargas através de lanchas movidas à gasolina, para a linha Santos-Bertioga. Era um serviço tido como “fluvial”, entre o cais do Porto de Santos (Paquetá) e a Vila de Bertioga, percorrendo o Canal de Bertioga. Tinha pontos de parada para atender a população ribeirinha: Monte Cabrão, Cachoeira e Buracão. Além da linha Santos-Bertioga, também existiram as linhas Santos-Bocaina (Vicente de Carvalho) e Santos-Ubatuba.
Estabeleceu a Lei Estadual nº 1.245, de 30 de dezembro de 1910, dispondo sobre o orçamento do Estado de São Paulo para o exercício financeiro de 1911:
Artigo 84 – Fica o governo auctorizado a contractar com Affonso Porchat de Assis ou com quem maiores vantagens offerecer o serviço de transporte em lanchas á gazolina de Santos a Bertioga, passando pela Bocaina, abrindo os necessarios créditos.
Publicação da Lei nº 1.245, de 30 de dezembro de 1910, que autorizou a celebração do contrato de concessão do transporte fluvial entre Santos e Bertioga. Fonte: Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.
Esse serviço foi assumido por Affonso Porchat de Assis, a partir de 1911, mediante contrato com o Governo do Estado de São Paulo. No entanto, o serviço somente entrou em atividade no exato dia 15 de fevereiro de 1913. Diversas publicações da época fazem prova desse fato. Affonso Porchat de Assis investiu nesse serviço como um negócio para auferir lucro, era seu administrador e contava com funcionários das mais diversas funções, desde a pilotagem das lanchas até os serviços de cobrança da tarifa, limpeza e manutenção. Em 1916, o Governo do Estado de São Paulo, pelo Decreto nº 2.654, autorizou Affonso Porchat de Assis transferir para sua empresa o contrato que havia assinado como “pessoa física”.
Em publicação do jornal “A Tribuna de Santos”, de 1911, Affonso Porchat de Assis é convidado para assinar o contrato com o Estado para o serviço de transporte fluvial de passageiros entre Santos e Bertioga.
Em publicação do jornal “Correio Paulistano”, de 1912, é noticiado que Affonso Porchat de Assis celebrou contrato para execução do serviço de navegação por meio de lanchas movidas a “gazolina”, para cargas e passageiros entre o cais do Paquetá em Santos e a Barra de Bertioga.
Em publicações na parte oficial do jornal “Correio Paulistano”, de 1913, é noticiado que Affonso Porchat de Assis deu início ao serviço no dia 15 de fevereiro de 1913. O serviço funcionava em caráter provisório, porque ele chegou depois a pedir prorrogação para início definitivo do serviço.
Em publicação do jornal “A Tribuna de Santos”, de 1914, é noticiado que Affonso Porchat de Assis submeteu a aprovação do Estado a planta das lanchas que seriam usadas no transporte fluvial entre Santos e Bertioga, mas conforme publicações anteriores, o serviço já estava em execução.
Decreto nº 2.654, de 5 de abril de 1916 autorizando a transferência da concessão da pessoa física Affonso Porchat de Assis para a pessoa jurídica “Affonso Porchat de Assis e Companhia”.
Explorou os serviços de travessia de passageiros e cargas entre o cais de Santos e Bertioga, como “pessoa física”, de fevereiro de 1913 até 1916, quando o contrato foi transferido para sua empresa, a “Affonso Porchat de Assis e Companhia”.
Jornal “A Tribuna de Santos” do dia 15 de fevereiro de 1913. Com o nome fantasia de “Empreza de Navegação Fluvial Porchat”, Affonso Porchat de Assis publica anúncio onde oficializa o início da execução da concessão pública de transporte de passageiros e cargas entre Santos e Bertioga.
Jornal “A Tribuna de Santos” do dia 15 de agosto de 1913. A empresa também podia ser contratada para serviços exclusivos e particulares. O escritório, originalmente, ficava na Rua Bittencourt, nº 241, mas houve uma alteração no nome e numeração desse trecho, passando para Praça Iguatemy Martins, nº 8, em frente a rampa do Mercado Municipal, na Bacia do Macuco.
Affonso Porchat de Assis nasceu em 1861 e faleceu em 1925. Foi secretário da Capitania dos Portos de Santos, Subdelegado de Santos e Vereador em Santos. Era casado com Clarinda da Rocha Lima e era neto do suíço Henry Porchat. O seu avô veio para Santos em 1804, com apenas 15 anos, onde abriu um curtume e depois investiu em outros negócios, foi dono do primeiro rebocador a vapor do porto, o primeiro dono de uma casa com linha telefônica na cidade e criador de uma fábrica de sabão e vela. Um dos filhos de Henry Porchat comprou a Ilha do Mudde (ou Ilha do Mudo, Ilha das Cobras, Ilha das Cabras) em São Vicente, e mudou para o nome da família (Ilha Porchat), que mesmo depois de ser revendida em 1887 para Manuel Augusto de Oliveira Alfaya, a denominação foi mantida.
O serviço de transporte de passageiros e cargas de Santos até Bertioga quase sempre foi executado pelas empresas administradas por Affonso Porchat de Assis e familiares. De 1911 até o encerramento das atividades, por volta de 1964, a “Santense” tinha a frente da sociedade a família Porchat de Assis.
Tabela de preços publicada em 1916, no jornal “O Diário de Santos”.
Em 1917 foi publicado o “horário oficial das embarcações de ferro brasileiras”. O preço e os horários do serviço da linha Santos e Bertioga foram divulgados.
Em relatório apresentado em 1919, os serviços eram executados regularmente pela empresa “Porchat”.
Ainda em 1919, pelas irregularidades identificadas na execução do serviço, a empresa foi multada e depois a multa foi reduzida. Publicação do jornal “O Combate”.
Em 1913, eram somente duas viagens: uma às 7 horas, saindo de Santos, e a outra às 3 horas, saindo de Bertioga.
O serviço tinha dois pontos de parada: Bocaina (Vicente de Carvalho) e Cachoeira.
Mais tarde, em novembro de 1915, passaram para quatro viagens ao dia (duas para Bertioga e duas para Santos) e foi estabelecido um novo roteiro de paradas: Monte Cabrão, Cachoeira, Buracão e Bertioga. Cada um desses locais tinha uma tarifa diferente, atribuída conforme a distância percorrida.
Publicação de 3 de novembro de 1915, dando ciência à população da criação das novas paradas: Monte Cabrão, Cachoeira, Buracão e Bertioga.
No começo, essas embarcações atracavam próximo às margens do Canal de Bertioga, nas imediações do Forte São João e, para não molharem os pés, uma pequena canoa realizava o translado das pessoas até a areia.
O Canal de Bertioga (Barra de Bertioga), em foto de 1905, cedida oficialmente e exclusivamente pelo Museu Paulista (Universidade de São Paulo) para Jamilson Lisboa Sabino usar em “História de Bertioga”. Detalhe para as palmeiras imperiais à esquerda da imagem, que estavam ali há muito tempo, desde meados do século XIX, servindo como ornamento ou algum tipo de sinalização, explicou Francisco Martins Lichti. À direita da imagem, a lancha que parte do Forte São João.
O Canal de Bertioga, em foto de 1906, cedida oficialmente e exclusivamente pelo Museu Paulista (Universidade de São Paulo) para Jamilson Lisboa Sabino usar em “História de Bertioga”. Antes, o local de atracação das lanchas era ao lado do Forte.
O Canal de Bertioga, em foto de 1906, cedida oficialmente e exclusivamente pelo Museu Paulista (Universidade de São Paulo) para Jamilson Lisboa Sabino usar em “História de Bertioga”. A mesma foto acima em detalhe. Alguns turistas visitam o Forte São João. Antes, o local de atracação das lanchas era ao lado do Forte.
No dia 16 de fevereiro de 1919 a empresa Porchat inaugurou em Santos, o flutuante que construiu no cais do Paquetá para maior comodidade aos passageiros. Era uma barcaça com várias dependências (administração, sala de espera, sala de bagagens). Não encontramos isso em nossas pesquisas, mas o atracadouro em Bertioga deve ser da mesma época.
A data de construção da “ponte de atracação” (trapiche ou embarcadouro) é um mistério. Não localizamos registros históricos disso. É razoável que uma ponte para atracação das lanchas fosse algo indispensável para a execução desse tipo de serviço. Não é improvável que ela seja de 1913, mesmo ano em que entrou em serviço o transporte fluvial entre Santos e Bertioga. Certeza é que essa ponte já estava instalada em 1919, quando pelo Decreto nº 3.109/19, o Governo do Estado de São Paulo autorizou a transferência da concessão de “Affonso Porchat de Assis e Comp.” para a “Companhia Santense de Navegação e Commercio”. Affonso Porchat de Assis tinha falecido e coube aos seus sobrinhos e parentes a continuação do negócio. Algumas fotos do início da década de 1920 mostram a ponte de atracação.
A antiga ponte de atracação bem ao fundo, nesta raríssima foto do início da década de 1920, possivelmente logo após sua construção. Fonte: Biblioteca Municipal de Santos.
A antiga ponte de atracação, em foto de 1924.
Cartão postal da década de 1920. Em Santos, no Paquetá, ficava a “barcaça” (espécie de flutuante), usado para embarque e desembarque dos passageiros das lanchas da Companhia Santense de Navegação. A estrutura aparece no centro da imagem, no cais.
Cartão postal da década de 1920. Em Santos, no Paquetá, ficava a “barcaça” (espécie de flutuante), usado para embarque e desembarque dos passageiros das lanchas da Companhia Santense de Navegação. É possível ver parte desse flutuante no cais.
É em 1919 que a “Companhia Santense de Navegação e Comércio” assume a travessia.
Em 1924, transfere todos os contratos para “Metallurgica Santista e Companhia Santense Reunidas”, com a denominação de “A. M. Teixeira e Companhia Limitada”. É o que consta do Decreto nº 3.771/24, do Governo de São Paulo.
Em 1926 a “Metallurgica Santista e Companhia Santense Reunidas” transfere novamente todos os contratos para a “Companhia Paulista de Transportes Marítimos”.
Em 1927 o serviço retorna para a “A. M. Teixeira e Companhia Limitada” (Companhia Santense).
Em 1919, o Governo do Estado autoriza a transferência dos contratos para a “Companhia Santense de Navegação e Commercio”.
Documento Público. Relatório do Governo do Estado de São Paulo – Mensagem do Governador à Assembleia Legislativa, em 1921, informando que o “serviço de communicações, entre Santos e Bertioga, continúa a ser mantido pela Companhia Santense de Navegação e Commercio”
Documento Público. Relatório do Governo do Estado de São Paulo – Mensagem do Governador à Assembleia Legislativa, em 1922, informando que o serviço de navegação entre Santos e Bertioga foi prorrogado em caráter precário, diante do término do contrato de concessão.
Em 20 de setembro de 1927 passa a receber a denominação de “Navegação Santense Ltda”. Daí em diante os contratos foram prorrogados sucessivas vezes, permanecendo com essa razão social até o término da concessão do serviço de transporte de passageiros e cargas por lanchas. A “Navegação Santense Ltda” foi constituída originalmente pelo seguinte quadro societário: Edmar Porchat de Assis (Diretor Presidente), Carlos Edzard Porchat de Assis (Vice-Presidente), Deomar Porchat de Assis Dias de Moraes (Diretora Comercial), Alfredo Freire do Nascimento, Antonio de Almeida Junior, Antonio Martins Teixeira, Ataliba de Seixa Pereira, David Victor de Almeida e Julio Pedro Pontes.
Imagem e informação do site novomilenio.info.br, mostrando que a A. M. Teixeira & Cia Ltda era a Companhia Santense de Navegação.
Conforme a Poliantéia Santista/História de Santos, somente em 1945 entraram em serviço as novas lanchas da “Santense”, maiores, seguras e mais confortáveis.
Em documentos históricos do Arquivo Nacional, o Governador do Estado de São Paulo, em Mensagens à Assembleia Legislativa, informava em 1923 que a linha Santos/Bertioga teve 243.227 passageiros no ano anterior (1922). Em um novo relatório enviado à Assembleia Legislativa, esse número passou para 398.406 passageiros no ano de 1926.
Relatório do Governador do Estado indicando o número de passageiros da Santense – Publicação de 1922.
Relatório do Governador do Estado indicando o número de passageiros da Santense – Publicação de 1926.
Em entrevista ao “Memórias de Formação de uma Cidade”, do jornal “Costa Norte”, Ney Nehme conta que seu avô, o libanês Elias Nehme, além de João Sabino Abdalla e Miguel Bichir, também libaneses, permaneciam ao lado do píer de madeira, em bancas, vendendo todos os tipos de suprimentos. O acesso de todas essas pessoas até a praia, seja a pé, ou através de carroças ou do caminhão de João Sabino Abdalla, somente seria possível com a abertura de um caminho, relativamente largo e bem cuidado, pois se tratava do principal trecho de acesso para os que chegavam à Bertioga.
A construção da “ponte de atracação” é um dos fatores que resultaram em benfeitorias para a abertura definitiva daquela que viria a ser a Avenida Vicente de Carvalho, onde instalaram-se os comerciantes libaneses, impulsionando o desenvolvimento local e fazendo surgir ali um núcleo de moradores vivendo em comunidade.
No dia 7 de setembro de 1941 foi inaugurada a nova estação da Santense, em Santos, no cais da Alfândega, uma espécie de barcaça flutuante. De 1913 a 1941 o embarque era no cais do Paquetá. A partir da entrega dessa nova estação em setembro de 1941, o embarque passou a ser no cais da Alfândega.
No mesmo ato de inauguração da estação flutuante foram entregues duas embarcações novas para o serviço de transporte fluvial pelo Canal de Bertioga.
Jornal “O Correio Paulistano”, de 1941 anunciando a inauguração da nova estação da Santense.
Jornal “Correio da Tarde” anunciando a nova estação e a entrega de mais duas embarcações.
Ponte de atracação em Bertioga e uma das lanchas da Santense : lancha nova, entregue em 1941, segundo Fernando Martins Lichti, em “Poliantéia Santista”.
Embora as lanchas da “Santense” foram de certo modo “romantizadas” nos últimos anos pelos mais saudosistas, a verdade é que existem diversas publicações acusando o Estado pelo péssimo serviço executado pela concessionária, tanto pela empresa “Porchat”, nos primeiros anos, como pela “Santense”. Inúmeros pedidos de providências e melhorias eram encaminhados as autoridades da época, afinal de contas, tornou-se um sistema subvencionado pelo Governo do Estado.
