Ermida de Santo Antônio do Guaíbe
A Ermida de Santo Antônio do Guaíbe é uma pequena capela construída no século XVI, por volta do ano de 1557, no extremo norte de Guarujá, junto ao Canal de Bertioga, e foi uma das primeiras igrejas do Brasil, frequentada pelos padres jesuítas José de Anchieta (São José de Anchieta) e Manoel da Nóbrega, tendo como sua principal função a realização de missas voltadas a catequização dos nativos.
Ermida de Santo Antônio do Guaíbe.
Disse José de Anchieta, “e aqui estamos, às vezes, mais de vinte dos nossos, numa barraquinha de caniço e barro, coberta de palha, é isto a escola, a enfermaria, o dormitório, o refeitório, a cozinha, a despensa, sirvo de médico e barbeiro”.
A catequização era uma doutrina da Igreja Católica desenvolvida pela “Companhia de Jesus”, ordem fundada em 1534, destinada, dentre outras finalidades, à evangelização dos povos indígenas, segundo as concepções do Cristianismo. Foi uma ação patrocinada pela Coroa Portuguesa, que viu na catequização um negócio importante para atingir seus interesses econômicos no Brasil, pois através da doutrina cristã, os nativos ficavam pacíficos, e eram convencidos a colocar fim aos conflitos por território com os colonos portugueses. Segundo o historiador Eduardo Bueno, os jesuítas, em troca do catequismo, esperavam trabalho organizado e metódico em suas plantações. Para o historiador Boris Fausto, o objetivo dos jesuítas era transformar os indígenas, por meio do ensino, em “bons cristãos”, reunindo-os em pequenos povoados e aldeias. Ser um “bom cristão” significava também adquirir os hábitos de trabalho dos europeus. A catequização promoveu o aniquilamento da cultura dos povos indígenas, suas tradições, costumes, idioma, cultos, danças, hábitos, para dar lugar a cultura do europeu. Por outro lado, essa doutrina salvou muitos indígenas da escravização pura e simples ou da morte em conflitos.
José de Anchieta e a catequização indígena.
Embora esteja localizada na Ilha de Santo Amaro (Guarujá) essa capela tem profundas ligações com a história da Vila de Bertioga. Foi construída na mesma época do Forte São Thiago (Forte São João) e do Forte São Felipe (Forte São Luís) e por ali passaram os jesuítas José de Anchieta e Manoel da Nóbrega, grandes personagens do início da colonização brasileira.
Construção da Ermida de Santo Antônio do Guaíbe
Durante muitos séculos era chamada de Capela de Santo Antônio. Somente em meados da década de 1940, especialmente pelos trabalhos de limpeza desenvolvidos voluntariamente por Armando Lichti é que passa a ser denominada em algumas publicações como Ermida de Santo Antônio do Guaíbe. Segundo a historiadora Wilma Terezinha de Andrade, a grafia correta é Guaíbe, e não Guaibê.
Foi construída por José Adorno. Era um nobre genovês (Itália), que veio com seus irmãos junto com a esquadra de Martim Afonso de Souza em 1531 para instalar a indústria açucareira no Brasil. Logo tornou-se o homem mais rico da Vila de São Vicente e contribuía com as diversas demandas da população. Havia também grande interesse na pacificação dos conflitos indígenas para expansão dos negócios e a Capela destinada a catequização contribuía com esse propósito.
É feita de pedras e argamassa de óleo de baleia, e, talvez, de sambaqui, mas é preciso que a Universidade de São Paulo, através do Museu Paulista, realize estudos arqueológicos no local.
Ermida de Santo Antônio do Guaíbe.
Milagre das luzes
Conforme consta nos registros históricos, o Padre José de Anchieta presenciou o Milagre das Luzes, ocorrido na Ermida de Santo Antônio do Guaíbe, entre os anos de 1569 e 1578.
