Emancipação - 1991

A emancipação político-administrativa é um processo legislativo no qual o Distrito é desmembrado de seu Município-sede, tornando-se um novo Município, através de um plebiscito organizado pela Justiça Eleitoral onde a população é consultada a responder “sim” ou “não” pelo desmembramento.  

Segundo o texto original do artigo 18, §4º, da Constituição Federal, que estava em vigor na época do processo emancipacionista, “a criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios preservarão a continuidade e a unidade histórico-cultural do ambiente urbano, far-se-ão por lei estadual, obedecidos os requisitos previstos em Lei Complementar estadual, e dependerão de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações diretamente interessadas”. A redação atual, todavia, exige que o plebiscito seja submetido “às populações dos Municípios envolvidos, após divulgação dos Estudos de Viabilidade Municipal”.

A Lei Complementar Estadual nº 651/1990 regulamenta o desmembramento de Municípios no Estado de São Paulo. Estabelece essa lei que o processo de criação de Município terá início mediante representação assinada, no mínimo, por cem eleitores domiciliados na área que se deseja emancipar, encaminhada a um Deputado Estadual ou diretamente à Mesa da Assembleia Legislativa. Ainda segundo essa lei estadual, a consulta plebiscitária será realizada apenas “na área a ser emancipada.”

A primeira iniciativa de emancipação político-administrativa de Bertioga foi realizada em 1958, através de um plebiscito onde a população foi consultada e decidiu permanecer como Distrito de Santos.

Em 1982 surgiu um novo movimento emancipacionista, por iniciativa do industrial Paulo Reis e dos comerciantes José Flavio Romero Gomes e Antonio Augusto Pacheco Ferreira de Sá. Esse grupo resolveu tomar a iniciativa de colocar em discussão os ideais de autonomia em relação ao Município-sede (Santos). Eles conseguiram mais de cem assinaturas, em apenas um dia e meio, em um abaixo-assinado pedindo a autonomia político-administrativa de Bertioga.

Eram críticos à gestão do Administrador Regional, Luiz Carlos Rachid, especialmente pela omissão quanto ao lançamento de esgoto “in natura” nas praias e o tráfego caótico na Rua João Ramalho. Em relação ao orçamento, criticavam o fato de Santos ter investido no Distrito apenas 30% do arrecadado em Bertioga no ano anterior (1981).

A partir do que escreveu Fernando Martins Lichti, em seu livro “Poliantéia de Bertioga”, esse grupo foi formado em uma reunião no Flavio’s Restaurante, que ficava ao lado da Colônia de Férias do SESC, onde também estavam presentes Adilson Pires, José Toledo, Licurgo Mazzoni, José Flavio Romero Gomes, Ney Moura Nehme, Antonio Augusto Pacheco Ferreira de Sá, Oswaldo Biel, Fioravante de Maria, Pérsio Dias Pinto. Mas não foi criada uma associação civil ou estabelecida qualquer forma de organização ou coordenação dos trabalhos.

Segundo entrevista conjunta concedida por Paulo Reis, Flavio Romero e Ferreira de Sá ao jornal “A Tribuna de Santos” no dia 3 de fevereiro de 1982, eles lançariam um impresso em formato de jornal, periódico, chamado de “Notícias de Bertioga”.

O grande destaque desse movimento era José Flavio Romero Gomes, com 36 anos em 1982. Em entrevista ao jornal “A Tribuna de Santos” negou que fosse um dos mandantes da violência pela posse da terra no Sítio Itapanhaú, do qual foi acusado na época, por moradores. Romero, admitiu diversas vezes que pretendia se candidatar ao cargo de Prefeito de Bertioga para trazer o progresso à população. Mesmo sendo dono de uma imobiliária, disse não ter interesse particular algum na emancipação. Romero recebeu duras críticas na Câmara Municipal de Santos, em especial do vereador Eduardo Castilho.