Em outubro de 1921 noticiava o “Correio Paulistano” um acidente ocorrido entre uma lancha particular e uma das lanchas da “Companhia Santense”, que pelos registros históricos acabava de assumir a concessão pública. As duas lanchas chocaram-se no Canal, provocando sérios danos a embarcação particular. Com o impacto, quatro passageiros da barca da “Santense” caíram na água e um deles faleceu. Essas lanchas estavam sempre lotadas, as pessoas viajavam em pé, aglomeradas, sem as medidas de segurança náutica hoje obrigatórias.
Correio Paulistano noticiando a tragédia na travessia Santos-Bertioga com um dos passageiros
A inauguração em 1954 do serviço de travessia por balsas deu início a uma fase de expressivo abandono do serviço de lanchas, com a péssima qualidade das embarcações e a irregularidade no cumprimento dos horários de partida e chegada.
No dia 25 de abril de 1963, a ponte de atracação das lanchas, em Bertioga, foi interditada pela Prefeitura de Santos, pelas condições de segurança do local. Em 24 de outubro de 1964, o Jornal do Commercio noticiava a desativação dos serviços.
Nessa época, o serviço ficou totalmente paralisado por quase cinco meses, em decorrência da greve dos funcionários da “Santense” pelo atraso no pagamento dos salários. Os Vereadores da Câmara de Santos tentavam em vão, por meio de ofícios e requerimentos, a retomada do serviço.
Correio da Manhã – 1964
Em 18 de fevereiro de 1965, a ponte de atracação em Bertioga foi interditada pela Marinha do Brasil.
Ainda em 1965, a estação de embarque que ficava em Santos, pelos efeitos da maré, adernou parcialmente, inclinando para um dos lados, impedindo o seu uso.
Vários problemas acumulavam-se e ocorriam ao mesmo tempo, a ponto até mesmo das lanchas serem deslocadas para atender ao serviço de transporte de passageiros entre o Cais e Itapema (Distrito de Vicente de Carvalho.)
As atividades da “Santense” começaram a ser encerradas, possivelmente, a partir de 1964, com o término do contrato de concessão com o Estado de São Paulo. O serviço caiu em decadência, acumulavam processos trabalhistas, as lanchas estavam obsoletas, com constantes problemas mecânicos e os equipamentos públicos de atracação estavam danificados ou interditados.
Após 1964 o serviço passou a ser executado de modo muito precário e irregular pela Prefeitura de Santos, com algumas embarcações alugadas. Há publicações na imprensa dando a informar que o serviço era usado apenas por turistas que vinham a passeio em Bertioga ou por alguns proprietários de terras ribeirinhas ao longo do Canal de Bertioga.
Em nossos estudos não foi possível identificar a data em que pela última vez houve uma viagem executada pela “Santense” transportando passageiros e cargas entre Santos e Bertioga, pois o fim da operação das atividades ocorreu aos poucos, com a descontinuação do serviço. Algumas viagens sequer eram realizadas, causando enormes transtornos à população. As lanchas passaram a ser usadas por algum tempo para finalidade exclusivamente turística, deixando abandonada as comunidades ribeirinhas ao longo do Canal de Bertioga (Monte Cabrão). Já os moradores da Vila de Bertioga, a partir do início da década de 1960, passaram a usar como acesso apenas a Estrada Guarujá-Bertioga, que foi pavimentada, e o serviço de travessia de balsas. As últimas notícias sobre o serviço são do ano de 1970.
Foto registrada a partir dos jardins do Forte São João, mostrando ao fundo a ponte de atracação, a lancha da Santense e o Canal de Bertioga. Esta foto foi realizada entre os anos de 1940 e 1943 por Hans Schiewlbein, marinheiro do Windhuk, navio de bandeira alemã que, para não ser capturado pela Inglaterra na Segunda Guerra Mundial, acabou por se refugiar em Santos. Direitos de reprodução da imagem cedidos pela Fundação Arquivo e Memória de Santos e adquiridos por Jamilson Lisboa Sabino para o site História de Bertioga.
A ponte de atracação das lanchas da Santense, com a histórica mensagem: “Boa viagem e breve regresso Bertioga vos espera”. Na foto do início da década de 1940 aparece Odete Bittencourt Abdalla, filha de João Sabino Abdalla, posando com duas rosas/flores presas aos cabelos.
A primitiva ponte de atracação em 1952, em foto publicada pela Prefeitura de Santos. É possível identificar, da esquerda para a direita: a futura casa de materiais de construção do “Seo Mazzoni” (Viga-Mestra), a venda de João Sabino Abdalla, o Bar do Faninho, o “Bar, Restaurante e Armazém Mar e Terra” de Elias Nehme e a venda de Miguel Bichir.
Lancha S-9 da Santense, em foto da década de 1950.
Lancha S-10 da Santense, em foto da década de 1950.
Na ponte, com a barca da “Santense” atracada, João Sabino Abdalla à esquerda, de camiseta branca, Miguel Arcanjo de preto ao centro e um tripulante da lancha, à direita, de boné e todo de branco. Foto extraída do livro “Bubuia do Tempo”, de Miguel Seiad Bichir Neto (década de 1940).
Seiad Bichir e João Sabino Abdalla, em frente à ponte de atracação, na década de 1950
A ponte de atracação ao fundo e crianças brincando – Década de 1950
Godoy e Isaura, filha de João Sabino Abdalla, com Waltinho – Década de 1950
Desembarque em um dia chuvoso. Detalhe para o sino. Foto do final da década de 1950, publicada no site do Sesc Bertioga.
Desembarque de passageiros em uma das lanchas – década de 1950
As lanchas da “Santense” estavam sempre muito lotadas e muitos passageiros precisavam fazer o percurso em pé – década de 1950
Ponte de atracação: população aguardando a lancha da Santense – década de 1950
Lancha Iraty, da Santense. Foto de 1937.
Na década de 1950 o flutuante que servia como estação das lanchas da Santense ficava no cais da Alfândega.
Fotos do jornal “A Tribuna de Santos”, registrando em 1963 a fila de passageiros em frente a barcaça flutuante, no Paquetá, que servia como atracação para as lanchas da “Santense”.
Estação de embarque na década de 1960, que além da travessia para Itapema (Distrito de Vicente de Carvalho), também servia como atracadouro para as lanchas da Santense.
Ponte de atracação das lanchas da Santense, em Bertioga (1969).
Embarque na lancha da Santense, em 1969, em Bertioga.
Lancha “cazuza”, parada no estuário de Santos, em 1970. Ela era pintada nas cores azul e branca.
Grande baleia encalha ao lado do Forte São João – 1916
Bertioga foi palco da matança de milhares de baleias na indústria de beneficiamento desse animal, de 1748 até 1825, aproximadamente, através da Armação das Baleias de Bertioga, localizada na sua maior parte na Ilha de Santo Amaro (Guarujá), com alguns barracões para guardar as embarcações em Bertioga.
Virou notícia nos jornais “O Estado de São Paulo” e “O Diário de Santos” o encalhe de uma enorme baleia ao lado do Forte São João, em frente ao sítio de Gabriel Fernandes Garcez. Isso ocorreu na madrugada do dia 14 de agosto de 1916. Essa baleia tinha 22 metros de comprimento e 6 metros de largura. Não foi possível na época identificar qual espécie de cetáceo era, mas pelo tamanho, deveria ser uma baleia azul.
Por algum tempo, causou incômodo aos poucos moradores, mas a maré se encarregou de sepultar a carcaça do animal na areia da praia. Os ossos dessa baleia voltaram a ser avistados em 1937, pelo jornalista Joel de Aquino. Quando visitou Bertioga, disse que grandes ossos de baleia estavam expostos na areia da praia, removidos pela mesma grande ressaca que destruiu o velho cemitério.
Era comum encalhar baleias, mas não desse tamanho. Em 21 agosto de 1891 o “Correio Paulistano” informava do encalhe de outra baleia menor, próximo ao Indaiá, já em adiantado estado de decomposição. Com autorização do Governo do Estado, parte dela foi removida, em especial todos os ossos, e levada para São Paulo, para pesquisa no Museu Sertório, uma coleção particular do Coronel Joaquim Sertório, hoje de propriedade do Museu Paulista (Universidade de São Paulo). Foi responsável pela remoção da baleia Alexandre Hummel, auxiliar do Museu Sertório. Depois das pesquisas os ossos ficaram expostos nos jardins de um dos parques municipais de São Paulo.
Muitas outras baleias, no decorrer da história, encalharam nas praias de Bertioga, como aconteceu em setembro de 1980. Era uma baleia branca, que segundo entrevista dada na época por Nagib Bichir, ao jornal “A Tribuna de Santos”, ela tinha 20 metros, e entre 25 e 30 toneladas, era “um belo animal, que merecia um pouco mais de respeito”, pois havia indícios de ter sido mutilada em alto mar. A baleia, em decomposição, ficou dias nas areias do Indaiá, virou ponto turístico, até que a Prefeitura resolveu cortar em pedaços e enterrar na praia.
Inspeção do Governador Altino Arantes - 1917
Em junho de 1917 Bertioga foi inspecionada pelo Governador do Estado de São Paulo, Altino Arantes Marques, que veio até a cidade por uma lancha especial do serviço de migração.
Altino Arantes Marques (Governador do Estado, de 1916 a 1920)
Vicente de Carvalho em Bertioga - 1917
Vicente de Carvalho e sua esposa Ermelinda.
Casa de Vicente de Carvalho, no Indaiá, em Bertioga – Tela de Benedito Calixto
Casa de Vicente de Carvalho, no Indaiá, em Bertioga – Tela de Benedito Calixto
Vicente de Carvalho, na varanda da casa, com familiares e amigos – Indaiá – 1922
Vicente de Carvalho, na varanda da casa, com familiares e amigos – Indaiá – 1922
Em destaque, a mesma foto acima, Vicente de Carvalho.
Gripe espanhola em Bertioga - 1918
Segundo o Hospital do Coração, a gripe espanhola foi uma pandemia que aconteceu entre 1918 e 1919, atingindo todos os continentes e deixando um saldo de, no mínimo, 50 milhões de mortos. Não se sabe o local de origem, suspeita- se que pode ter sido na China, no Reino Unido ou nos Estados Unidos. No Brasil, os números mais confiáveis da época vêm do Rio de Janeiro, a então capital da República, onde foram contabilizados cerca de 15 mil óbitos entre os meses de setembro e novembro de 1918.
Bertioga também foi atingida pela gripe espanhola. Os poucos moradores da Vila não possuíam qualquer serviço de atendimento médico. A situação era mais grave ainda pela falta de saneamento básico, sistema de coleta e tratamento de esgoto e água potável. Há registros de publicações de capa de jornais divulgando o envio de medicamentos às populações de Bertioga e de outras cidades do litoral, que sofriam com os sintomas e óbitos dessa doença, um dos piores momentos na história da humanidade.
Segundo o Jornal A Tribunal de Santos, em matéria publicada no dia 15 de novembro de 1918, “o bairro de Bertioga e suas adjacências foram largamente assolados pela epidemia reinante, encontrando-se ainda doentes muitos dos seus habitantes”.
Gazeta do Povo – 21/12/1918 – notícia de capa sobre a distribuição de medicamentos em Bertioga para o tratamento da “grippe hespanhola”.
Foi disponibilizada a gratuidade das passagens no sistema de travessia entre Santos e Bertioga e Santos e Bocaina (Vicente de Carvalho) para as equipes de socorro que atendiam essas localidades, especialmente levando medicamentos.
O Dr. Guilherme Álvaro, Delegado de Saúde de Santos, determinou a distribuição de medicamentos aos enfermos de Bertioga. Ficaram responsáveis pela distribuição os senhores Claudio Gomes Ribeiro e Rozendo dos Santos.
No dia 15 de novembro de 1918 esteve em Bertioga o médico Dr. José Oscar Coelho, que passou pela Praia da Enseada (Indaiá), e pelos bairros do Buracão e da Cachoeira, examinando e receitando medicamentos para cerca de 150 enfermos atingidos pela gripe espanhola. Foi deixada a disposição do Dr. José Oscar Coelho uma lancha da Empresa Porchat para fins de atendimento humanitário. No dia 17 de novembro de 1918 seguiu uma remessa de medicamentos para Bertioga. A Diretoria de Saúde de Santos, novamente atuando com a coordenação do Prefeito, determina que em 22 de novembro de 1918, o Dr. Aurélio de Carvalho visite as comunidades das praias de Bertioga, levando medicamentos e prestando atendimento.
No dia 23 de novembro de 1918, pela quarta vez, o Dr. José Oscar Coelho fez atendimento na comunidade de Bertioga, além do Bairro da Cachoeira.
Jornal A Tribuna de Santos. 17/11/1918.
Publicação do jornal “O Diário de Santos”, noticiando o atendimento prestado pelo médico José Oscar Coelho (1918).
Publicação do jornal “O Diário de Santos”, noticiando o atendimento prestado pelo médico Aurélio de Carvalho e o apoio da empresa “Porchat” no transporte gratuito dos médicos e enfermos (1918).
A Vila de Bertioga - 1920
Na década de 1920 a Vila de Bertioga mantinha sua vocação turística, atraindo muitos excursionistas que vinham passear e conhecer as ruínas históricas, principalmente do Forte São João e da Ermida de Santo Antônio do Guaíbe. Belle Ribble era uma dessas visitantes. Era educadora, professora, escritora e poeta estadunidense. Chegou ao Brasil em 1920, vindo da Argentina, para assumir a diretoria da “São Paulo Graded School”, conceituadíssimo colégio particular da capital paulista, e que existe até os dias atuais.
Belle Ribble publicou em janeiro de 1930 o livro de poesias “Beneath the white rainbow at Bertioga by the sea”, escrito todo em inglês, revelando suas impressões sobre a Vila de Bertioga nas diversas visitas que realizou, possivelmente, alguns anos antes, em meados da década de 1920. Ela não revela as datas em que esteve em Bertioga. Como o livro foi publicado em 1930, presume-se que esteve em 1929 ou antes, ela demorou para publicar esse livro, e só o fez a pedido dos amigos que insistiram.
O título do livro traduzido significa “debaixo do arco-íris branco”. Belle Ribble, que também assinava como Bel Ribble presenciou em Bertioga um fenômeno raro, o arco-íris branco, formado por um nevoeiro, que disse ter ocorrido no pôr do sol, enquanto os pescadores puxavam suas redes. Mesmo os pescadores e os moradores locais ficaram admirados com aquele raro acontecimento atmosférico, provocado pelas gotículas do nevoeiro e os raios de sol. Disse, “we stood entranced, nor yet could see” (nós ficamos em transe, nem podíamos ver/entender).