Existem várias versões desse evento, que podemos resumir dizendo que o Padre José de Anchieta frequentava essa região na tentativa de estabelecer a paz entre as tribos indígenas e os portugueses.
O padre José de Anchieta estava hospedado no Forte São Thiago (Forte São João), e resolve passar a noite rezando no oratório da Ermida. Foi levado de barco e lá permaneceu às escuras, até que raios de luzes surgiram, que não vinham das velas, pois estavam apagadas, mas do interior da Ermida, radiando para todos os lados e para fora de suas aberturas. Os encarregados do Forte São Thiago (Forte São João), em Bertioga, presenciaram o evento. Era José de Anchieta que rezava na Ermida, toda iluminada, acompanhado do canto de anjos celestiais. O milagre das luzes tem mais de quatrocentos anos e está documentado pelo Vaticano, em relatos da época.
Em respeito e adoração a esse milagre, a Paróquia de São João costumava realizar no Dia de Santo Antônio a iluminação da Ermida e a instalação de um anjo no morro.
Reforma da Ermida de Santo Antônio do Guaíbe
Na mesma época em que as fortificações de São João e São Luís foram reformadas, a Ermida passou por uma reforma. Acontece que em 1766, o governador Luiz Antônio de Souza Botelho e Mourão, o Morgado de Mateus, ordenou o embargo das obras da Capela de Santo Antônio do Guaíbe “por ser em prejuízo da Fazenda de S. Majestade”. No final do século XVIII, as obras foram reiniciadas e concluídas pelo administrador da Armação das Baleias, Francisco José da Fonseca.
Com a instalação da Armação das Baleias na segunda metade do século XVIII, a Ermida de Santo Antônio do Guaíbe passou a fazer parte do conjunto de edificações que compunham a indústria de beneficiamento de baleias. Existem ruínas de pedras no entorno da Capela que, possivelmente, sejam os reservatórios do óleo de baleia e faziam parte do conjunto de instalações úteis para a indústria baleeira. É por essa razão que a Capela ela foi reformada com recursos dos administradores da Armação das Baleias.
Consta de registros oficiais que a Capela foi de propriedade dos Padres Jesuítas. Depois, foi vendida para o General Dom Luiz Mascarenhas e, finalmente, para o Capitão Ignácio Antônio de Mesquita, que a colocou à venda em 1809. Mais tarde, com a Lei nº 650, de 1850 (Lei das Terras Devolutas), o terreno onde está situada a Capela tornou-se bem de domínio público da União.
São necessários estudos arqueológicos sérios e eficientes, realizados por um comitê de estudiosos, comprometidos com a população da Prainha Branca e as famílias católicas da Vila de Bertioga, tornando público todas as ações que precisam ser feitas nesse local histórico, para alcançarmos a mais precisa verdade. Sabemos que ela foi reformada no século XVIII, mas é importante descobrir a dimensão dessa reforma e quais são as partes originais da época dos irmãos Adorno, dos anos 1560 (século XVI). Deve a Universidade de São Paulo – USP, através do Museu Paulista, encampar esses estudos.
Mapa que fez parte dos documentos que instruíram o processo de tombamento da Ermida de Santo Antônio do Guaíbe (CONDEPHAAT). O sítio arqueológico é constituído de algumas estruturas numeradas no mapa acima: 1. Pátio. 2. Capela. 3. Caixa d’água. 4. Casa. O local ainda era composto por muros, calçadas, escadarias, tanques, pois muitas dessas construções eram destinadas aos serviços da Armação das Baleias.
As condições atuais da Ermida
Em ruínas, em meio a uma densa vegetação, é perceptível a sua técnica construtiva, em alvenaria de pedra e argamassa, muito comum às construções do litoral brasileiro.
Paredes da Ermida, vista interna.
Detalhe para o porto de pedras alinhadas em frente a Ermida, que também faz parte do conjunto tombado pelo IPHAN.