Autoridades santistas questionaram os verdadeiros interesses por traz desse abaixo-assinado. O ex-Prefeito de Santos, Manoel de Carvalho, acusou o grupo de querer a emancipação de Bertioga para alterar a legislação urbanística, permitindo o parcelamento do solo em lotes pequenos, com um maior aproveitamento do solo pelos proprietários de imóveis.

Ainda em 1982, o Prefeito de Santos, Paulo Gomes Barbosa, destacou que a cidade de Santos não tinha competência constitucional para emancipar o Distrito. De nada adiantaria entregar um abaixo-assinado na Prefeitura de Santos se não competia a ela decidir sobre esse desmembramento.

Em 1983, Antonio Augusto Ferreira de Sá se afasta do movimento, em carta aberta, publicada no jornal “A Tribuna de Santos”.

Romero pretendia fundar uma associação civil, responsável por organizar o movimento emancipacionista. Porém, no 26 de setembro de 1984, Romero foi brutalmente assassinado em sua residência, com dois tiros na cabeça, e o seu corpo foi levado e abandonado próximo a ponte do Rio Itapanhaú, ao lado da Rodovia Rio-Santos, onde propositalmente o incendiaram.  O crime não foi motivado pela atuação política dele em prol da emancipação.

No início do governo do Prefeito de Santos, Oswaldo Justo, associações civis de Bertioga pleitearam que o Distrito tivesse autonomia para escolher o seu Administrador Regional, de preferência alguém que morasse e com vínculos familiares com o local.

Em junho de 1984, houve a mobilização de um grupo de jovens, liderados por Silvio Magalhaes, Orestes do Amparo Filho e Renato Faustino de Oliveira Filho, com o propósito que fosse realizada uma eleição para que a comunidade local escolhesse o seu Administrador Regional, ao invés de ser indicado por ato unilateral do Prefeito de Santos. Eram citados nomes como Licurgo Mazzoni, Fioravante de Maria e Luiz Carlos Rachid para o cargo.

Oswaldo Justo pretendia nomear Licurgo Mazzoni como Administrador Regional de Bertioga. Anunciou isso oficialmente antes de tomar posse no cargo de Prefeito de Santos, mas a legislação santista exigia que o cargo de Administrador Regional fosse ocupado por uma pessoa com diploma em nível superior. Era um requisito do Anexo IV, da Lei nº 3.915/1974. O jornal “Cidade de Santos”, de 8 de julho de 1984, publicava uma nota de “bastidores” afirmando que o nome de Licurgo Mazzoni estava certo, mas como o cargo exigia nível superior, seria escolhido um outro nome da localidade. Em 10 de julho de 1984, o Prefeito Oswaldo Justo disse em entrevista ao mesmo jornal: “vou nomear Licurgo Mazzoni como subprefeito, pois é um homem de respeito, acatado, limpo”. No mesmo dia, em entrevista ao jornal “A Tribuna de Santos”, afirmou que iria mudar a lei. Em 12 de julho, para o jornal “Cidade de Santos”, Oswaldo Justo confirmou que iria alterar a legislação, por considerá-la absurda, mas sofreu forte oposição na Câmara Municipal de Santos, que recusava o nome de Licurgo Mazzoni por considerar que ele tinha ligações com um partido de oposição. O ponto de discórdia era que Licurgo Mazzoni teria laços com o PDS (Partido Democrático Social), de Paulo Maluf, e seria uma pessoa de confiança do Vereador Fernando Oliva, do PDC (Partido Democrata Cristão). O PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro), que elegeu Oswaldo Justo, resistia ao nome de Licurgo Mazzoni, embora considerassem desproporcional a exigência de nível superior para o cargo de Administrador Regional de Bertioga. Oswaldo Justo falou ao jornal “A Tribuna de Santos”, de 25 de julho de 1984: “eu disse que ia nomear um cidadão residente em Bertioga, que conheça todos os problemas de lá; esse compromisso eu vou cumprir e não aceito pressões, mesmo porque fui o candidato mais votado do distrito; estão dizendo que ele trabalhou para o PDS, mais isso não é verdade; o Licurgo foi meu cabo eleitoral em Bertioga; além disso, ele satisfaz os requisitos previstos no compromisso que assumi antes da eleição; mora em Bertioga e conhece os problemas”. Porém, nesse contexto político, Oswaldo Justo não teve escolha e fez um acordo com os vereadores do PMDB, optando por nomear como Administrador Regional o arquiteto José Mauro Dedemo Orlandini, que estava há apenas cinco anos em Bertioga e não votava no distrito.