Com delicadeza e precisão, Belle Ribble, em seus versos, descreve a Vila de Bertioga: “quaint little thatched-roof town; hid in a mesh of green, close on the channel’s brink” (pequena cidade pitoresca com telhado de palha; escondida em uma malha verde, perto da beira do canal).
Segundo a educadora, Bertioga não tinha polícia, pois raros eram os “malfeitos” e tudo se resolvia dentro dos costumes comunitários. As portas das casas ficavam abertas, assim como a da escola. Era uma comunidade de comida e roupas simples (simple food and clothes). O peixe não faltava e até de graça era possível ganhar uns pescados. O Forte São João estava encardido, cheio de musgos, que davam um tom de verde e escuro, pelas cracas e detritos do tempo. Belle Ribble menciona a “the ponte” (a ponte), referindo-se a primitiva ponte de madeira para atracação das lanchas da santense. São as primeiras impressões de quem chegava em Bertioga: “is a winding channel lined with trees; neat little fruit farms and primitive dock” (é um canal sinuoso ladeado de árvores; pequenas fazendas de frutas e doca primitiva). Na ponte, os pescadores e moradores sempre aguardavam a chegada de parentes ou de pacotes com encomendas ou correspondências. Chegavam muitos visitantes, com roupas estranhas, mas que facilmente faziam amizade nos ranchos que os acolhiam. Belle Ribble visitou o cemitério da praia. Algumas sepulturas eram simples, mas outras eram ornadas com pedras e cruzes, demonstrando que ali estava alguma autoridade, rico ou religioso. Ali, nas ruínas da antiga e histórica Capela de São João Batista, localizada bem no meio do cemitério, que se formou ao redor dela, fez uma descrição curiosa daquela estrutura, chamando “the orchids hall” (o salão das orquídeas), certamente porque observou nas paredes as orquídeas, sem deixar de notar a árvore que nasceu entrelaçada entre as pedras da Capela, e que parecia sustentá-la.
Era um período de transformação. O sistema público de travessia entre Santos e Bertioga estava implantado. Iniciativas de instalação de estabelecimentos comerciais e urbanização para venda de terrenos, transformariam a comunidade de cultura rural, para uma população com características urbanas. Bertioga nasce com vocação para torna-se uma cidade na década de 1920.
Aspecto da Vila de Bertioga na década de 1920. Imediações da atual Avenida Vicente de Carvalho, entre o Forte São João e a ponte de atracação. Foto de Belle Ribble, publicada em “Beneath the White Rainbow”.
A primitiva ponte de atracação e a lancha de transporte público entre Santos e Bertioga. Década de 1920. Foto de Belle Ribble, publicada em “Beneath the White Rainbow”.
“Four centuries look down from this grim old tower” (Quatro séculos olham para baixo desta velha torre sombria). Década de 1920. Foto de Belle Ribble, publicada em “Beneath the White Rainbow”.
“The one little cemetery in the country round; Yet some stone-covered graves, unmolested by time; May have sheltered some martyr; Which lies decayed, no guard at all”. (O único cemitério pequeno no campo; No entanto, algumas sepulturas cobertas de pedra, intocadas pelo tempo; Pode ter abrigado algum mártir, algum padre divino; Que jaz decadente, sem guarda alguma). Década de 1920. Foto de Belle Ribble, publicada em “Beneath the White Rainbow”.
Imediações da Vila e do Canal de Bertioga. Década de 1920. Foto de Belle Ribble, publicada em “Beneath the White Rainbow”.
As palmeiras imperiais próximas ao Forte São João. Década de 1920. Foto de Belle Ribble, publicada em “Beneath the White Rainbow”.
Casa de alvenaria em frente o Canal de Bertioga e próxima ao Forte São João. Década de 1920. Foto de Belle Ribble, publicada em “Beneath the White Rainbow”.
Árvore próxima ao Forte São João, local onde hoje está o Parque dos Tupiniquins. Década de 1920. Foto de Belle Ribble, publicada em “Beneath the White Rainbow”.
Casa de pau-a-pique na Vila de Bertioga. As casas dos pescadores eram de madeira ou de pau-a-pique, mas também existiam casas de alvenaria, construídas pelos proprietários agrícolas, pelos donos de sítios de veraneio ou por Joaquim Tavares. Década de 1920. Foto de Belle Ribble, publicada em “Beneath the White Rainbow”.
A Vila de Bertioga e uma família de moradores. Década de 1920. Foto de Belle Ribble, publicada em “Beneath the White Rainbow”.
Uma das casas da primitiva Vila de Bertioga. Década de 1920. Foto de Belle Ribble, publicada em “Beneath the White Rainbow”.
Um rancho na Vila de Bertioga. Década de 1920. Foto de Belle Ribble, publicada em “Beneath the White Rainbow”.
O padre em frente à praia, próximo ao Forte São João e a capela anexa a ele. Década de 1920. Foto de Belle Ribble, publicada em “Beneath the White Rainbow”.
O padre ao lado de uma das guaritas do Forte São João. O terrapleno coberto por vegetação, musgos, mato, escurecido pela ação do tempo. Década de 1920. Foto de Belle Ribble, publicada em “Beneath the White Rainbow”.
A educadora Belle Ribble pousando elegantemente na praia de Bertioga. Década de 1920. Foto de Belle Ribble, publicada em “Beneath the White Rainbow”.
A praia de Bertioga, a entrada da barra e urubus procurando pelos peixes dispensados pelos pescadores ou que encalhavam mortos na areia. Década de 1920. Foto de Belle Ribble, publicada em “Beneath the White Rainbow”.
A educadora Belle Ribble (terceira, da esquerda para a direita) na praia com amigos e um cachorro. Década de 1920. Foto de Belle Ribble, publicada em “Beneath the White Rainbow”.
A abertura da Avenida Vicente de Carvalho - 1920
A instalação da ponte de atracação foi fator determinante para a abertura do caminho de terra que dava acesso à praia, a atual Avenida Vicente de Carvalho. Nessa época, década de 1920, o trânsito era somente de pedestres e alguns pequenos veículos com tração animal.
Mas a história conta que outros fatores também contribuíram para a abertura da Avenida Vicente de Carvalho. João Sabino Abdalla declarou em 1949 que já havia se instalado na Vila de Bertioga, em frente a ponte de atracação, em 1917. O seu filho, João Sabino Filho, em entrevista ao Jornal Costa Norte no ano de 2003, disse que seu pai abriu a avenida para que fosse possível o trânsito do único veículo que existia em Bertioga, entre os anos de 1929 até o início da década de 1940. Era o caminhão Chevrolet de propriedade de seu pai. O veículo precisava fazer várias viagens entre a ponte e o Indaiá, transportando pessoas, mercadorias e até tainha, como relatou Maria Conceição Vicente de Carvalho, filha do famoso poeta.
Joaquim Tavares também contribuiu para a abertura da atual Avenida Vicente de Carvalho, especialmente em relação a distância estabelecida das margens do Canal de Bertioga e o planejamento para demarcação e alienação de lotes.
Por escritura pública, em 1918, Joaquim Tavares adquiriu da Irmandade dos Carmelitas Fluminense uma grande parcela de terras que abrangia um trecho da Avenida Vicente de Carvalho e grande parte do centro, que denominou de Vila Carmen.
Realizou benfeitorias no local, com a demarcação de alguns lotes respeitando a distância de 33 metros da preamar média, a doação de um desses lotes para a Colônia de Pescadores, onde foi instalada uma escola pública municipal e, com o apoio dos seus encarregados, realizou benfeitorias de limpeza e manutenção dessa área, inclusive com a execução de casas de alvenaria em frente à Avenida Vicente de Carvalho, que serviriam de acomodações para os seus encarregados, pescadores e para sua própria residência. Alguns desses lotes foram doados verbalmente por Joaquim Tavares e depois pelo seu filho, Aristeu Tavares, para os amigos e pessoas mais necessitadas. Inclusive o campo do Bertioga Futebol Clube foi doação verbal de Aristeu Tavares, um dos fundadores do centenário time.
Nessa época, o Brasil não possuía legislação sobre loteamentos. A Vila Carmen, por causa disso, foi implantada com lotes pequenos e ruas e calçadas estreitas, além da ausência de áreas públicas destinadas aos equipamentos comunitários. De qualquer forma, a ideia de implantar um loteamento resultou na ocupação ordenada do solo.
Washington Luís, os passeios em Bertioga e a restauração do Forte São João – 1920
O jornal “Correio Paulistano” noticia uma das visitas de Washington Luís, em janeiro de 1922
Washington Luís, ao centro, segurando o chapéu e com a mão no bolso e a direita, de terno branco, Vicente de Carvalho, no Indaiá, em 1920.
O seu antecessor, o Governador Altino Arantes, esteve em Bertioga em 1917 para uma visita oficial, mas Washington Luís vinha somente a passeio. Isso, entretanto, conforme foi afirmado por Visconde de Taunay, não impediu que Washington Luís, durante a sua gestão como Governador do Estado de São Paulo, ordenasse que em 1920 fosse realizada uma ampla limpeza no Forte São João e trabalho de restauração. Para tanto, foi necessária a movimentação de trabalhadores e equipamentos, todos vindos através de embarcações pelo Canal de Bertioga. Os investimentos realizados no ano de 1920 pelo Governo do Estado de São Paulo, na gestão de Washington Luís, para recuperação do Forte São João, que estava abandonado, foram determinantes para a ampla limpeza das margens do Canal de Bertioga e do entorno do Forte São João. A recuperação do Forte deve ter incluído benfeitorias na abertura parcial da atual Avenida Vicente de Carvalho, que daria acesso à praia, caminho único para chegar aos sítios e comunidades. Essas propriedades ao longo das praias de Bertioga e do litoral norte atraíram pessoas ilustres, como Vicente de Carvalho, José Ermírio de Moraes, Jânio Quadros, Washington Luís, Benedito Calixto. A Vila chamou a atenção da elite paulista pelo seu ambiente ainda selvagem, tomado pelo silêncio, quebrado apenas pelo canto dos pássaros e barulho das ondas, com misteriosas fortificações abandonadas, que pareciam indicar um passado glorioso.O renascimento da Vila de Bertioga - 1920
Mas foi somente com a instalação da “ponte de atracação”, entre 1919 e 1924, pela Companhia Santense de Navegação, que os libaneses João Sabino Abdalla, Miguel Bichir, Elias Nehme, além de João Cesário Bichir, Nestor Pinto Florêncio de Campos e mais tarde Epiphânio Batista (Faninho), dão início a primeira atividade de ocupação urbana ordenada da cidade.
Não estavam ali pela agricultura, pecuária, pesca ou o extrativismo, tal como as fazendas de plantação de banana, mandioca, frutas ou extração de madeira. Não havia a intenção em continuar desenvolvendo atividade rural em Bertioga. É o fim de um ciclo.
João Sabino Abdalla e outras famílias confiaram que Bertioga poderia se tornar uma cidade urbana, com moradias e comércios, com ruas e praças, com ordenamento e planejamento do solo.
Foi a partir dali, da “ponte de atracação”, que Bertioga passou a crescer, as ruas e os bairros foram ocupados, a primeira escola, o primeiro banco, posto de saúde, cinema, padaria, igreja, posto telefônico, casa de materiais de construção, farmácia, açougue. Bertioga começa a virar “cidade”.
A Vila de Bertioga da época de Diego de Braga somente obteve o seu desenvolvimento e efetiva ocupação a partir dos anos 1920.
São as famílias Sabino, Bichir, Nehme, Batista, Pinto, Mazzoni, os que acreditaram em Bertioga como “cidade”. Deixa-se de lado as granjas, fazendas, sítios, ranchos, para ser Bertioga das casas, dos prédios, das lojas, do turismo.
Fundação do Bertioga Futebol Clube - 1920
Foto original do álbum da família Sabino Abdalla. O histórico time de 1947 do Bertioga Futebol Clube. Em pé: Nelson da Prainha, Dito, Mario, Alcides, Zequinha, Maneco Bode, Lourival. Agachados: Vava, Waldemar Abdalla, Elias Albino, Roberto Bichir, Seiad Bichir e o goleiro Loripe, com camisa branca. Foto publicada no Jornal A Tribuna de Santos.
O “Hotel Bertioga” - 1921
Existem raríssimas informações a respeito desse estabelecimento de hospedagem, que teria funcionado em Bertioga entre os anos de 1920 e 1922, anterior a “Pensão Bertioga”, de Germano Besser. Estava localizado em frente à praia, numa distância que levava 15 minutos caminhando a pé, a partir da ponte de atracação. Também era um restaurante e de cozinha alemã “de primeira ordem”. Seu proprietário foi Roberto Muenz.
Anúncio no jornal “A Tribuna de Santos” (1921): Hotel Bertioga e restaurante. Casa alemã. Recomendável aos excursionistas e banhistas. Belíssima praia. Preços módicos. Distante apenas 15 minutos do pontão de desembarque.
Anúncio no jornal “A Tribuna de Santos” (1922): Hotel Bertioga (Via Santos). Praia ideal. Quase sem mosquitos. Bons quartos. Cozinha alemã de primeira ordem Roberto Muenz. Partida do armazém nº 12, Santos.
A “Colônia de Pescadores” - 1921
A “Colônia de Pescadores” de Bertioga está localizada na Avenida Vicente de Carvalho, nº 26, em frente ao Canal de Bertioga.
A “Colônia de Pescadores” é uma associação civil, constituída dos profissionais que atuam com a comercialização de pescados. É uma entidade sindical, que representa os interesses dessa categoria de trabalhadores.
Segundo Luzimar Soares Bernardo, em sua dissertação para a PUC/SP, no período compreendido entre 1919 e 1923, a Marinha do Brasil instituiu mais de 800 colônias de pescadores por todo o litoral brasileiro. De acordo com o divulgado na época por quem comandou a missão de criar essas colônias, Almirante Frederico Villar, o governo preocupava-se com esses trabalhadores que eram, na sua grande maioria, viviam em condições de muita precariedade. Com um plano de normatizar e, também, de nacionalizar a pesca, as colônias foram instituídas. Aqueles que não aceitaram se nacionalizar foram proibidos de exercer, legalmente, a pesca. Aos que se enquadraram no novo modelo de trabalho, foi prometido, dentre outras coisas, escola para os trabalhadores e suas famílias, assistências médicas e odontológicas, além de melhoria das condições de trabalho e doação de insumos pesqueiros para melhorarem suas condições de vida.