Essas pedras foram alinhadas para servir como uma espécie de porto. Foto de 1989, juntada ao processo de tombamento (CONDEPHAAT).
Existem algumas ruínas no entorno da Ermida, cobertas por vegetação, que possivelmente faziam parte da Armação das Baleias. Fonte: CONDEPHAAT.
Interior da Ermida
Algumas estruturas ao lado da Ermida pertenciam ao conjunto de instalações da Armação das Baleias de Bertioga, tal como essas escadarias laterais.
Ermida, em ruínas, pela inexistência de conservação de uma das primeiras igrejas do país.
Paredes da Ermida, vandalizadas com inscrições.
A Ermida, abandonada, em rápido processo de deterioração. Imagem frontal. Foto da Prefeitura do Guarujá.
Paredes de pedra e óleo de baleia: alvenaria em pedra argamassada.
Paredes de pedra e óleo de baleia: alvenaria em pedra argamassada.
Imagem frontal da Ermida de Santo Antônio do Guaíbe, a partir do Canal de Bertioga. Foto do Jornal “A Estância do Guarujá”.
Vista frontal da Ermida. Foto de 1976 (CONDEPHAAT).
Vista para a nave (ala central) e a capela-mor ou altar-mor, onde ficava o altar e o coro.
Vista lateral da Ermida. As paredes são de “alvenaria de pedra argamassada”. Foto e informações extraídas, parcialmente, do livro “Ruínas Paulistas”, publicado pela Secretaria de Cultura do Governo do Estado de São Paulo, tendo como autores Renata Sunega, Marcos Tognon e Marcelo Gaudio Augusto.
Vista lateral da Ermida. Foto de 1976 (CONDEPHAAT).
Parede lateral da Ermida, com vista para o Canal de Bertioga. Foto de 1989, juntada ao processo de tombamento (CONDEPHAAT).
Paredes internas da Ermida de Santo Antônio do Guaíbe.
Escadaria lateral da Ermida de Santo Antônio do Guaíbe. Sobre essa escadaria ficava o cruzeiro de pedra, hoje no acervo do Museu Paulista.
Imagem frontal da Ermida de Santo Antônio do Guaíbe, coberta pela vegetação.
Entablamento: conjunto de molduras usadas para ornamentar a parte superior das fachadas. Foto e informações extraídas, parcialmente, do livro “Ruínas Paulistas”, publicado pela Secretaria de Cultura do Governo do Estado de São Paulo, tendo como autores Renata Sunega, Marcos Tognon e Marcelo Gaudio Augusto.
Arco Cruzeiro: intersecção entre o transepto e a nave central da capela. Foto e informações extraídas, parcialmente, do livro “Ruínas Paulistas”, publicado pela Secretaria de Cultura do Governo do Estado de São Paulo, tendo como autores Renata Sunega, Marcos Tognon e Marcelo Gaudio Augusto.
Beira-seveira: acabamento da parede, que servia para apoiar as telhas em suas bordas. Foto e informações extraídas, parcialmente, do livro “Ruínas Paulistas”, publicado pela Secretaria de Cultura do Governo do Estado de São Paulo, tendo como autores Renata Sunega, Marcos Tognon e Marcelo Gaudio Augusto.
Pódio escalonado: escadaria encostada na parede externa, que dá acesso ao coro (localizado no altar-mor, destinado aos cantores). Foto e informações extraídas, parcialmente, do livro “Ruínas Paulistas”, publicado pela Secretaria de Cultura do Governo do Estado de São Paulo, tendo como autores Renata Sunega, Marcos Tognon e Marcelo Gaudio Augusto.
A capela encontra-se em ruínas desde quando foi desativada a Armação das Baleias, na primeira metade do século XIX, por volta das décadas de 1810/1820. Já são mais de duzentos anos de abandono.
Desde sua reforma no século XVIII, nunca foi restaurada. A vegetação e os vândalos, destroem um dos maiores patrimônios da região, com quase quinhentos anos.