Em 18 de agosto de 1984 houve uma reunião no Restaurante Zezé e Duarte, com a presença dos vereadores santistas Telma de Souza e Alcindo Gonçalves, para discutir as propostas de dar início a um processo de desmembramento de Santos. Essas reuniões passaram a ser frequentes.

No dia 13 de fevereiro de 1985 um novo grupo de empresários cria o “Movimento de Autonomia e Emancipação de Bertioga”. Segundo consta da ata de fundação, tinha como membros: Licurgo Mazzoni (Presidente), Jeronimo de Souza Lobato (1ª Vice-Presidente), Antonio Duarte (2º Vice-Presidente), Pérsio Dias Pinto (1º Tesoureiro), Abelardo Araujo Barros (2º Tesoureiro), Eunice Olsen Lobato (1ª Secretária), Irene Vaz de Pinto Lyra (2ª Secretária).

Na primeira reunião do movimento, realizada em 12 de março de 1985, vários moradores de Bertioga se fizeram presentes. Esse “movimento” também recebeu o nome de “Comissão pró-Emancipação”. Era coordenada por Rubens Puccetti. No dia 9 de abril de 1985 esse grupo se encontrou no Palácio dos Bandeirantes, em São Paulo,
com o Governador Franco Montoro. O encontro foi possível em razão do apoio do Vice- Governador, Orestes Quércia. O Secretário de Governo, Luiz Carlos Bresser Pereira, presente no encontro, disse que acreditava que Bertioga já era um Município, ficando surpreso que ainda fosse distrito de Santos. O movimento emancipacionista ganhou o apoio do Governador e de sua equipe. Entre os deputados estaduais que trabalharam pela autonomia de Bertioga estava Florivaldo Leandrine. Em entrevista ao jornal “O Estado de São Paulo”, no mesmo dia do encontro com o Governador, Licurgo Mazzoni mostrava-se otimista, diante da filosofia descentralizadora de Franco Montoro.

Entre os anos de 1986 e 1987, esse grupo se desarticulou por causa do prazo para pleitear a emancipação, que precisava ser até dois anos antes das eleições. Apenas continuaram ativas em seu trabalho quatro lideranças: Eunice Lobato, Jerônimo de Souza Lobato, Licurgo Mazzoni e Pérsio Dias Pinto.

Eunicie e Jeronimo Lobato, em entrevista ao jornal “Cidade de Santos”, em 1986, sobre o movimento emancipacionista.

Bertioga começava a se organizar politicamente. No dia 9 de março de 1986 é fundada a Associação Comercial, Industrial e Pesqueira de Bertioga, entidade cujo propósito era que representasse os empresários locais em questões comerciais e políticas.

O deputado estadual pela Assembleia Legislativa de São Paulo, Mauricio Najar, apresentou em 1987 um ofício ao Presidente da Assembleia com a reivindicação dos moradores de Bertioga pela propositura de um projeto de lei destinado a aprovar a realização de um plebiscito para emancipação. Esse processo legislativo deu origem ao projeto de resolução nº 08.

Pedido protocolado em 1987 na Assembleia Legislativa pelo Deputado Estadual Mauricio Najar. Os anexos contêm as cem assinaturas de moradores necessárias para instauração do procedimento.
 