Frederico Villar
Dois fatores contribuíram para essa investida do Estado: primeiro, o país começou o século XX importando peixes, apesar de possuir um vasto litoral e uma diversidade de águas interiores; segundo, após a primeira guerra mundial, aumentou o interesse do Estado em defender a costa brasileira.
A “Colônia de Pescadores de Bertioga” fazia parte dessa “missão” de Frederico Villar. O seu nome original é agora resgatado: “Colônia de Pescadores Z-7 Vicente de Carvalho”. Anos depois a Colônia de Pescadores alterou sua denominação para Colônia de Pescadores Z-23. Na região, na década de 1920, foram instaladas várias colônias: Z-1, em Santos, Z-2, na Ilha Barnabé, Z-3, na Bocaina (Vicente de Carvalho), Z-4, em São Vicente, Z-5, em Itanhaém, entre outras.
A história antiga da Colônia de Pescadores Z-7 de Bertioga pode ser dividida em três momentos: a) instituição e inauguração, em 1921; b) doação do terreno para a construção da sede e lançamento da pedra fundamental, em 1923; c) conclusão das obras e cessão para a Escola Municipal, em 1924.
Foi inaugurada no dia 8 de agosto de 1921, em uma casa improvisada, pois somente em 1924 é que teve uma sede própria.
O Almirante Frederico Villar esteve presente na cerimônia de inauguração. Ele, juntamente com familiares e amigos, partiu às oito da manhã do cais da Alfândega em direção à Bertioga, no rebocador “Santos”, gentilmente cedido pela Companhia Docas. Vieram acompanhados da Banda do Corpo Municipal de Bombeiros, que executou várias músicas de seu repertório, durante a linda viagem pelo Canal de Bertioga, tendo como cenário a paisagem primitiva dos manguezais. Ao chegarem na ponte de atracação, foram recebidos com entusiasmo pela população e pelos escolares.
Vicente de Carvalho estava presente na cerimônia. Foi o Almirante Frederico Villar quem propôs a homenagem a Vicente de Carvalho, dando nome a Colônia de Pescadores de Bertioga.
Coube ao próprio homenageado, o ilustre poeta Vicente de Carvalho, proferir o discurso de inauguração da sede da Colônia de Pescadores. O seu discurso levou pronto, por escrito, e apenas leu no dia, o que tornou possível que ficasse guardado para a história, documento do qual tivemos acesso junto a biblioteca da Universidade de São Paulo – USP. Assim discursou Vicente de Carvalho:
Começarei dizendo-vos que agradeço, comovido, a honra aqui prestada ao meu nome. E passo adeante, porque o meu nome é bem pouca cousa, e outro, o do benemérito iniciador do acontecimento que festejamos, deve ser, neste momento, o único de que nos lembremos.
A Colônia de pescadores que hoje se inaugura é mais uma afirmação, modesta mas firme, do sentimento nacionalista em acção; sentimento que, ás vésperas do centenário da nossa Independência, parece empenhado na faina de fazer um Brazil afinal brazileiro, bem brazileiro, apaixonadamente brazileiro.
A nacionalisação da pesca impunha-se, antes de tudo, como necessidade, hoje reconhecida e adoptada pela Lei, da nossa defeza militar. O pescador, que em geral só vemos na humildade do seu officio, tem, e precisa ter, em paiz como o nosso, uma alta funcção. E’ elle como um paciente anatomista que, dia por dia, estuda e sonda, na sua estructura e nas suas freqüentes mudanças, o fundo do mar; e assim conhece, e só ele pôde conhecer, nos pormenores dos seus canaes, das suas enseadas, das suas barras, no perigo oculto dos seus baixíos e na trahição dos seus parceis, a costa, essa costa de centenas de léguas pela qual a nossa terra se abre para o oceano, quer dizer, se expõe ao mundo.
Em caso de guerra, a classe dos pescadores não será apenas um viveiro precioso de bons marinheiros; e sim, com o concurso dos seus barcos, com o seu conhecimento pessoal das intimidades da costa, com a sua bravura tranquilla de homens afeitos á lucta diária com o mar, um guia indispensável e um auxiliar poderoso.
Mas nem só por esse interesse technico se impunha a organisação da pesca. Perdiam-se, dispersos pelas nossas praias, meio milhão de brazileiros, de genuínos brazileiros, até agora abandonados e como esquecidos da protecção que o Estado deve a todos os cidadãos, do amparo que a Pátria deve a todos os seus filhos, curando-lhes da saúde, dando-lhes escolas, congregando-os em cooperativas, regulando o exercício da sua profissão, tirando-os assim da miséria econômica, da miséria física, da miséria intelectual, em que ingrata e ininteligentemente os deixava vegetar.
Tanto se cuida hoje, e com razão, de regular, em beneficio dos trabalhadores da terra, o trabalho. E que outro mais digno desse cuidado, que o dos trabalhadores do mar?
A terra, como um seio de mãe, acolhe o homem; o mar, como um inimigo, resiste-lhe. Aos que lhe dirigem essa prece, que é o trabalho, a terra corresponde com o sorriso das suas flores e o tesouro das suas searas. Aos que o afrontam para sulcar-lhe o dorso instável, para devassar o mysterio dos seus abysmos, para arrancar-lhe as riquezas vivas que cria e esconde, o már, monstro cioso, opõe a fúria desgrenhada das suas ondas, a cegueira das suas cerrações, a força das suas correntezas inconstantes, c- capricho dos ventos que o varrem e como o endoudecem, e, mais do que tudo, o infinito das suas solídões, feitas de ameaças de morte, e onde quem nellas se perde sabe que morrerá sem remédio, mas nem pode prever si, dentre as trez terríveis agonias que o disputam, o tragará a do naufrágio, o devorará a da sede, ou o inanirá a da fome.
A nossa civilisação que, com olhares cada vez mais compassivos, olha para os trabalhadores da terra, e procura melhorar-lhes as condições de vida, e tornal-os mais felizes, deve, com redobrado carinho, volver também os olhos para os humildes trabalhadores do mar, e, cuidando da sorte delles, feita de esforço, de heroísmo e de miséria, procurar tornal-os menos infelizes. Proteger esses filhos desherdados, e sempre promptos a pagar-lhe pontualmente o tributo de seu sangue, é um dever elementar que a nossa terra só agora começa a cumprir.
Mas a organisação da pesca, como está em boa hora sendo executada, é, por outro aspecto ainda, crédora da nossa simpatia e do nosso applauso. Contra disposições de leis desrespeitadas sem repressão, a riqueza dos nossos mares estava sendo destruída, canaes e gamboas das nossas costas estavam sendo damnificados. A regulamentação effectiva da pesca vem salvar das mãos da ganância que pouco se lhe dava disso uma dupla riqueza que faz parte do patrimônio nacional. O nosso litoral é recortado de inúmeros canaes, e chanfrado em numerosas barras que são, ou podem ser, uns e outros, proveitosíssimos. Esses meios de communicação, presentes da natureza, estavam sendo obstruídos, atulhados, desfeitos, pela acção lenta mas incessante de curraes com que, aos milhares, se afrontava impunemente a prohibição antiga e terminante da lei.
O mar das nossas costas é, ou era e precisa tornar a ser, fértil em peixes. Essa fertilidade representa um capital imenso que as redes de malha miúda, ha longos annos prohibidas por lei e até agora empregadas sem castigo, vinham criminosamente destruindo, em proporções cada vez maiores. Todos vós sabeis que, dia e noute, em nossos mares que assim se despovoavam rapidamente, eram sacrificados, com o peixe aproveitável, milhões de outros ainda em estado de criação, e que, arrastados para as praias, alli ficavam a apodrecer e a infectalas.
Agora, tudo isso está acabando. Uma nova éra começa para a pesca no Brazil e para o pescador brazileiro. Uma passa, de destruição estúpida de riquezas, a colaboração intelligente na prosperidade econômica da nossa terra. O outro, de pária, isolado e abandonado na solidão de suas praias, humilhado e desprotegido na sua miséria, se transforma, protegido em todos os seus direitos, disposto, de coração agradecido, ao cumprimento te todos os seus deveres, em cidadão renascido de uma Pátria grande e próspera.
Na execução dessa obra complexa, benemérita e triunfante, está tendo parte pessoal de grande relevo o commandante Villar. Orgam de um Governo clarividente no cumprimento de uma lei de importância capital para a nação, vem elle pondo ao serviço da causa que, por assim dizer personalisa na sua applicação, muito mais do que a simples obediência de um marinheiro, destinado, por profissão, a servir a Pátria, vivendo para ella, ou morrendo por ella. Enfrentando todas as resistências, com um ardor apaixonado, uma dedicação absorvente de toda a sua alma, uma actividade, uma energia, uma tenacidade, uma coragem civica, que não hesito em qualificar de heróicas, está elle ganhando, para vós, pescadores brazileiros, para todos nós, brasileiros que amamos o Brazil, essa causa, já agora triunfante na convicção dos espíritos, na simpatia dos corações, na realidade dos factos.
E essa acção de um dos nossos marinheiros deve orgulhar-nos e enternecer-nos como mais uma das tradições que hão de ficar da nossa marinha de guerra, em cuja historia tantas rebrilham. Como sem querer, olhando para esse feito praticado á sombra da nossa bandeira por um marinheiro em quem tão altamente se afirmam as qualidades da nossa raça mestiça, da raça que fez o Brazil que é e está fazendo o Brazil que ha de ser, penso em Barroso atirando sobre os navios paraguayos a proa de madeira da sua corveta transformada, por um golpe de gênio e de audácia, em aríete; penso em Maurity. fazendo a sua pequena canhoneira passar, sosinha, impávida como si a guiasse um simi-deus e incólume como por milagre, através do chuveiro de balas que sobre ella concentravam os duzentos canhões de Humaytá.
A nossa terra, que tem justo orgulho de ser a de Rondon, deve orgulhar-se também de ser a de Frederico Villar. Um, soldado, absorve-se na tarefa de desbravar sertões e integrar em nossa nacionalidade os últimos rebentos do seu primitivo tronco tupy; o outro, marinheiro, dedica-se á tarefa de conquistar para o Brazil o mar das nossas costas, e integrar na prosperidade brazileira, isto é, na Pátria brazileira, meio milhão de humildes concidadãos nossos até agora abandonados e esquecidos na sua miséria.
Pescadores brazileiros, e todos nós, pescadores ou não, mas brazileiros de nascimento ou de coração, aclamemos aqui, onde ficará gravado para sempre, o nome benemérito de Frederico Villar.
Vicente de Carvalho, o poeta do mar e o cidadão da República.
Na cerimônia do dia 8 de agosto de 1921, foi convidado a discursar o Prof. Delphino Stockler de Lima, Inspetor de Ensino, a quem coube homenagear a “madrinha” da Colônia de Pescadores, Adelaide Carvalho, filha de Vicente de Carvalho.
O terreno para construção da sede da Colônia de Pescadores foi doado por Joaquim Tavares e por sua esposa Maria do Carmo Pinto de Campos Tavares, por escritura pública, em 18 de setembro de 1923. Mas a construção do prédio que abrigaria a sede da Colônia de Pescadores e a escola somente foi possível com o apoio de empresários da época.
Doação lavrada em Cartório no dia 18 de setembro de 1923 e noticiada no dia seguinte nesta publicação do Jornal A Tribuna de Santos.
Foram donatários de valores para construção da sede da Colônia de Pescadores, segundo o Jornal A Tribuna de Santos: Vicente Correa de Mello, Raphael Sampaio e C., Martins Wrigth e C Ltd, Almeida Prado e C., Empresa de Pesca Santos, Luiz Couceiro, C. Mechanica e Importadora S. Paulo, J.C. Mello e C., Bento de Carvalho e C., Silva Ferreira e C., Naumanu Cepp e C. Ltd. Cada um deles contribuiu com cinquenta mil “réis”, contabilizando quinhentos e cinquenta mil “réis”.
O Jornal A Tribuna de Santos de 24/11/1923 noticiava o lançamento da pedra fundamental, a ser realizado no dia seguinte, e os responsáveis por custear a construção do edifício.
O lançamento da “pedra fundamental” do edifício ocorreu no dia 25 de novembro de 1923, ato que aconteceu com grande solenidade, contando com a participação dos alunos orientados pela Professora Marina Leite de Moraes. As crianças cantaram o Hino Nacional e até depositaram uma “urna” (cápsula do tempo) nas fundações do futuro prédio da Colônia de Pescadores.
Em 1923 a Colônia tinha 180 pescadores e 45 armadores matriculados. Na cerimônia, dentre as autoridades presentes, estava José Inácio Hora, que nessa época era Inspetor Policial de Bertioga, tornando-se Professor no ano seguinte. O Presidente da Colônia de Pescadores de Bertioga era Gabriel Bento de Oliveira Filho, que nessa época também era Professor da Escola Municipal do Bairro da Cachoeira, onde morava, nas margens do Canal de Bertioga. O secretário era Eugenio de Araujo Cozo.
O edifício que abrigaria a Colônia de Pescadores e a escola teve suas obras concluídas em 1924.
Somente após o falecimento de Vicente de Carvalho é que a escola também passou a ser denominada de Escola Vicente de Carvalho, por indicação do Legislativo de Santos.
A Colônia de Pescadores desde sua fundação e mesmo antes do prédio ser construído, organizava anualmente a Festa de São Pedro, o santo padroeiro dos pescadores, com guloseimas, bebidas e muita diversão especialmente para a criançada. Para os adultos, tinha até um leilão de prendas.
A sede da Colônia de Pescadores Z-7 Vicente de Carvalho.
No dia 30 de junho de 1924 a Festa de São Pedro ficou por conta de Joaquim Tavares, sua esposa e o filho Aristeu Tavares. Os alunos da Escola Vicente de Carvalho participaram, acompanhados da Professora Mariana Leite de Moraes e, como de costume, cantaram o Hino Nacional. Teve sanduíche, doces e refrescos. Tudo de graça para a comunidade. E à noite, foram distribuídos fogos de artifício e “bombinhas” para a bagunça e alegria de todos.
Escola Isolada Vicente de Carvalho, em foto da década de 1930. No lado direito da imagem está o Professor José Inácio Hora.
José Ermírio de Moraes - 1923
Um dos empresários mais bem sucedidos do país, José Ermírio de Moraes adquire em 1923 o sítio Indaiá, que pertencia a Vicente de Carvalho. José Ermírio de Moraes nasceu em Nazaré da Mata, Pernambuco, em 1900 e faleceu em 1973. Foi o fundador do Grupo Votorantim, além de Ministro da Agricultura no governo João Goulart e Senador pelo Estado de Pernambuco.
