Bertioga das excursões e dos piqueniques - 1880

A atividade turística em Bertioga no final do século XIX era a realização de excursões para passeios ao Forte, às ruínas e às praias. Nessa mesma época, estava na moda o piquenique, um almoço ou lanche ao ar livre, compartilhado ao lado de amigos ou familiares, contemplando a natureza, em um clima de tranquilidade ou romantismo.

O ciclo do café foi um período da história da economia brasileira, com início em meados do século XIX e fim em 1930, caracterizado pela produção e exportação do café, responsável por mais da metade da economia brasileira. O Estado de São Paulo e a cidade de Santos prosperam com as riquezas do café. A economia forte e em crescimento permitiu que muitas famílias acumulassem riquezas. Esse período resultou na industrialização do Brasil, na urbanização das cidades e na construção de ferrovias.

O roteiro para chegar em Bertioga, dos que vinham de São Paulo, era através dos trens da “São Paulo Railway Company”, a primeira linha ferroviária do país.

A Ferrovia de Ferro da São Paulo Railway ligando Santos ao planalto teve sua construção iniciada no dia 15 de março de 1860 e foi aberta ao tráfego em 16 de fevereiro de 1867, explica Fernando Martins Lichti, em “Poliantéia Santista”.

Os veranistas partiam da Estação da São Paulo Railway (Estação da Luz) em direção à Santos pela ferrovia construída cruzando a serra do mar com pontes e túneis até chegar à Estação de Santos da São Paulo Railway (Estação do Valongo). Dali seguiam de bonde em direção a Estação do Paquetá para acesso às embarcações à vapor com destino à Bertioga. A viagem era feita pelo Canal de Bertioga. Essas embarcações eram fretadas pelos visitantes, com a tripulação e o mestre. Nos finais de semana sempre tinha alguém de prontidão para atender aos turistas de São Paulo. Já as autoridades conseguiam embarcações oficiais. O transporte público de passageiros entre Santos e Bertioga foi instalado em 1913 e facilitou ainda mais aqueles que procuravam Bertioga como o destino de lazer e recreação. Essas lanchas do transporte público oficial partiam do cais da Alfândega.

As excursões ou piqueniques eram frequentes nos finais de semana e feriados, especialmente nos períodos de verão ou muito calor. Os passeios duravam apenas um dia. Chegavam de manhã e iam embora ao final da tarde. Bertioga não tinha locais de hospedagem. Era preciso trazer água e alimentação, porque as fontes de água potável eram escassas, não existiam armazéns para comércio de alimentos ou restaurantes.

Vinham famílias, clubes esportivos, clubes recreativos e grupos de amigos. Bertioga atraía a curiosidade pela pequena comunidade de moradores indiferentes ao passado histórico à vista dos seus olhos: as ruínas do Forte São João, da Capela de São João Batista (já demolida), do Forte São Luís, da Ermida de Santo Antônio do Guaíbe e da Armação das Baleias. Mesmo os turistas desconheciam o passado de esplendor de Bertioga. Apenas intelectuais e historiadores arriscavam opinar sobre as estruturas de pedra que circundavam a Vila de Bertioga.

No dia 13 de janeiro de 1883, um sábado, veio um grupo de santistas passar o final de semana em Bertioga. Partiram de Santos às sete da manhã no pequeno barco a vapor “Barbacena”. A embarcação estava muito lotada, era verão, estava calor e todos queriam ir passear no lugarejo paradisíaco, e tudo transcorreu bem e foi um dia encantador na praia e no Forte São João.

No dia 21 de dezembro de 1890 o Coronel Cândido Anunciado Dias de Albuquerque recebeu em sua casa que ficava ao lado do Forte São João o “Barão de Serra Negra” para um almoço de fim de ano. Foram trocados diversos presentes.

Segundo explicou Fernando Martins Lichti, essa casa foi construída em 1890 pelo Coronel Cândido Anunciado Dias de Albuquerque. O terreno e a casa foram vendidos à João Basílio dos Santos em 1900, e depois adquiridos por Armando Lichti no início da década de 1940, quando então a casa é demolida, porque já estava em ruínas. Em entrevista ao Jornal da Baixada Nair Estevam de Paula (filha de João Estevam de Paula) lembrou que a casa do Coronel Cândido era uma das poucas de alvenaria que existiam na Vila, nas décadas de 1920/1930.