O Tribunal Regional Eleitoral, até agosto de 1989, não tinha apresentado qualquer parecer acerca do projeto de lei do deputado estadual Mauricio Najar, mas o Cartório da 272ª Zona Eleitoral anunciou que se houvesse parecer favorável do Tribunal Regional Eleitoral, estaria preparado para rapidamente realizar o plebiscito. No dia 31 de agosto de 1989, o então deputado estadual Rubens Lara, advogado e Professor da UNISANTOS, publicou artigo no jornal “A Tribuna de Santos” fazendo algumas ponderações sobre os motivos do movimento emancipacionista:

(…)
Entendemos que a emancipação do Distrito é irreversível, mas adiável. Por hora, entretanto, não vemos condições estruturais para que Bertioga se constitua como Município, desde as dificuldades para formar uma Câmara de Vereadores e os vários departamentos de uma Prefeitura, até os problemas para organizar e aparelhar serviços essenciais como transporte, abastecimento, coleta de lixo e outros. Será difícil, também, controlar a especulação imobiliária, que poderá levar o recém-nascido Município litorâneo à destruição de seus mais preciosos atrativos: as brancas praias, que parecem não ter fim, e que o turismo desorganizado já começa a afetar. Basta olhar a orla santista para imaginar um paredão semelhante isolando as praias de Bertioga e criando uma “muralha de egoístas”, que tantas consequências nefastas acarreta ao clima e à paisagem. Esses argumentos não são artifícios para esconder preocupações meramente bairristas, mas é obvio que também pensamos nos prejuízos que Santos sofreria. Afinal, se perder Bertioga, para onde Santos vai crescer? Como retomar os planos da expansão, tão cuidadosamente acalentados ao longo dos últimos anos? Onde instalar as anunciadas indústrias não poluentes e todos os demais projetos feitos sob medida para o Distrito? Ao mesmo tempo, é preciso reconhecer que Bertioga tem razão de reclamar: não pode permanecer para sempre a espera das poucas migalhas que lhe são atribuídas pelas administrações municipais. Os prefeitos têm preocupação mais imediata, mais próximas, como os morros e a zona noroeste, mas isso não justifica a adoção do ditado “o que os olhos não veem, o coração não sente” – ou seja, deixar Bertioga de lado, ano após ano. Caso contrário, Santos logo receberá a resposta dura, irreversível e merecida, na forma do “sim” ao plebiscito.

(…)
A distância, a falta de uma ligação terrestre e a precária visão política e administrativa dos governantes acabaram criando um abismo entre Bertioga e a sede – que parece tornar-se instransponível a partir de agora. A população, cansada do ostracismo a que sempre se viu relegada, vê a emancipação como única alternativa de desenvolvimento, mas há quem esteja participando do movimento separatista guiado apenas por interesses particulares – e esse detalhe não pode ser ignorado. O destino de Santos – continente e ilha – merece mais que soluções apressadas e oportunistas.

Havia uma grande tensão política. O que antes eram apenas boatos e reuniões em restaurantes, tornava-se agora um procedimento jurídico-administrativo que poderia resultar na separação de Santos e Bertioga.

Em maio de 1989 foi formada a Frente Jovem pela autonomia de Bertioga, com trinta filiados. Os principais idealizadores foram Luiz Antônio Batista Simões e Maurício Miki Borges, ligados ao diretório distrital do PT. Já existiam outros comitês destinados a promover a emancipação de Bertioga, mas a Frente Jovem conseguia esclarecer, com maior facilidade e em uma linguagem mais simples e compreensível as vantagens em tornar Bertioga livre de Santos. O objetivo era informar a população e promover debates sobre o assunto. Embora o nome mencionasse a palavra “jovem”, o movimento era aberto a todos que desejassem participar.