José Ermírio de Moraes – fundador do Grupo Votorantim
Como homem de negócios, viu Bertioga como um local de lazer para ele e sua família, mas também acreditou na possibilidade de realizar investimentos imobiliários, apostando em um futuro promissor. A história destaca José Ermírio de Moraes como o grande articulador para a abertura da Estrada Guarujá/Bertioga e a instalação da balsa, além de inúmeras contribuições sociais que ele e sua esposa prestavam à Vila.
Foto do Chevrolet, 1929, “cabeça de cavalo”, com José Rodrigues, José Ermírio de Moraes, um amigo dele, e João Sabino Abdalla, em frente a propriedade do empresário, no Indaiá
Canto do Indaiá em frente a propriedade de José Ermírio de Moraes. Canoas na praia. Foto de 1945, do acervo pessoal de Jamilson Lisboa Sabino.
A casa que foi de Vicente de Carvalho, adquirida por José Ermírio de Moraes. Foto de 1945, do acervo pessoal de Jamilson Lisboa Sabino.
Por muitas décadas, Gonçalves Laurino dos Santos e Maria do Carmo dos Santos, nascidos em Bertioga, foram os governantes, encarregados de administrar a propriedade da família Ermírio de Moraes.
A Escola Municipal “Vicente de Carvalho” – 1924
A Escola Municipal de Bertioga foi instituída em 1906, por lei municipal de Santos. No início, destinava-se exclusivamente ao ensino dos meninos. A partir de 1911 tornou-se uma escola mista, permitindo que as meninas também tivessem acesso ao ensino público. Nessa época, a escola não tinha um local próprio e funcionava em local emprestado por moradores.
Em 1923, Joaquim Tavares e sua esposa Maria do Carmo Pinto de Campos Tavares doam por escritura pública à Colônia de Pescadores o terreno localizado no nº 26, da atual Avenida Vicente de Carvalho. A doação era destinada à construção da sede da Colônia de Pescadores, que também funcionaria como escola para atender aos pescadores associados e moradores locais.
O Jornal A Tribuna de Santos publicou aqueles que foram os responsáveis pelas doações que viabilizaram a construção do prédio da Colônia de Pescadores que serviria também como escola.
No dia 25 de novembro de 1923 ocorreu o lançamento da “pedra fundamental” do edifício. O ato foi feito com muita solenidade, com a presença da diretoria da Colônia de Pescadores e toda a população. Durante a cerimônia, as crianças da escola municipal, acompanhadas da Professora Mariana Leite de Moraes, cantaram o Hino Nacional.
Era um dia histórico para a Vila de Bertioga. Aquele pequeno povoado de pescadores, com alguns comerciantes, começava a ter esperança de que melhorias viriam para tornar mais fácil a vida.
As crianças, orientadas pela Professora, prepararam uma “urna”. Era uma caixa de madeira, com o Jornal A Tribuna de Santos do dia, uma cópia da ata, moedas de prata e níquel, além de cédulas de dinheiro. Nessa época, ainda não tinha esse nome, mas é o que chamamos atualmente de “cápsula do tempo”, ou seja, um recipiente com diversos objetos preparado para ficar armazenado por muitos anos até que seja aberto pelas gerações futuras.
A novo edifício destinado a escola teve suas obras concluídas em 1924.
Os registros históricos mostram que não foi essa a primeira escola de Bertioga. É preciso ir além da memória dos antigos e buscar os registros da época do Brasil Império, assunto abordado em tópicos anteriores.
Escola de Bertioga, localizada no nº 26, da Avenida Vicente de Carvalho
A Escola de Bertioga foi desativada em 1939. Nesta foto de 1940, com crianças da família de João Sabino Abdalla, a escola encontrava-se em ruínas. Posteriormente, foi reformada e serviu como Delegacia de Polícia.
No dia 26 de maio de 1924, a Câmara Municipal de Santos aprovou a indicação subscrita por vários Vereadores para atribuir a Escola Mista de Bertioga o nome de Escola “Vicente de Carvalho”. O Vereador Arnaldo Ferreira Aguiar pronunciou-se, nos seguintes termos:
Sr. Presidente, quero justificar, muito rapidamente, uma indicação que vou ter a honra de enviar à mesa. Trata-se, Sr. presidente, de mais uma homenagem à memória do grande poeta santista, Vicente de Carvalho, a quem não só a Câmara Municipal, como toda a cidade, por seus órgãos mais representativos tem tributado o preito de admiração a que faz jus o nosso ilustre conterrâneo. A indicação é para que seja dado a escola municipal de Bertioga o nome do grande poeta. Naquele lugar, onde ele ia gozar as suas horas de lazer, dedicando-se ao seu esporte predileto, ficará, assim, mais indelevelmente lembrado o seu nome. Indicamos que, em homenagem ao grande santista, Dr. Vicente de Carvalho, seja dada a denominação de “Vicente de Carvalho” à escola municipal de Bertioga. Sala das Sessões, 26 de maio de 1924, Vereadores Arnaldo Ferreira de Aguiar, Dr. Benedito de Moura Ribeiro, Manuel Ribeiro de Azevedo Sodré, J. Carvalhal Filho, J. de Souza Dantas, Belmiro Ribeiro de Moraes e Silva, Benedicto Pinheiro, João Gonçalves Moreira.
No dia 13 de junho de 1937 o Centro de Cultura Paulo Gonçalves prestou homenagem ao poeta Vicente de Carvalho, instalando um retrato dele na Escola Vicente de Carvalho, em Bertioga. Naquela manhã de domingo partiu uma comitiva de Santos: a família de Vicente de Carvalho, o Professor Delphino Stockler de Lima (Inspetor de Ensino, representando o Prefeito de Santos), diretores e associados do Centro de Cultura Paulo Gonçalves, e diversos convidados. Vieram pelo rebocador “Santos”, emprestado por Victor de Lamare. A viúva de Vicente de Carvalho foi convidada a se aproximar e presidir a sessão de inauguração do retrato. Logo após, o presidente do Centro de Cultura Paulo Gonçalves, Durval Ferreira, leu um trecho do poema Luizinha, de Vicente de Carvalho. Não sabemos o trecho que ele leu, mas pode ser este:
É tão pouco o que eu desejo
Mas é tudo o que me falta
Só porque a flor do teu beijo
Pende de rama tão alta.
Ninguém sabe o que-suporta
O mar que chora na areia.
Por essa tristeza morta
Das noutes de lua cheia.
Em baixo o pranto das águas,
Em cima, a lua serena;
E eu, pensando em minhas maguas,
Ouço o mar… e tenho pena.
Ai, minha sina está lida,
Meu destino está traçado:
Amar, amar toda a vida,
Morrer de não ser amado.
Depois da leitura, foi a vez dos alunos fazerem recitais. Por fim, o Centro de Cultura Paulo Gonçalves entregou para cada um dos alunos e aos presentes uma biografia detalhada de Vicente de Carvalho.
Vicente de Carvalho, em retrato de 1902, da Secretaria do Interior do Estado de São Paulo.
Nossa pesquisa não conseguiu confirmar, mas é possível que José Inácio Hora, que até 1924 era “inspetor policial”, tenha assumido, no mesmo ano, a escola no prédio recém-inaugurado pela Colônia de Pescadores. Dados oficiais indicam que em 1939 ele era o professor titular do grupo masculino e Rosalina L. Xavier era a professora titular do grupo feminino. Eram todos professores da rede pública municipal de ensino de Santos.
Essa escola funcionou por aproximadamente doze anos, porque no ano de 1935 já se relatava a impossibilidade de aulas no local. A estrutura do prédio e o telhado estavam deteriorados, colocando em risco a segurança dos estudantes. O então Prefeito de Santos, o urbanista Aristides Bastos Machado esteve na escola e viu as condições precárias da instalação. O assunto ganhou repercussão entre os Vereadores de Santos. Todos estavam conscientes da necessidade de um novo prédio, construído pelo Poder Público, com condições adequadas de servir como escola.
Aristides Bastos Machado (Prefeito de Santos, de 1932 a 1935 e em 1936). É prestigiado também em Santos, por ter iniciado os jardins da Orla da Praia.
O prédio da “Escola Vicente de Carvalho” foi interditado em 1937 pela Inspetora Escolar Professora Alzira Martins Lichti, mas os alunos continuaram a ter aula em outra casa, emprestada por moradores.
Em 1939, a escola passou a funcionar, provisoriamente, em uma outra casa, localizada na esquina da Avenida Vicente de Carvalho com a Rua Irmãos Braga, onde foi instalado o ambulatório da Cruz Vermelha. A escola funcionava em uma de suas salas. Em 1942 a Prefeitura de Santos entrega um novo prédio para a escola, localizado em frente a praia, onde no passado foi o antigo cemitério e hoje é ocupado pela Casa da Cultura.
Professora Alzira Martins Lichti. Inspetora das escolas de Bertioga, em foto de 1938, em Bertioga, em evento no Forte São João, extraída da obra de seu filho, Fernando Martins Lichti, “Poliantéia de Bertioga”.
Alzira Martins Lichti nasceu no dia 7 de setembro de 1894, em Santos/SP. Era filha de Américo Martins dos Santos e de Valentina Guiomar Patusca Martins dos Santos. Foi casada com Armando Lichti, cônsul da Venezuela, em Santos. Formada no Magistério em 1911. Assumiu a função de Auxiliar da Inspetoria da Instrução da Prefeitura de Santos em 1933 (quando começa a frequentar Bertioga) até chegar ao cargo de Inspetora Municipal de Ensino em 1945, aposentando-se no mesmo ano. Faleceu em fevereiro de 1971, em Santos/SP.
Existia também a escola da Enseada de Bertioga (Indaiá), para meninos e meninas, que tinha como Professor Antonio Costa Barros. Essa escola, vinculada ao Município de Santos, precisava ser periodicamente fiscalizada pela Professora Alzira Martins Lichti, Inspetora Escolar do Departamento de Educação de Santos, esposa de Armando Lichti. Segundo o livro “Poliantéia de Bertioga”, escrito pelo filho dela, Fernando Martins Lichti, era o caminhão de João Sabino Abdalla que realizava o transporte da Professora até o Indaiá, ida e volta, nas décadas de 1930 e 1940. Porém, o caminhão nem sempre estava disponível, pois tinha muito serviço, e algumas vezes, para não ficar esperando o caminhão de João Sabino Abdalla, a Professora ia a pé ou de carroça.
A “Pensão Bertioga” - 1922
Logo após o falecimento de sua esposa e com filhos menores de idade, João Basílio dos Santos vende a Chácara dos Jambeiros para Germano Besser.
Por escritura pública lavrada no 3º Tabelião de Santos no dia 5 de dezembro de 1918 Germano Besser adquiriu de João Bazilio dos Santos a área onde estava a Chácara dos Jambeiros, com a história alameda das palmeiras imperiais. Essa transação foi criticada pela imprensa santista da época, porque desconfiavam que o casal de alemães pretendia tomar para si as instalações abandonas do Forte São João.
Germano Besser, e sua esposa Bertha, constroem uma vivenda, destinada a serviços de pensão e alimentação aos visitantes. Era chamada de “Pensão Bertioga”. Tinha finalidade turística e contava com oito quartos, sala, varanda, ampla cozinha, que ficou conhecida pelas peixadas e pelos pães de centeio, feitos pela própria Dona Bertha.
Jornal A Tribunal de Santos, 27 de junho de 1922, noticiando a iminente inauguração da pensão de Germano Besser, citada como Pensão “Paratioca” (Bertioga).
Anúncio no jornal “O Criador Paulista”, publicado em 1928: Queres descansar e restabelecer-se? Vá à Bertioga – Santos, Pensão Bertioga de Germano Besser, optimo tratamento, preços módicos.
Há quem mencione que a “Pensão Bertioga” foi o primeiro estabelecimento de hospedagem da Vila, mas é preciso ressaltar que antes já existiu o “Hotel Bertioga”, entre os anos de 1920 e 1922.
Instalada estrategicamente ao lado do Forte São João, servia para atender a elite paulistana e santista que frequentava Bertioga através de excursões e piqueniques para conhecer as ruínas das fortificações e das capelas, sempre atraindo muito interesse do público, pelo mistério de um passado de esplendor, de conflitos entre portugueses, colonos e indígenas.
Alguns ficavam hospedados, mas o que movimentava mesmo a pensão era o restaurante, pois este servia refeições aos turistas “de um dia”, endinheirados, bem-vestidos e com olhares atentos e curiosos para os poucos moradores da Vila.
O historiador Afonso d’Escragnolle Taunay (filho do Visconde de Taunay), em artigo publicado no ano de 1935, no Jornal do Commercio do Rio de Janeiro, disse que próximo ao Forte São João existia um “hotel” (pensão), do Sr. Germano Besser. De frente para a pensão, um “panorama marinho da mais majestosa amplidão”. De onde era possível olhar para o norte e ver a praia do Indaiá, “cujo nome se prende a memória do poeta ilustre”
O jornalista Joel de Aquino esteve em Bertioga em 1937, e publicou um artigo para a “Revista da Semana”, mencionando que existiam nesta época dois locais de hospedagem: a pensão de um alemão (Pensão Bertioga) e outra de um sírio (a “Pensão Paulista” referindo-se ao libânes Elias Nehme).
Elizabete Bittencourt Abdalla contou que seu pai, Waldemar, falava dessa “vivenda”, que existiu na época da adolescência e juventude dele. Waldemar dizia que era “muito bonita e frequentada por gente elegante que vinha de fora”.
Pensão Bertioga, em foto de 1932.
Pensão Bertioga: o portão de frente para a praia e uma das palmeiras próximas ao Forte São João (1932).
Pensão Bertioga: vista da Praia da Enseada (1932).
Pensão Bertioga: vista da Praia da Enseada (1932).
A casa onde ficava a “Pensão Bertioga”, em foto de 1951.
Germano Besser somente obteve o “aforamento” do terreno em 1937, quando a União deferiu seu pedido.
Porém, o casal Besser foi obrigado a abandonar o negócio. A Segunda Guerra Mundial ocorreu de 1939 até 1945 e envolveu quase todas as nações, que se reuniram em duas alianças opostas, os “Aliados”, do qual fazia parte o Brasil e o “Eixo”, formado por Alemanha, Itália e Japão. Com a declaração do Estado de Guerra em todo o território nacional em 31 de agosto de 1942, os imigrantes de países do Eixo (Alemanha, Itália e Japão) foram obrigados a se mudar para cidades do interior, pois a permanência deles no litoral brasileiro foi proibida, como medida de proteção da costa. Os imigrantes dos países do Eixo eram considerados como inimigos da pátria e passaram a sofrer inúmeras restrições impostas por decretos ou portarias no Governo de Getúlio Vargas, ficando até mesmo proibidos de falar em público seus idiomas.