Cândido Anunciado Dias de Albuquerque foi um homem rico e influente em Santos e Bertioga, conhecido também como “Coronel Albuquerque” ou “Coronel Candinho”, era um personagem importante da vida social e política. Ele nasceu em 1813 e faleceu no dia 25 de dezembro de 1902, com 85 anos de idade, segundo o historiador Costa e Silva Sobrinho. Era ele filho do Major Joaquim Antônio Dias e de Eugênia Maria de Albuquerque. O Coronel Cândido Albuquerque era Irmão do Coronel Joaquim Antônio Dias, herói da guerra do Paraguai. Era casado com Maria José de Sousa Machado Setubal, natural de Santa Catarina. Ele teve uma fábrica de cal em Santos, foi Vereador de Santos, Chefe do Estado Maior e Juiz de Paz. Ele foi responsável por uma reforma realizada entre 1857 e 1858 no quartel do Forte São João, além de uma limpeza parcial da vegetação que cobria o terrapleno (plataforma de armas), conforme notícia do jornal “O Publicador Paulistano”, do dia 28 de abril de 1858. Ele foi contratado e remunerado pela Província de São Paulo para a execução desses serviços. Ainda em 1858 requereu que as pedras do Forte São Felipe (Forte São Luís) fossem usadas na construção do cais do Paquetá, obra do qual estava encarregado, mas seu pedido foi indeferido.

m 19 de abril de 1891 foi o rebocador “Henrique” que trouxe um grande grupo de jovens santistas para passar um domingo em Bertioga.

No dia 03 de junho de 1894 esteve em Bertioga o Governador do Estado, Bernardino de Campos, a passeio com sua família na praia e no Forte São João. Nessa época, Santos e a região passavam por um grave problema de febre amarela. É uma doença infecciosa provocada por um vírus transmitido através da picada de um mosquito. Bernardino de Campos, como Governador, tem a honra de ser citado nos registros históricos como responsável pela erradicação dessa doença da região.

No dia 22 de janeiro de 1899, menos de um ano após a sua fundação, o Clube Internacional de Regatas esteve em Bertioga, com mais de cento e cinquenta pessoas. Era um domingo, e vieram todos passear na praia e conhecer as ruínas do Forte São João. O assunto foi noticiado pelo jornal “O Estado de São Paulo”.

 

Em 1901, o Clube de Regatas Santista, fundado em 1893, também esteve em um piquenique, realizado ao lado do Forte São João, na Chácara dos Jambeiros, em homenagem ao Comandante Ernesto Midosi.

No dia 4 de maio de 1919 o poeta José Maria Goulart de Andrade esteve em Bertioga para um piquenique oferecido por Joaquim Pimentel. A lancha que partiu de Santos, no Paquetá, tinha até um piano com música ao vivo. Recitaram versos durante a viagem Thales de Mello e Salisbury Coutinho, além do próprio Goulart de Andrade.

Talvez José Maria Goulart de Andrade tenha lido “A Procelária”, uma de tantas de suas poesias “difíceis”, complexas, que aqui reproduzimos um trecho:

Mal do côncavo céu, forrado à cor de chumbo,

Explode, amplo e soturno, um lúgubre retumbo,

E o Mar, fera enjaulada em frente ao domador,

Queda numa ânsia muda e num mudo rancor,

Imóvel, estendido ao longo das enseadas,

Já do seio talvez das nuvens adensadas,

Em corimbos, exaure e desce do rasgão

Que nos cumulos abre o raio, num trovão,

O gênio do escarcéu, a plúmbea procelária!

Todo o oceano estremece à grita tumultuária

Da tormenta bravia! A vergastada já

Lhe estala ao dorso azul que, em arrepio, está!

Esses piqueniques no entorno do Forte São João continuaram livremente até a década de 1920/1930, na Chácara dos Jambeiros, de João Bazilio dos Santos. A partir da criação da Granja Zilá, da década de 1940, por Armando Lichti, o local se tornou mais privativo, sendo usado apenas para alguns eventos e convidados.

Os passeios e excursões em Bertioga eram um momento singular e marcante na vida de pessoas ricas e que conseguiam ter dinheiro para contratar um fotógrafo ou ter em mãos uma máquina fotográfica, algo raríssimo até as duas primeiras décadas do século XX. Nesse contexto, de um passeio especial, feito por negociantes ricos e autoridades, mesmo sendo algo raro, muitas fotos registraram esses momentos em Bertioga. A casa do Coronel Cândido Anunciado Dias de Albuquerque, em frente ao Canal de Bertioga, era uma referência e sempre servia como plano de fundo nas fotografias.

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