No dia 13 de setembro de 1989 o vereador santista Marcus de Rossis publicou um artigo no jornal “A Tribuna de Santos” com críticas à emancipação de Bertioga, alegando que Santos precisava de Bertioga para garantir seu futuro, pois era a maior faixa territorial dos limites santistas:

(…)
Para nós, essa ideia “libertária” é inoportuna e ao mesmo tempo pretenciosa, porque, no estado em que hoje se encontra Bertioga tem mais características de um terreno abandonado do que de um reduto pronto para virar Município. É aquele distrito, isto sim, uma terra-de-ninguém, à mercê dos especuladores imobiliários e grileiros. O espaço construído e o comercio, pequeno, já se compõem como ameaças a uma estruturação urbana futura. Aí entra a nossa preocupação com a ecologia do lugar; com a manutenção das áreas verdes que forma um verdadeiro santuário; contra os excessos e a falta de fiscalização da administração pública em trechos habitados ou não.

(…)
Bertioga não tem um comércio em condições de manter com o pagamento de impostos e tributos uma cidade inteira. Não há indústrias para o desenvolvimento econômico-social imediato, nem atividade agrícola ou qualquer outra que absorva a mão de obra local. Não existem meios orçamentários para a formação e estruturação dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, tampouco para instalação dos básicos órgãos dos serviços públicos. E, principalmente, não há possibilidade de um planejamento urbanístico, capaz de absorver a defesa do patrimônio natural, que para nós constitui uma prioridade.

(…)
O povo santista, no geral, deve opinar no plebiscito proposto para decidir o destino de Bertioga, e não apenas uma ínfima parcela.

O Procurador Regional Eleitoral, Antônio Carlos Mendes, proferiu parecer favorável à emancipação político-administrativa, através de um plebiscito, com a participação somente dos moradores do Distrito. A solução colocava nas mãos de cerca de 4.500 eleitores de Bertioga decidir sobre o seu destino, enquanto Santos tinha mais de 280.000 eleitores. Os santistas queriam também participar dessa votação. O parecer foi submetido ao Tribunal Regional Eleitoral.

A Câmara Municipal de Santos formou uma “Comissão Especial de Vereadores” que acompanhava a questão relativa à emancipação e diante do parecer do Procurador Regional Eleitoral propôs que fossem tomadas medidas judiciais para garantir a participação da população santista nesse plebiscito. A Constituição Federal estabelecia no artigo 18, §4º, que o plebiscito seria com a participação das “populações diretamente afetadas”. Existia o entendimento que Santos seria afetada com a separação de Bertioga, sob os aspectos econômicos e sociais.

Na manhã do dia 15 de setembro de 1989, no Paço Municipal de Santos, em uma audiência entre a Prefeita Telma de Souza e a Comissão Especial de Vereadores, ficou acertado que Prefeitura e Câmara trabalhariam juntas contra a emancipação de Bertioga. Telma alegou que havia um projeto para anexar Bertioga à Mogi das Cruzes, que o Distrito não possuía infraestrutura e que a Prefeitura de Santos estava proporcionando uma série de melhorias, dentre as quais um hospital. Participaram dessa reunião com Telma de Souza, os vereadores Beto Mansur (presidente da Comissão), Suely Maia e Adelino Rodrigues. Há necessidade de uma ação conjunta para combater a tese dos “autonomistas”, disse Adelino Rodrigues ao jornal “A Tribuna de Santos”.

O Secretário de Assuntos Jurídicos de Santos, Sérgio Sérvulo da Cunha informou que começaria agir logo que o Tribunal Regional Eleitoral marcasse a data do plebiscito.
Bertioga não recebia a atenção adequada da Prefeitura santista, motivo pelo qual vinha acumulando diversos problemas com o avanço de empreendimentos imobiliários e construções desordenadas.

Bertioga sofreu uma grande retaliação de Santos. No dia 19 de setembro de 1989 foi promulgada pela Prefeita Telma de Souza a Lei nº 607, que diminuía o território de Bertioga e aumentava o de Santos, estabelecendo como limite entre os dois, o Rio Itapanhaú. Essa lei foi declarada alguns anos depois inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.