Desse modo, o casal Bertha e Germano Besser foi embora para São Paulo/SP, em 1942, arrendando sua propriedade para Armando Lichti, que ali instalou a Granja Zilá, funcionando até 1949. Segundo Fernando Martins Lichti, em Poliantéia de Bertioga, a “mansão” do casal Besser era uma “casa magnífica”.
Os herdeiros do casal Bertha e Germano Besser retomaram o negócio, sob o mesmo nome de “Pensão Bertioga”, no ano de 1949, após terem tentado vender sem êxito. O herdeiro Arthur Besser permaneceu na administração do negócio.
Anúncio do jornal “O Estado de São Paulo”, publicado em 1949. No mesmo ano, este anúncio foi publicado também no jornal “Folha de São Paulo.”
Nesta mesma casa, de 1975 até 1993 funcionou o restaurante “Zezé e Duarte”, a título de locação. Depois, o imóvel foi demolido na década de 2000 e desapropriado pela Prefeitura de Bertioga dos herdeiros da família Besser para instalação do Parque dos “Tupiniquins”.
É discutível, mas pode ser que neste mesmo local ficasse o cemitério de soldados, próximo a Capela de São Thiago, que ficava ao lado do Forte (séculos XVI e XVII). É interpretação publicada pela Prefeitura de Bertioga. O IPHAN, entretanto, discorda, em consulta oficial que fizemos a respeito.
A Vila de Bertioga - 1930
A década de 1930 é marcada novamente por uma profunda transformação da Vila de Bertioga, continuando ser impulsionada pelo turismo, nesta época promovido comercialmente e culturalmente em São Paulo pela “Sociedade Amigos de Bertioga”. O Forte São João, assim como o Forte São Luís e a Ermida de Santo Antônio do Guaíbe estavam arruinados. É nesta época que surgem os primeiros estabelecimentos destinados a hospedagem dos excursionistas e visitantes que vinham para piquenique ou passar alguns dias em um paraíso bucólico. Não tinha água encanada e nem energia elétrica, mas as famílias de Miguel Bichir, Elias Nehme, João Sabino Abdalla, Epiphânio Batista (Faninho) e Nestor Pinto Florêncio de Campos consolidavam-se na Vila, com suas famílias e seus negócios.
A antiga e prestigiada Revista Carioca nº 56, publicada em 14 de novembro de 1936, relatava que “Bertioga, na sua quietude atual, era apenas uma expressão do passado. Um “berço intacto dos nossos primeiros dias”, representando “uma relíquia fiel do Brasil primitivo”. Pouco conhecida, Bertioga na década de 1930 era “motivo emocional e suave para os curiosos, um recanto divino e humilde para recreio e descanso”. Em “sua obscuridade, seu abandono, seu silêncio, o desvão praiano ‘cantava’ aos olhos e a alma um hino doce e glorioso de paz e brasilidade”.
Ainda segundo a Revista Carioca, Bertioga, como as cidades do litoral paulista, nesta época só tinham, a “par de sua poesia natural, perfume e vestígios de um passado venerando”. Do seu esplendor guerreiro de antanho, entretanto, havia ainda ali “reminiscências sagradas e formosas”. Bertioga, em “seu abandono glorioso, parece sonhar, em silêncio, ante a imensidão do Atlântico”. A população era pequena, talvez com 800 habitantes. Retalhado em fazendolas e pequenos sítios, seu solo produzia quase que, exclusivamente, bananas. A pesca constituía mais motivo de alimentação do que comércio. A fauna marinha era opulenta. A beleza de suas visões e paisagens empolgava os olhos e o espírito. As figueiras-bravas davam ali uma nota original, em sua abundância pelo terreno arenoso e claro.
Capa da Revista Carioca nº 56, que trazia nas páginas 03 e 04 uma matéria especial sobre Bertioga, ilustrada com fotos do Dr. Ricardo Daunt.
Em 1937, o jornalista Joel de Aquino, para a Revista da Semana, do Rio de Janeiro, visitou Bertioga e escreveu um artigo relatando alguns aspectos da Vila. Para Joel de Aquino, na história da Capitania de São Vicente, Bertioga deve ser lembrada como um dos cenários da luta entre o nativo e o conquistador. Esquecida e abandonada desde séculos, estava reduzida na década de 1930 a uma pequena localidade onde minguam os recursos.
Pouquíssimas vivendas de certo conforto salpicadas na beira da praia, alguns casinholos de taboa e zinco, e muitas palhoças escondidas pelo mato é o que ali se vê hoje.
Joel de Aquino visitou o Forte São João, e lá se deparou com as ruínas do prédio histórico. De Bertioga de outros tempos, os vestígios são os alicerces do Forte São João, tomados pelo matagal, e as paredes de pedra “esverdinhadas de limo”, além de paredes de pau-a-pique largadas aos pedaços. Telhados que parecem canteiros de gramíneas e musgos amparam ruinosas construções de portas e janelas em arco. Mangueiras que não dão mais frutos e troncos que sustentam parasitas e ostentam penduricalhos de “barba de velho” são os restos dos quintais de antigamente. Havia dois coqueiros, altíssimos e veneráveis, dando a impressão de serem marcos ali colocados pela mão dos primitivos povoadores.
Os habitantes de Bertioga são pescadores na sua maioria e vivem humildemente, heroicamente, na sua luta com o mar e com a pobreza. O amarelão assola os seus lares definhando as crianças mal alimentadas e mal-vestidas; e eles sofrem com resignação, porque os medicamentos são caros e porque o Governo não se lembrou ainda de lh’os distribuir gratuitamente por intermédio do seu serviço de Prophylaxia. O estado de penúria daqueles homens não é devido a sua indolência. Não; eles trabalham e fazem esforços para ganhar a vida. Quem viaja pelo canal encontra comumente pequenas embarcações vindas dali em longo e fatigante percurso, para deixar no Mercado de Santos as bananas, palmitos, peixes e até lenha a troco de magros mil réis. O que vemos naquele lugar é um punhado desses brasileiros de existência obscura e sofredora que vivem pelo litoral desprotegido.
Na sua visita à Bertioga, Joel de Aquino descreve que nos meses de junho e julho, muitos fogem para Bertioga, superlotando as duas pensões que lá ainda existem graças a tenacidade de um sírio (possivelmente se referindo a Elias Nehme, que era libanês) e um alemão (também possivelmente se referindo ao casal Bertha e Germano Besser).
Ali, em contato com aqueles praianos de costumes singelos, leais e acolhedores; com aqueles caboclos destemerosos e bons, é que a gente se refaz da vida agitada dos grandes centros e esquece um pouco desse artificialismo requintado dos agrupamentos civilizados.
A orla do Canal de Bertioga no final da década de 1930. Foto da Coleção de Luiz Gonzaga de Azevedo, adquirida pela Fundação Roberto Marinho e doada ao Museu Paulista, da USP. Colorizada por História de Bertioga.
Capa da Revista da Semana, publicada no dia 13 de novembro de 1937, trazendo dentre suas matérias, a visita do jornalista Joel de Aquino em Bertioga.
Rancho de pesca, em 1937, no local onde hoje ficam os jardins da Avenida Vicente de Carvalho. Foto de Joel de Aquino para a Revista da Semana.
Canal de Bertioga com a ponte de atracação ao fundo, em 1937. Foto de Joel de Aquino para a Revista da Semana.
Canoa no Canal de Bertioga, amarrada com cordas na ponte de atracação, em 1937. Foto de Joel de Aquino para a Revista da Semana.
Bertioga era dominada pela vegetação. Não existiam ruas. As casas ficavam no meio do mato, acessíveis apenas através de caminhos de areia e estreitos no meio da mata. A praia era o principal acesso aos sítios mais distantes. Foto de 1937, de Joel de Aquino para a Revista da Semana.
Em 1937, Mário de Andrade esteve em Bertioga vistoriando as ruínas do Forte São João, Forte São Luís e Ermida de Santo Antônio do Guaíbe. Mário de Andrade é um dos mais respeitados autores da literatura brasileira. É ele o autor de “Macunaíma” e “Paulicéia Desvairada”.
Como assistente técnico do Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – SPHAN, Mário elaborou em 1937, com a colaboração de Luiz Saia, Nuto Sant’Ana e do fotógrafo Germano Graeser, um relatório sobre “monumentos arquitetônicos de valor histórico ou artístico” no Estado de São Paulo. Nele, foram listados edifícios considerados dignos de tombamento pelo órgão federal.
Era novembro de 1937 quando desembarcou de uma das lanchas da “Santense”. Ficou três dias em Bertioga. Foram dias de muita chuva. Ao chegar, não encontrou mais quartos nos locais de hospedagem, pois a “Pensão Bertioga” (do casal Besser) e a “Pensão Paulista” (de Elias Nehme) estavam lotadas de “veranistas” como expressou Mário de Andrade.
Segundo ele, a Vila de Bertioga contava com dois veículos automotores. Eram dois caminhões. Um estava a serviço no Indaiá, no transporte de tainhas, era o Chevrolet 1929 de João Sabino Abdalla. O outro era o caminhão de Elias Nehme, que estava com problemas mecânicos.
Não teve jeito, teve que passar a primeira noite em uma casa simples na Vila, sem água, sem energia e sem comida. No dia seguinte o caminhão estava disponível para ele e pode viajar em direção ao Indaiá, onde ficaram hospedados na casa que foi de Vicente de Carvalho, e que na época pertencia a José Ermírio de Moraes. Havia um motivo para isso. O empresário José Ermírio de Moraes era um dos diretores da “Sociedade Amigos de Bertioga” que pleiteava a restauração e preservação do patrimônio histórico local.
Por causa do mal tempo, somente no terceiro dia Mário de Andrade conseguiu fazer a vistoria nas ruínas das fortificações e na capela.
Mário de Andrade. O autor de um dos maiores clássicos da literatura brasileira: “Macunaíma”.
Em 1938, Aristeu Tavares, um dos fundadores do “Bertioga Futebol Clube” e filho único de Joaquim Tavares (falecido em 1929), apresenta a planta oficial do que seria o primeiro projeto de loteamento de Bertioga. Era a Villa Carmen. O nome foi escolhido porque a propriedade foi adquirida em 1918 por Joaquim Tavares da “Irmandade dos Carmelitas Fluminense”. É daí que vem “Carmen”. Aristeu Tavares faleceu em 1939, um ano depois da elaboração do projeto de loteamento, o que resultou em diversas ocupações clandestinas. Por outro lado, quando Joaquim Tavares comprou a propriedade já existiam moradores em suas posses legítimas: Nestor Pinto Florêncio de Campos, João Sabino Abdalla, Elias Nehme, Miguel Bichir, Nestor Pinto Florêncio de Campos e Epiphânio Batista (Faninho).
A existência de um projeto de loteamento era uma novidade na época. A primeira legislação brasileira sobre loteamentos urbanos e rurais foi o Decreto-lei nº 58, de 1937 e um ano depois Aristeu Tavares já apresentava um projeto oficial. A legislação da época não exigia espaços livres ou terrenos destinados a equipamentos públicos comunitários de educação, saúde, lazer e similares, razão pela qual não existem espaços destinados aos serviços públicos, além do que, as ruas, calçadas e lotes foram concebidos demasiadamente pequenos ou estreitos. De qualquer forma, a demarcação de lotes e do sistema viário permitiu um importante planejamento, organização e recomposição urbana da comunidade instalada na Vila de Bertioga. É certo que a Vila Carmen não é a Vila de Bertioga, pois ocupava um espaço menor, mas todos os comerciantes estavam localizados neste trecho e a maioria dos moradores também. Além dali, permaneciam algumas ocupações no entorno do Forte São João.
Foi neste projeto de loteamento que foi atribuída à orla do Canal de Bertioga o nome de “Avenida ‘de’ Vicente de Carvalho”. Pessoalmente, manuseando os arquivos históricos, em processo judicial do qual pedimos o desarquivamento, tivemos acesso a planta original. É a Vila Carmen o primeiro loteamento de Bertioga. Nem tudo previsto na planta foi executado ou demarcado. Mas é possível identificar o nome da Avenida de Vicente de Carvalho, com destaque para o termo “Avenida de Vicente de Carvalho” e não “Avenida Vicente de Carvalho”. Era uma homenagem de Aristeu, a final de contas, o poeta Vicente de Carvalho frequentava o armazém do Joaquim Tavares. Não é só. A Rua Presidente Júlio Prestes, em frente a ponte de atracação, também é mencionada. É possível identificar a Rua João Carvalhal Filho (Presidente da Câmara de Santos e importante personalidade política na década de 1920), que não teve seu nome oficializado. Outros nomes estão inelegíveis. É possível identificar na planta o esboço tracejado da futura Rua Domingos Pires.
Mais tarde, na década de 1940, parte da Vila Carmen é vendida para Cristovam Ferreira de Sá.
A planta da Vila Carmen, elaborada em 1938. No desenho, é possível identificar a ponte de atracação, a Avenida “de” Vicente de Carvalho e a Rua Presidente Júlio Prestes. O primeiro projeto de loteamento de Bertioga. Planta original, oficial e de valor histórico admirável.
Porém, foi somente em 1953 que a Câmara Municipal de Santos, por lei municipal, tornou oficial os nomes “Avenida Vicente de Carvalho” e “Rua Júlio Prestes”.
Próximo a ponte de atracação das lanchas da Santense, naquela que viria a ser a futura Avenida Vicente de Carvalho. Uma imagem rara da Vila de Bertioga em 1935. Foto extraída de Poliantéia de Bertioga, de Fernando Martins Lichti. Foto recuperada pelo site História de Bertioga.
Terras de Gabriel Fernandes Garcez e Miguel Bichir, em frente o Canal de Bertioga. No fundo, é possível ver o Forte São João. Foto de 1935. Poliantéia de Bertioga, Fernando Martins Lichti.
Vista para a praia a partir da Pensão Bertioga, localizada ao lado do Forte São João. Foto da década de 1930. Poliantéia de Bertioga, Fernando Martins Lichti.
Casa de pau-a-pique na Vila de Bertioga, em 1936. Foto do Dr. Ricardo Daut, Diretor do Instituto de Identificação Criminal de São Paulo, publicadas na Revista Carioca nº 56 e recuperadas por “História de Bertioga”, de Jamilson Lisboa Sabino.
Forte São João, em 1936. Foto do Dr. Ricardo Daut, Diretor do Instituto de Identificação Criminal de São Paulo, publicadas na Revista Carioca nº 56 e recuperadas por “História de Bertioga”, de Jamilson Lisboa Sabino.