Historicamente, a única coisa que os poderes públicos fizeram foi limpar algumas raríssimas vezes a vegetação, sem as devidas cautelas e acompanhamento de profissionais de arqueologia.
Expedição de Mario de Andrade
Em 1937, o poeta Mario de Andrade conheceu a Ermida de Santo Antônio do Guaíbe. Mario de Andrade era um grande entusiasta, pesquisador e profundo colaborador do patrimônio histórico brasileiro. Nesta época, Mario de Andrade foi convidado para redigir o anteprojeto de lei que deu origem ao “Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional”, atual IPHAN. Por isso, em carta ao primeiro diretor Rodrigo Melo Franco de Andrade descreve ter encontrado ruínas do que ele pensou ser o Convento de São João: “são cem metros quadrados de morro trabalhado em pedra, tudo construção de pedra, e provavelmente mesmo, as aparelhadas vindas de Portugal”.
Mario de Andrade
Tombamento
O processo de tombamento da Ermida de Santo Antônio do Guaíbe foi requerido em 4 de junho de 1976 ao CONDEPAAT (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico), pela Presidente do “Instituto Histórico e Geográfico Guarujá-Bertioga”, Lucia Piza Figueira de Mello Falkenberg. Um dos motivos apresentados era o risco iminente de ser instalado no local um empreendimento náutico, colocando fim a um dos maiores patrimônios culturais do país.
Após a instrução do processo com inúmeros documentos e pareceres técnicos, foi aprovado e declarado o tombamento da Ermida de Santo Antônio do Guaíbe pela Resolução de 09 de dezembro de 1977, da Secretaria de Estado da Cultura, Ciência e Tecnologia.
Resolução de 9 de dezembro de 1977, declarando tombada a Ermida de Santo Antônio do Guaíbe.
Cruzeiro de Pedra
Após mais de um ano de muita pesquisa junto a Universidade de São Paulo – USP, conseguimos descobrir o destino do cruzeiro talhado em pedra que ficava na Ermida de Santo Antônio do Guaíbe. Ele está no Museu Paulista (Museu do Ipiranga), em São Paulo. Foi entregue a título de doação em 1931, por iniciativa do alemão Germano Besser, que junto com sua esposa Dona Bertha, eram os proprietários da Pensão Bertioga, que ficava ao lado do Forte São João. Germano Besser estava preocupado com o vandalismo que já ocorria na época, diante das frequentes excursões e piqueniques realizados no local e, por intermédio do Deputado Estadual Paulo Duarte obteve a transferência da peça para o Museu Paulista.
Raríssima foto da década de 1930 da Ermida de Santo Antônio do Guaíbe com o cruzeiro de pedra, no alto de uma das escadarias, do lado de fora da capela. Foto publicada no Jornal A Tribuna de Santos em 1971.
Ermida de Santo Antônio do Guaíbe. Detalhe para o cruzeiro de pedra, que se encontra no Museu Paulista, em São Paulo. O cruzeiro era uma estrutura móvel e, por isso, era mudado eventualmente de posição.
Quando o cruzeiro de pedra foi retirado, foi deixado no local um outro cruzeiro, de metal, mas que pela ação do tempo e dos vândalos, foi deteriorado. Essa foto é de 1989 e faz parte do processo de tombamento (CONDEPHAAT).
O cruzeiro de pedra da Ermida de Santo Antônio do Guaíbe em exposição no Museu Paulista. Ele foi submetido a um processo de restauração. Existe um problema na pedra inferior, que serve como alicerce. Ela é insuficiente para mantê-lo de pé. Por esse motivo, quando exposto, é preciso ser apoiado em uma estrutura para não correr o risco de tombar. Quando ficava originalmente na Ermida, é possível ver nas fotos anteriores que era usada uma argamassa para estabilizá-lo na pedra de alicerce.