Em 21 de setembro de 1989 o Tribunal Regional Eleitoral aprovou a realização do plebiscito de Bertioga, sem definir uma data específica.

Divergindo da Prefeita de Santos, Telma de Souza, o Administrador Regional de Bertioga, Renato Faustino de Oliveira Filho, declara, publicamente, que é a favor da emancipação, ressaltando que esta era a vontade da população. No dia 12 de outubro de 1989 o Tribunal Regional Eleitoral marcou a data do plebiscito: 5 de novembro de 1989. O Juiz Eleitoral disse que a 272ª Zona estava pronta. Seriam 12 seções, distribuídas entre as escolas Armando Belegarde e William Aurelli.

Através da Resolução nº 27, de 18 de outubro de 1989, o Tribunal Regional Eleitoral fixou as regras para a realização de plebiscitos em 18 distritos de Municípios, entre eles, o de Bertioga. Teve início a propaganda, realizada através de carros ou caminhões com autofalantes e panfletagem.

Propaganda na Avenida Vicente de Carvalho

No dia 27 de outubro de 1989 o Tribunal Superior Eleitoral concedeu liminar no Mandado de Segurança impetrado pela Prefeitura de Santos, suspendendo o plebiscito. A decisão foi do Ministro Octávio Gallotti. O principal argumento de Santos no recurso foi a preservação da unidade e da continuidade histórico-cultural do ambiente urbano, tal como previsto no artigo 18, §4º, da Constituição Federal.

A “Comissão Pró-Emancipação” realizou um protesto em Bertioga, na histórica Avenida Vicente de Carvalho, promovendo o enterro simbólico da Prefeita Telma de Souza, pois coube a ela a decisão de impetrar o Mandado de Segurança contra a decisão do Tribunal Regional Eleitoral. O movimento pela emancipação prometeu que ingressaria com um “agravo”, medida judicial, recorrendo ao plenário do Tribunal Superior Eleitoral.

Em 31 de outubro de 1989, ao apreciar o “agravo”, o Ministro Octávio Gallotti, não reconsiderou sua decisão anterior e manteve a suspensão do plebiscito em Bertioga.

Licurgo Mazzoni, presidente da Comissão, não desanimou e disse que, “julgado o mérito, a nova data pode ser marcada ainda para esse ano”.

A Prefeitura de Santos começou a distribuir panfletos em Bertioga, contrários a emancipação e apresentando os motivos pelos quais Bertioga deveria se manter como distrito de Santos. A Prefeita Telma de Souza argumentava que pela primeira vez na história Bertioga receberia em investimentos mais do que arrecadava, atendendo a antiga reivindicação.

O clima em Bertioga era de profunda indignação com Telma de Souza. Chegou a ser cogitada a realização de uma consulta popular informal, um plebiscito simbólico no dia 5 de novembro de 1989, mas logo a própria “Comissão Pró-Emancipação”, por meio de Licurgo Mazzoni, refutou que isso fosse realizado, mesmo como protesto.

O jornal “A Tribuna de Santos” fez uma pesquisa em Bertioga, com 256 entrevistados, entre os dias 01 e 10 de novembro de 1989, e obteve como resultado 93% apoiando a emancipação, 5,8% contra e 0,78% de indecisos.

No dia 15 de novembro de 1989 foram realizadas as primeiras eleições presidenciais após a redemocratização, mas o que dominava o cenário nos colégios eleitorais de Bertioga eram os comentários sobre a suspensão do plebiscito, que era visto pela população como a única solução contra o abandono de Bertioga pela Prefeitura santista.