Forte São João, na década de 1930. Foto arquivada no Museu Paulista (Universidade de São Paulo), que detém seus direitos autorais. Foi cedida oficialmente e autorizada sua reprodução exclusiva para “História de Bertioga”, de Jamilson Lisboa Sabino.
Forte São João, na década de 1930. Foto arquivada no Museu Paulista (Universidade de São Paulo), que detém seus direitos autorais. Foi cedida oficialmente e autorizada sua reprodução exclusiva para “História de Bertioga”, de Jamilson Lisboa Sabino.
Em 1939 Bertioga recebe a visita de um dos intelectuais mais notáveis do Brasil na época: José Carlos de Macedo Soares. Ele nasceu no dia 6 de outubro de 1883 em São Paulo/SP e faleceu no dia 29 de janeiro de 1968 em São Paulo. Era formado em Direito pela Universidade de São Paulo. Ocupou a presidência do Centro Acadêmico. Participou do comitê organizador da Semana de Arte Moderna de 1922. Foi jurista, historiador, interventor federal do Estado de São Paulo e ocupou diversos cargos públicos. Foi ministro da Justiça e de Negócios Interiores de Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek (interino), e ministro das Relações Exteriores de Nereu Ramos. Foi Presidente do IBGE. Foi membro e Presidente da Academia Brasileira de Letras e da Academia Paulista de Letras. Participou da fundação do Rotary Club de São Paulo.
José Carlos de Macedo Soares está no centro da imagem, segurando o chapéu em frente o Forte São João em 1939, quando era Presidente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
José Carlos de Macedo Soares
Distrito de Paz de Santos – 1932
O Decreto nº 5.627, de 8 de agosto de 1932, do Governador do Estado de São Paulo Pedro de Toledo, dividiu o Município de Santos em dois distritos relativos à competência para julgamento dos processos judiciais (primeiro e segundo distrito), e estabeleceu que o “bairro” de Bertioga pertenceria ao segundo distrito.
Revolução Constitucionalista - 1932
A data é 9 de julho, o ano 1932. Um marco na história de São Paulo e do país. A Revolução Constitucionalista representou o inconformismo de São Paulo contra a ditadura do presidente Getúlio Vargas e custou a vida de mais de 800 soldados do lado paulista e cerca de 400 aliados do governo. Uma das principais causas do conflito foi a ruptura da política do “café com leite”, alternância de poder entre as elites de Minas Gerais e São Paulo, que caracterizou a República Velha (1889/1930). Na época, Getúlio Vargas ocupava a presidência da República devido a um golpe contra o presidente eleito Júlio Prestes, representante da política paulista. Com a revolução, em outubro de 1930, Vargas assumiu a presidência e se negou a dividir o poder com os paulistas, nomeando um interventor não paulista para governar o Estado. Além disso, aboliu as instituições, desde o Congresso Nacional até as Câmaras Municipais. Todo o Legislativo e Executivo passaram a ser dirigidos pelo Governo Federal. Vargas rasgou a Constituição Federal. Indignados com a situação, setores da sociedade paulista passaram a promover grandes mobilizações.
O estopim da fase armada do levante foi uma manifestação ocorrida no dia 23 de maio de 1932, na Praça da República, na Capital de São Paulo, onde ficava a sede do governo do interventor nomeado por Vargas. Os manifestantes tentaram invadir o escritório do partido varguista (Partido Popular Paulista). Nesse conflito foram mortos quatro estudantes: Euclydes Bueno Miragaia, Dráusio Marcondes de Souza e Antônio Américo de Camargo Andrade. Um quinto manifestante morreu dias depois no hospital. O movimento ganhou mártires e adotou a sigla MMDC (Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo).
Segundo Zoraide, filha de João Sabino Abdalla, a casa possuía muitos lampiões, mas durante a Revolução Constitucionalista de 1932, havia soldados no Forte São João, e as luzes dos lampiões tinham que ficar apagadas, eles pediam isso. Maricota, esposa de Nestor Pinto Florêncio de Campos, contou que ela tinha entre os clientes da “venda” os militares, que diziam para ela ficar tranquila, pois Bertioga estava protegida.
Foram colocadas quatro minas no Canal de Bertioga pelo movimento. Foram removidas em outubro de 1932, por ordem do Almirante da Marinha Protógenes Guimarães, sem que tenham provocado qualquer acidente à navegação.
A “Pensão Paulista” - 1933
A Pensão Paulista foi aberta em 1933 pelo imigrante libanês Elias Nehme. Ficava na Avenida Tomé de Souza, em frente à praia. Ela tinha um grande galpão, onde eram realizadas as peixadas, inclusive em eventos especiais da Vila, como a inauguração do ambulatório da Cruz Vermelha, em que foi servido um almoço. Também possuía cabines para troca de roupas dos banhistas. Até 1937, a “Pensão Bertioga”, do casal Bertha e Germano Besser, e a “Pensão Paulista”, de Elias Nehme, eram os únicos locais de hospedagem.
Elias Nehme
Comício do Partido Constitucionalista - 1934
No dia 7 de dezembro de 1934 o Grêmio Acadêmico do Partido Constitucionalista realizou um comício em Bertioga. Os componentes da associação saíram de lancha de Santos às dez horas da manhã e chegaram em Bertioga por volta do meio-dia. Várias populares estavam presentes para recebê-los, especialmente o público feminino. A população presente aplaudiu a chegada da comitiva. Foi oferecido à comitiva um almoço na Pensão Paulista, de Elias Nehme.
Fizeram uma rápida excursão pela Vila, para conhecer os “recantos pitorescos” da terra onde viveu o poeta Vicente de Carvalho.
O comício teve início às quatorze horas. Foi realizado na escola, com a presença da Professora Rosalina de Freitas e do seu Diretor Hilário Ribeirão de Freitas.
O acadêmico Carlos Cuquejo Rodrigues saudou o povo de Bertioga e do litoral paulista e convidou Hilário Ribeirão de Freitas para presidir a mesa da sessão. Em seguida, discursaram Hugo Batendieri (que foi um dos fundadores do Centro de Estudantes de Santos, em 1932), Alvize dos Santos Rozo, Armando Guimarães, Vanderley de Freitas Cruz e Carlos Cuquejo Rodrigues.
No encerramento, Rosalina de Freitas e Hilário Ribeirão de Freitas enalteceram o programa do Partido Constitucionalista, elogiando a maneira como as autoridades públicas dirigem o Governo do Estado e o Município de Santos. A sessão terminou às dezessete horas, com o Hino Nacional cantado pelos alunos da escola municipal. Na despedida, os populares deram “vivas” a Armando de Salles Oliveira (Interventor do Estado) e Aristides Bastos Machado (Prefeito de Santos), embora não estivessem presentes.
O Partido Constitucionalista de São Paulo foi um partido político paulista, fundado em 24 de fevereiro de 1934 durante a Revolução de 1932, e foi dissolvido após a instauração do Estado Novo em 2 de dezembro de 1937. Sua fundação, de iniciativa do então interventor de São Paulo, Armando de Salles Oliveira, foi resultado da convergência entre três grupos, o Partido Democrático, a Ação Nacional Republicana e a Federação dos Voluntários. Em sua breve existência, obteve vitórias como a das eleições legislativas de 1934, ao eleger 22 deputados federais e 34 federais, sobrepujando o Partido Republicano Paulista (PRP), a eleição indireta para governador de São Paulo, em que Salles Oliveira derrotou Altino Arantes, do PRP, e as eleições municipais, ao eleger 173 prefeitos e mais de mil vereadores.
Debate na Assembleia Legislativa – 1935
O deputado pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, Dr. Dante Delmanto, em plenário, fez um duro pronunciamento em 24 de maio de 1935, sendo interrompido diversas vezes pelos demais deputados, que não aceitavam as críticas realizadas em função da situação de miséria das populações do interior, em especial de Bertioga, onde os alunos e professores estavam sem um local adequado para estudar. Os alunos não podiam comparecer as aulas diante do lastimável estado em que se encontrava o prédio. Mas Dante Delmanto foi além, e disse que as crianças estavam sem aula por causa de um surto de “amarelão”. Alguns deputados, ao invés de se revoltarem com a situação, defendendo melhorias para a Vila de Bertioga, ficaram indignados do ocorrido ser levado ao debate por Dante Delmanto. É uma doença provocada por vermes no aparelho digestivo. O nome amarelão faz referência à cor amarelada que o indivíduo infectado apresenta. Essa cor é resultado de anemia causada pelo verme parasita ao usar sangue do hospedeiro, que lhe serve de alimento, e ao levá-lo a perder sangue através das feridas que deixa na mucosa intestinal onde o parasita se fixa. Os deputados saíram em defesa de Getúlio Vargas. Um dos deputados disse que não poderia usar esse exemplo “jocoso” de Bertioga para generalizar todas as autoridades como incompetentes.
Dante Delmanto foi eleito o mais jovem deputado, com 28 anos de idade e com a maior votação do Estado. Foi um dos maiores juristas na área criminal do país. Como deputado, defendeu os estudantes de Bertioga na Assembleia Legislativa.
Cemitério de Bertioga - 1935
Nos primórdios da civilização, o primeiro povo que teria habitado Bertioga, os “sambaquieiros” ou “sambaquianos”, eram sepultados nas formações por eles construídas de conchas, areia e estacas de madeira, também usadas para a moradia, os “sambaquis”. Já os povos indígenas da etnia Tupi tinham uma variedade muito grande de métodos de sepultamento: dentro da aldeia ou na periferia dela, em covas ou em vasilhas de cerâmica. O sepultamento em cemitérios foi um costume introduzido pelo europeu a partir do descobrimento do Brasil.
Atualmente, o cemitério está localizado no centro de Bertioga, na Rua da Saudade, próximo a Prefeitura. Este cemitério foi aberto em 1935, por iniciativa da Prefeitura de Santos, pois nesta época Bertioga era qualificada como um “bairro” de Santos, vindo a se tornar Distrito somente em 1944.
Porém, existem interpretações e documentos históricos que informam a existência de dois cemitérios anteriores: a) o cemitério de soldados ao lado da Capela de São Thiago (Forte São João); b) o cemitério instalado no entorno da Capela de São João Batista, em frente à praia.
A Capela de São Thiago era parte integrante do quartel do Forte São João. A existência dessa capela em adoração ao santo é comprovada por documentos oficiais da época de construção do forte. Em 22/12/1555, Fernão Luiz Carapeto era o primeiro padre nomeado para a “Vigaria de Santiago da Britioga” (Capela de São Thiago), ainda em construção nessa época.
Próximo a essa capela é possível defender a teoria de que ali houvesse um terreno destinado aos mortos, um “campo santo”, como eram conhecidos esses locais no entorno dos templos religiosos. Os historiadores clássicos são unânimes em afirmar que Bertioga teve na década de 1540 uma “aldeia”, “cidadela”, “sítio”, com colonos, indígenas e descendentes. Dali em diante, sempre teve alguma gente vivendo na Barra de Bertioga. Também existem diversos relatórios arquivados em bibliotecas e registros públicos em Portugal indicando a presença de soldados no Forte São Thiago (Forte São João). Adler Homero Fonseca de Castro, em “Muralhas de Pedra, Canhões de Bronze, Homens de Ferro” menciona que em 1765 existia 1 sargento e 23 soldados na fortificação. Moradores e soldados, era preciso um lugar para sepultá-los ao fim de suas vidas. Era costume e tradição enterrar os entes queridos o mais próximo possível da casa de Deus. Deveria existir um local destinado às sepulturas e possivelmente ficaria ao lado de uma capela, pois assim era formado um “campo santo”, costume que permaneceu do século IX até o século XVIII. As adjacências da Capela de São Thiago, tudo indica, deveriam ser esse “campo santo”.
A Prefeitura de Bertioga, através de sua Coordenadoria de Cultura, em 1994, revelou para o Jornal A Tribuna de Santos que existiam estudos sobre isso e que este cemitério deveria ficar onde mais tarde foi construída a vivenda do casal Besser (a “Pensão Bertioga”), e depois, na mesma casa, o “Restaurante e Lanchonete Zezé e Duarte”. Consultamos o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN sobre isso, que discorda de tal interpretação e menciona que o único cemitério que existiu foi o que ficava em frente à praia instalado ao redor da Capela de São João Batista.
O antigo cemitério mencionado pelo IPHAN estava localizado onde hoje é a Casa da Cultura e começou a ser formar ali, de modo precário e sem planejamento, alguns anos após a construção da Capela de São João Batista, por volta de 1760. Era destinado aos moradores locais. Em relação a isso, não há controvérsias. Era esse o cemitério da praia, posteriormente destruído por diversas ressacas do mar. Logo, o “campo santo”, ao lado da Capela de São Thiago, cairia em esquecimento.
Fernando Martins Lichti, em sua “Poliantéia de Bertioga”, descreve o cemitério secular do povoado, localizado numa área de aproximadamente 50 metros de frente por 100 metros de fundos, de frente para a praia.
No dia 31 de março de 1904, uma quinta-feira santa, veio passear em Bertioga Constantino de Mesquita. Ele foi subdelegado de Polícia em São Vicente no período imperial e participou de um dos movimentos abolicionistas locais. Ele relatou em um artigo publicado no jornal “O Diário de Santos” sua terrível experiência ao visitar o cemitério. Disse que a terra das sepulturas estava revolvida e as plantas que as adornavam estavam arrancadas, em razão de porcos que eram criados livremente e haviam profanado diversos túmulos. O chão do cemitério era pedregoso, em função dos detritos espalhados das ruínas da antiga Capela de São João Batista. E não eram apenas os moradores locais sepultados ali, pois também vinha gente que morava nas comunidades ribeirinhas do Canal de Bertioga e de outros lugares do litoral norte. Constantino de Mesquita pedia providências por intermédio da Câmara Municipal de Santos, para que oficiasse a Prefeitura para cercar o cemitério com arame, destacar um servidor público para atuar como zelador e até mesmo instalar um novo cemitério.
No Jornal “Folha da Manhã”, de 23 de janeiro de 1926, o jornalista Benedicto Ribeiro fala sobre sua visita à Bertioga, destacando o “velho cemitério”, escondido no meio da vegetação, com a “natureza fulgurante e sempre renovada”, afastava a ideia da morte ou do que se foi.