Eunice Lobato, em entrevista ao jornal “A Tribuna de Santos”, no dia 6 de dezembro de 1989 disse que os ânimos estavam tensos em Bertioga, e alguns populares já tinham até ameaçado fechar a Rio-Santos. Segundo Eunice Lobato, “no tempo do Oswaldo Justo, a Telma vinha constantemente, às quartas-feiras, em Bertioga, e dava apoio na luta pela emancipação”. Eunice se referia aos encontros realizados algumas vezes no Restaurante Zezé e Duarte, com o movimento emancipacionista, na época em que Telma de Souza era vereadora. Completa Eunice Lobato, “ela chegou a entregar documentos da Assembleia Legislativa para nos auxiliar na separação; agora, gasta dinheiro público para contratar advogado para impedir a mesma emancipação. Age como cobra de duas cabeças. Ela traiu Bertioga, por isso essa revolta”. Apreciando o processo judicial, a Procuradoria Geral Eleitoral deu parecer contrário à emancipação de Bertioga. O parecer foi elaborado pelo Subprocurador Geral, Geraldo Brindeiro, com aprovação do Procurador Geral Eleitoral, Aristóteles Junqueira Alvarenga.

Espalharam uma “fake news”, não se sabe a autoria, no dia 6 de fevereiro de 1990, dizendo que o Tribunal Superior Eleitoral revogou a liminar que suspendia a realização do plebiscito. Boato que foi posteriormente negado, inclusive com nota pública oficial da Prefeitura de Santos.

No dia 20 de março de 1990 o Tribunal Superior Eleitoral julgou o Mandado de Segurança favoravelmente a Prefeitura de Santos. Em 31 de julho de 1990 é promulgada a Lei Complementar Estadual nº 651, dispondo sobre a criação, fusão, incorporação e desmembramento de Municípios. Pelos requisitos e procedimento nela estabelecidos, tornou-se mais fácil Bertioga conseguir o sonho almejado de separação de Santos.
Diante destas circunstâncias, a opção foi tentar que a Assembleia Legislativa desse prosseguimento ao processo legislativo instaurado a partir do ofício apresentado em 1987 pelo Deputado Maurício Najar.

Assim, no dia 25 de setembro de 1990 a “Comissão de Assuntos Municipais” da Assembleia Legislativa de São Paulo aprovou o processo referente a autonomia político-administrativa de Bertioga, com a apresentação do Projeto de Resolução nº 8.
No dia 13 de novembro de 1990, o “Plenário” da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo aprovou a realização do plebiscito em Bertioga. Estava aprovado o Projeto de Resolução nº 8. A votação foi unânime. A partir da deliberação do plenário, a Mesa Diretora da Assembleia Legislativa promulgou a Resolução nº 679, de 21 de novembro de 1990, para aprovar “a solicitação ao Tribunal Regional Eleitoral para a realização do plebiscito referente à emancipação no Distrito de Bertioga, pertencente ao Município de Santos”.

 
Resolução nº 679/1990, da ALESP, que aprovou a solicitação ao Tribunal Regional Eleitoral de um plebiscito para Bertioga decidir sobre sua emancipação de Santos.

Na mesma sessão, foram aprovados os processos de mais cinco municípios: Bela Floresta (pertencente a Pereira Barreto), Alumínio (Mairinque), Pedrinhas Paulista
(Cruzália), Araçariguama (São Roque), São Lourenço (Itapecerica da Serra). O projeto de resolução foi encaminhado ao Tribunal Regional Eleitoral para decidir a data de realização da consulta popular, o plebiscito.

Durante esse período, a Câmara Municipal de Santos, na tentativa em vão de se aproximar da população, realizou algumas sessões em Bertioga, no auditório da Colônia de Férias do SESC. A intenção inicial era que fossem realizadas na Riviera de São Lourenço, mas diante das inúmeras críticas, foram realizadas no SESC. O artigo 24, §2º, da Lei Orgânica de Santos havia tornado obrigatória uma sessão por mês em Bertioga.


Em março de 1991 o Tribunal Regional Eleitoral agendou o plebiscito para o dia 19 de maio daquele ano. E, tal como ocorreu antes, a propaganda logo teve início, com distribuição de panfletos, carros de som e muros pintados com mensagens pró-emancipacionistas.

 

Logotipo usado na campanha do SIM.

Era muito comum a distribuição de bottons e pequenos adesivos redondos com o símbolo da emancipação. Dos brindes de campanha mais disputados estava a camiseta branca, também com o símbolo da emancipação.

 

Lacração das urnas

No ensolarado e histórico dia 19 de maio de 1991, foi realizado o segundo plebiscito em que se reivindicava a emancipação político-administrativa. Os locais de votação foram as escolas Armando Belegarde e William Aurelli. A votação nessa época era por cédulas de papel.

Os eleitores que desejassem podiam retirar junto a comissão emancipadora um certificado simbólico confirmando que votou no “sim”.

A apuração foi realizada em Bertioga, na antiga sede da Guarda Municipal. Teve início às 17:35, terminando às 18:30, sob a supervisão do Juiz Eleitoral Paulo Mondadore Florence. Votaram 3.925 eleitores. Foram 179 votos pelo “não” e 3.698 votos pelo “sim”. Votaram em branco 21 e anularam o voto 27.

 

Apuração. Foto do Jornal Costa Norte

No dia 21 de novembro de 1991 a Comissão de Assuntos Municipais da Assembleia Legislativa deu parecer favorável ao resultado da eleição.
Através da Lei nº 7.664, de 30 de dezembro de 1991 foi oficialmente criado o Município de Bertioga.

 

A Lei nº 7.664, de 30 de dezembro de 1991, em seu artigo 1º, inciso VI, cria o Município de Bertioga e estabelece o seu limite territorial. A lei foi publicada no mesmo dia de sua promulgação, na Assessoria de Técnica Legislativa do Palácio dos Bandeirantes.

No dia 3 de outubro de 1992 Bertioga elegeu o seu primeiro Prefeito, José Mauro Dedemo Orlandini, natural de Batatais, cidade do interior de São Paulo. A sua vitória somente foi possível pelo apoio do candidato a vereador Lairton Gomes Goulart. A eleição foi realizada com inúmeras irregularidades na transferência de títulos de eleitores e na apuração dos votos. Foi eleito na mesma chapa como Vice-Prefeito Natanel Giraud Filho, o “Baiaco”.
O resultado foi o seguinte: Mauro Orlandini (2.370 votos), Luiz Carlos Rachid (2.312 votos), Artur Richter (975 votos), Renato Faustino (668 votos), Pérsio Dias Pinto (354 votos) e Magrão do Bambinos (35 votos).
Foram eleitos para compor a primeira legislatura da Câmara Municipal de Bertioga os Vereadores: Lairton Gomes Goulart (490 votos), Sérgio Pastori (280 votos), Francisco Soto Barreiro Filho (251 votos), Miguel Seiad Bichir Neto (251 votos), Antônio de Jesus Henriques (236 votos), Ney Mora Nehme (204 votos), Nelson Turri (163 votos), José Carlos Buzinaro (142 votos) e Antônio Rodrigues Filho (131 votos). A posse ocorreu em 1º de janeiro de 1993.

 

Os primeiros vereadores de Bertioga. Em pé, da esquerda para a direita: Lairton Gomes Goulart, Toninho Rodrigues, Ney Moura Nehme, Miguelzinho Bichir. Sentados, da esquerda para a direita: Buzinaro, Sérgio Pastori, Gordo, Nelson Turri e Barreiro. Foto do acervo de Antonio Rodrigues, publicada pelo jornal “Costa Norte”.

 

Câmara Municipal de Bertioga, na Avenida Vicente de Carvalho, em foto de 1993 publicada no jornal “Costa Norte”. Primeiro prédio usado para os serviços administrativos, demolido em 2022 nas obras de criação do Parque dos Tupiniquins. As sessões legislativas eram realizadas na Casa da Cultura. Neste mesmo imóvel funcionou a Subprefeitura entre as décadas de 1950 e 1970.