O cemitério da Vila de Bertioga ganhou destaque pelos relatos de sua destruição entre 1926 e 1934, pelos efeitos do mar. As datas e os relatos deixam claro que após a primeira grande ressaca, vieram novas marés altas, que já eram suficientes para provocar novos danos ao cemitério. A imprensa paulista noticiou horrorizada a situação do cemitério de Bertioga. O evento realmente existiu e impressionou os moradores da época, que contaram isso para as gerações seguintes. Elizabete Bittencourt Abdalla conta que seu pai, Waldemar, com cerca de onze anos na época, viu os caixões boiando.
Para Fernando Martins Lichti foi em 1926 que uma forte ressaca destruiu todo o cemitério, arrancando as campas, que eram rasas, e removendo ossos e caixões. Essa ressaca teria durado por volta de três meses, deixando espalhado pela praia diversos ossos humanos, alguns parcialmente enterrados na areia. Mesmo quinze anos depois eram encontrados ossos humanos na areia da praia. O que foi possível recuperar foi levado para o novo cemitério, que ocupa o mesmo local até hoje.
Acontece que, revisitando o noticiário da época, agora é possível revelar que foram vários eventos de marés altas que destruíram a necrópole, tal como noticiava-se. Ao menos houve uma grande ressaca, talvez em 1926, seguida, anualmente, por constantes marés altas que continuavam destruindo o cemitério e removendo túmulos, cadáveres e ossadas.
Mesmo após a grande ressaca e as marés altas, os moradores continuaram realizando sepultamentos naquele local, pois não havia outro. Bárbara Rosa dos Santos, esposa de João Basílio dos Santos (dono da Chácara dos Jambeiros), faleceu em 19 de junho de 1931 e foi sepultada no “cemitério da praia”, conforme noticiou o Gazeta Popular em 22 de junho de 1931. Ela havia deixado três filhos menores, Daniel, Judith e Benedicta, o que casou “profunda tristeza no círculo de relações” e “numeroso acompanhamento” do enterro.
Em 3 de outubro de 1934 o “Correio Paulistano” disse que “a situação chegou a tal ponto que alguns moradores das proximidades do cemitério viram-se na contingência de mudar de residência, impressionados pelo espetáculo macabro que contemplavam e pelo efeito do mau cheiro reinante no local, por terem ficados espalhados, por diversos lugares, restos humanos ainda em decomposição, arrastados das sepultaras pela violência da correnteza”. A água do mar invadia o cemitério na maré alta e quando vinham as vazantes, arrastavam plantas, cruzes, escavavam sepultaras, desmoronavam barrancos, colocando expostos restos humanos, levando caixões para o mar. E essa mesma maré alta também avançava em outros pontos da Vila e da orla do Canal de Bertioga, mas o Forte São João e o quartel não foram atingidos.
Aos moradores da Bertioga foi dado assistir um espetáculo tétrico. As águas levaram para o seio do oceano diversos corpos e com eles alguns caixões fúnebres. Vários moradores, embarcados em canoas, ainda tentaram recolher os despojos humanos, mas restou inútil tão estafante trabalho, devido a agitação do mar.
Em outubro de 1934, o “Correio Paulistano”, pela sucursal de Santos, enviou um jornalista até Bertioga para descrever o que acontecia, já que chegavam relatos aterrorizantes em São Paulo. E verificou que só restavam meia dúzia de sepulturas, pois todo o resto o mar já tinha levado, foram várias ressacas ao longo dos anos. E aí foi entrevistado Hilário Ribeirão de Freitas, encarregado da Prefeitura de Santos para tomar conta do cemitério e da antiga escola. Era um moço, mas era a pessoa mais importante para falar sobre o assunto. Ele substituiu seu pai, que desde a década de 1910 era zelador do cemitério, Francisco Ribeirão de Freitas, falecido em 1931. Contou, que uma mulher que recentemente foi enterrada, pediu para que as joias fossem com ela, para o túmulo. As joias foram achadas na praia. O jornalista do “Correio Paulistano” presenciou ossos e crânios espalhados no meio do mato, nos cantos do cemitério, e disse que saiu junto com Hilário recolhendo esses despojos. O zelador do cemitério estava consternado, não tinha o que ele fazer. A solução era um novo cemitério, em outro local. Ele tomava conta da escola também, que estava em ruínas nessa época. Era o administrador/zelador do cemitério destruído e o diretor da escola em ruínas.
Joel de Aquino, em 1937, em artigo publicado para a “Revista da Semana”, citava que o “velho cemitério que existia ao lado do Forte São João foi destruído por uma ressaca”, alertando que isso também poderia ocorrer no monumento quinhentista, o Forte São João, se continuasse no esquecimento.
A Revista “A Voz do Mar”, em 1938, citava que “ainda muito recentemente, por ocasião de ressaca que invadiu a belíssima praia de Bertioga” o cemitério foi atingido, com a remoção do solo.
Disse Fernando Martins Lichti, que o velho cemitério possuía um pórtico de alvenaria, formado por duas colunas e um portão de ferro, com um pequeno cercado. Dentro dele permaneciam alguns vestígios das ruínas da Capela de São João Batista. A capela é mais antiga do que o cemitério, que se formou no entorno da Capela, como um “campo santo”.
As ruínas da Capela de São João Batista, tomada pelo mato, e algumas sepulturas, com cruzes, em volta dela.
As ruínas da Capela de São João Batista, apoiadas por uma árvore que cresceu ao lado. O cemitério se formou a partir da Capela
O velho cemitério de Bertioga, em 1905. Esta foto mostra as ruínas da antiga Capela de São João Batista, coberta por troncos de árvores entranhados em suas paredes. As sepulturas eram instaladas em volta dessa capela, ali formando um “campo santo”. Foto da Coleção de Luiz Gonzaga de Azevedo, adquirida pela Fundação Roberto Marinho e doada ao Museu Paulista, da USP. Colorizada por História de Bertioga.
É a mesma foto acima, ampliada. Nesta foto, Luiz Gonzaga de Azevedo, que estava em visita à Bertioga. Ao seu lado, uma cruz, identificando um dos locais de sepultura. Ao fundo, é possível ver a praia.
Essa capela histórica foi erguida em função do Vigário de Santos, João da Rocha Moreira, ter deixado por “testamento” que fosse ela construída em homenagem a São João Batista. Teve a sua primeira missa celebrada em 1740. No entanto, foi destruída em 1769 por uma grande ressaca. O que restava dessas ruínas foi removido ou demolido pela Prefeitura de Santos para a construção do prédio definitivo da escola, entre 1940 e 1942.
No dia 13 de junho de 1935, uma quinta-feira, foi inaugurado o novo cemitério, no mesmo local dos dias atuais. Aristides Bastos Machado, com a autoridade de ser deputado e ex-Prefeito de Santos (tinha deixado o cargo em abril de 1935), conseguiu que imediatamente fosse disponibilizado um terreno para o cemitério. A cerimônia de inauguração contou com a presença do Frei Odorico Durieux, Vigário Geral da Paróquia de Santo Antônio do Valongo que benzeu a nova necrópole (cemitério). Como de costume, o Diretor de Ensino de Santos e inspetor, Prof. Delphino Stockler de Lima, também estava presente representando o Prefeito de Santos. O cemitério foi instalado à 700 metros do anterior, de modo que as enchentes jamais o atingissem. Os despojos que estavam no cemitério da praia foram recolhidos e sepultados no novo cemitério (cerca de seis sepulturas e diversas ossadas recolhidas e não identificadas).
Frei Odorico Durieux, nasceu em 1908 e faleceu em 1997. Quando benzeu o cemitério de Bertioga, atuava como missionário na Diocese de Santos, na função de “Vigário Geral da Paróquia de Santo Antônio do Valongo”, e tinha apenas 27 anos. É prestigiado em Blumenau/SC, onde lecionou por mais de 40 anos no Colégio Santo Antônio
Em 1935 assume como administrador do Cemitério de Bertioga Sebastião Corrêa dos Santos.
Escola de São Lourenço - 1936
A Escola da Praia de São Lourenço foi uma das grandes conquistas de Luiz Pereira de Campos para a comunidade local. Disse o Prof. Antônio de Oliveira Passos Sobrinho, em artigo publicado em 1946, que Luiz Pereira de Campos tomou para si o encargo de ir às autoridades competentes, levando ao conhecimento delas os anseios da população, patrocinando uma das mais belas causas que possam merecer a atenção dos dirigentes do país: a educação.
A primeira professora foi Oriete Bueno Duarte, tornando-se, depois, a responsável pela administração da escola, que era estadual e dedicada a atender meninos e meninas.
Foi inaugurada no dia 02 de agosto de 1936 com a presença do Diretor Regional de Ensino, Prof. Luiz Damasco Pena. Recebeu o nome de “Escola Mixta Estadual da Praia de São Lourenço”.
Revista Brasilidade. Ano de 1946. Artigo do Prof. Antônio de Oliveira Passos Sobrinho.
Visita oficial do Prefeito de Santos - 1937
Jornal “Gazeta Popular”, em 23 de julho de 1937, coloca em manchete a visita do Prefeito de Santos.
A interdição da escola e o prédio provisório - 1937
Em 1937 a casa que abrigava a escola no nº 26, da Avenida Vicente de Carvalho, foi vetada pela Inspetora Escolar. O prédio estava em ruínas e foi interditado.
A Escola de Bertioga foi desativada em 1939. Nesta foto de 1940, com crianças da família de João Sabino Abdalla, a escola encontrava-se em ruínas. Posteriormente, foi reformada e serviu como Delegacia de Polícia.
Entre 1937 e 1939, pela total ausência de informações, a teoria possível é que a escola funcionou em alguma casa ou barracão emprestado por um dos moradores locais.
Segundo Fernando Martins Lichti, no livro “Poliantéia de Bertioga”, a escola passou a funcionar provisoriamente, a partir de 1939, em uma pequena casa alugada de Norberto Luiz na Avenida Vicente de Carvalho, na esquina da Rua Irmãos Braga. Em entrevista ao jornal “Costa Norte”, Jamile Bichir disse que esse prédio ficava onde hoje é a Sorveteria Rocha. No mesmo local a Cruz Vermelha Brasileira instalou o primeiro posto de enfermagem da Vila.
Em 1940 atuavam como Professoras as educadoras Hildegarda Passos e Celia de Azevedo Corrêa.
A Professora Hidelgarda Passos (Botelho) se formou em 1936 e se aposentou em 1964. Ela sempre residiu em Santos, e vinha até Bertioga todos os dias pelas lanchas da Santense, em um curto período, no início da década de 1940, quando ela tinha 24 anos. Deu aula depois no Grupo Escolar Martins Fontes (UME Martins Fontes). Ela se aposentou como Professora do Grupo Escolar Cidade de Santos (UME Cidade de Santos). Era filha do Professor Antônio de Oliveira Passos Sobrinho e de Francilina Soares Novais Passos. Casada com Francisco Cassiano Botelho, tiveram os filhos: Francisco e Antonio. Ela nasceu em 1916 e faleceu em 2008, em Santos/SP, com 92 anos. Foto da Revista Brasilidade de 1947.
Inauguração do prédio provisório da escola e do posto médico e de enfermagem (ambulatório) em 1939. De vestido preto e chapéu, com a bolsa debaixo do braço, está a Inspetora Escolar Professora Alzira Martins Lichti. O Diretor de Ensino de Santos, Professor Delphino Stockler de Lima, está à direita da Professora Alzira, de terno preto e com as mãos para trás. O Prefeito de Santos, Cyro de Athayde Carneiro, à esquerda da Professora Alzira, está no centro da foto, de terno preto, camisa branca.
Fundação da Sociedade Amigos de Bertioga - 1937
A iniciativa de fundar a Sociedade Amigos de Bertioga foi do médico Francisco Quartim Barbosa. A finalidade da associação era promover assistência social aos moradores de Bertioga, através de atendimento médico e medidas preventivas de saneamento, bem como a promoção cultural de Bertioga na capital paulista, para a realização de excursões até a Vila, onde os visitantes poderiam conhecer as ruínas históricas do Forte São João, Forte São Luís, Armação das Baleias e Ermida de Santo Antônio do Guaíbe.
A reunião que aprovou o seu estatuto social e a diretoria foi realizada no dia 15 de novembro de 1937. Francisco Quartim Barbosa era seu presidente, mas além dele compunham a diretoria: José Maria D’Avilla, Paulo Lima Castro, Antonio Andrade de Souza Junior, Carlos Antonio Alvares da Silva, Dario do Nascimento Moura. Já o conselho deliberativo era presidido por José Ermírio de Moraes, Antonio Martins Teixeira, Tito Livio Ferreira, José Masano. Os membros eram: Alvaro Carvalhares, Névio Barbosa, Raphael Costábile, Joaquim da Silva Prado, Christovam de Andrade, Manuel da Costa e Silva, Achiles Guimarães, Dante de Paiva Carvalho, Pedro Hermínio de Freitas, Pedro de Souza e Mario Barbosa. A sede da associação foi instalada na Praça da Sé, nº 83, sala 7, na capital paulista.
Mas a Sociedade Amigos de Bertioga, no que diz respeito à organização de atividades recreativas, tinha concorrentes na capital. Bertioga durante muitas décadas, pelas excursões e piqueniques atraiu clubes sociais da elite paulista e já mostrava qual seria a sua vocação: o turismo. Em 1940 e 1941 o Club Touring do Brasil promoveu várias excursões à Bertioga.
Em 1941 o Clube Piratininga de São Paulo também divulgou e organizou diversos passeios até a Vila de Bertioga. O lendário lugarejo, com suas ruínas e praias selvagens era um roteiro encantador.
No dia 2 de janeiro de 1937 a Sociedade Amigos de Bertioga inaugurou os seus serviços de assistência social, de turismo e de proteção aos monumentos históricos da Vila de Bertioga. Mais de 500 pessoas compareceram à cerimônia inaugural, que teve início com uma missa campal ao lado do Forte São João, com a presença do Bispo de Santos, e depois houve uma sessão cívico-histórica.
Como uma das principais atividades da Sociedade Amigos de Bertioga era promover excursões, passeios e piqueniques na Vila de Bertioga, ela passou a disponibilizar uma embarcação exclusiva, que saia do Porto de Santos, antigo atracadouro da “Pana’r”, às nove horas da manhã, retornando às cinco horas da tarde, para que houvesse tempo de pegar o trem que seguiria de Santos até a Capital.
Tratada como um lugar lindo e pitoresco, a Sociedade Amigos de Bertioga procurou reerguer a história de Bertioga, para torná-la um ponto de reunião de veranistas. Era lema da associação: “sanidade, solidariedade e brasilidade”. Havia uma atenção muito especial a ser dada aos serviços de saneamento, que se apresentava como um grande problema para a comunidade.