A Vila de Bertioga – 1940
Nos anos de 1940 o grande destaque fica com a consolidação da Vila de Bertioga, com a definição das suas primeiras ruas e traçado urbano. É o grande momento para os comerciantes libaneses e empresários do ramo de hospedagem, que lucravam com o enorme fluxo de passageiros e turistas que chegavam diariamente em Bertioga pelas lanchas da “Santense”.
Dulce, filha de João Sabino Abdalla, em entrevista ao Jornal Costa Norte, disse que “Bertioga tinha Festa de Reis, as pessoas iam de casa em casa cantando, mas mesmo assim papai não nos deixava sair”. Os passeios das meninas eram acompanhados pelos irmãos. “Em noite de lua, todos iam à praia, o papai fechava a venda e ia para a casa do Miguel Bichir. Eles conversavam, cantavam músicas árabes, e dançavam ao som do gramofone do Bichir”, conta Dulce.
Em entrevista também ao Costa Norte, a família Bichir lembra que além de João Sabino, tinha os libaneses Elias Nehme e Jorge Isaac, e todos se reuniam na casa de Miguel Bichir para cantar e dançar músicas do Líbano, ao som do único gramofone da Vila, relembrando suas tradições e cultura.
Zoraide, filha de João Sabino Abdalla, conta que Bertioga tinha circo, e quando fechava a “venda”, João Sabino emprestava os lampiões para as apresentações circenses.
Bertioga tinha diversão. As famílias amigas se reuniam em grupos conforme suas tradições, se algumas cantavam músicas árabes, outras gostavam das danças e músicas de origem portuguesa, africana ou brasileira. O esporte praticado era o futebol e por isso se formaram vários times de futebol, cada um representando seu bairro. As famílias eram felizes com a pouca estrutura que a Vila oferecia. Tinha escola, posto de saúde e cemitério, mas não existia rede de abastecimento de água, de coleta e tratamento de esgoto, coleta de lixo, transporte público, vias pavimentadas, energia elétrica e iluminação pública. A cadeia de Bertioga era improvisada no quartel (atual Museu João Ramalho) do Forte São João.
Das inúmeras entrevistas e dos mais diferentes artigos de jornais publicados sobre Bertioga nos anos 1940, é possível compreender que a Vila era formada por casas de moradores e casas de veraneio. As casas de pau-a-pique desapareçam do centro, dando lugar as casas de madeira e principalmente alvenaria, com telhas de barro.
Os moradores viviam do comércio de produtos agrícolas produzidos em pequenas lavouras, especialmente banana, e do comércio de pescados. Uma parte desses produtos era comercializada com a população local, mas quase toda a produção era destinada ao Mercado de Santos. Outros moradores possuíam estabelecimentos comerciais, chamados de vendas ou armazéns, para a negociação de alimentos ou armarinhos, que vinham de Santos ou São Paulo. Uma parcela da população era de aposentados do serviço público (Força Pública ou Prefeitura de Santos).
A partir de 1946, com a efetiva implantação da Subprefeitura do Distrito de Bertioga, além do serviço de saúde e ensino, houve o início dos trabalhos de urbanização (as chamadas “turmas”). É nessa época que vem para Bertioga Deolindo Fernandes Lisboa, servidor público de Santos na função de Mestre de Obras, com a esposa (Elisia Sobral Lisboa) e os cinco filhos (Daniel, Zunaria, Deolindo, Getúlio, Zenaide). Começa a se consolidar um novo grupo de moradores, vinculados à administração regional.
Além disso, muitas pessoas vieram para Bertioga no final da década de 1940 para trabalhar na construção e depois no funcionamento da Colônia de Férias do Sesc, instalando-se nas terras adjacentes ao empreendimento com suas famílias.
Alguns moradores trabalhavam no serviço público de transporte fluvial de passageiros e cargas (Santense), como Rafael Arcanjo Nascimento, Sebastião Xaxá, Romualdo Santana e Romualdo Santana Junior.

Orla do Canal de Bertioga, entre o Forte e a ponte de atracação, em 1942. Foto de propriedade de Eduardo Ortega. Autor da foto: Valencio de Barros. Nome da foto: Manhã luminosa (Bertioga).
Acervo: Comodato MASP Foto Cine Clube Bandeirante. Publicada no site do MASP

Esta é a orla da Avenida Vicente de Carvalho, antes da construção do cais. Da esquerda para a direita: a venda de João Sabino Abdalla, com as tradicionais três portas; a venda do Faninho (Epiphânio Batista); a venda de Elias Nehme; a venda de Miguel Bichir. Encima do canteiro central está o barracão ou rancho de pesca de propriedade de Elias Nehme, demolido por volta de 1945, para o projeto de alargamento da Avenida. No canto direito da imagem, é possível ver uma pequena parte da ponte de atracação. Foto do início da década de 1940, restaurada e reinterpretada por Jamilson Lisboa Sabino.

Nas margens do Canal de Bertioga, um rancho de pescador (cabana) e a ponte de atracação. Ao fundo, o Forte São João, recém-restaurado. Foto de 1945, do acervo pessoal de Jamilson Lisboa Sabino.

Avenida Vicente de Carvalho, no centro de Bertioga. Do lado esquerdo da foto, o barracão de Elias Nehme para guardar embarcações e que também servia como depósito. Esse barracão ficava bem em cima do canteiro central da Avenida. Atrás dele, no centro da foto, é a venda de Elias Nehme. No lado direito da foto é a venda de Miguel Bichir. Foto do início da década de 1940.

Avenida Vicente de Carvalho, no centro de Bertioga (em frente o atual Pier Licurgo Mazzoni), no final da década de 1940. Do lado esquerdo da imagem: a venda de Elias Nehme, a venda de Miguel Bichir, a casa de Dona Candinha e mais ao fundo o Bar e Padaria São João da Barra. Destaque para o antigo e já extinto eucalipto no canteiro central. O barracão de Elias Nehme já estava demolido. Na foto anterior, a venda de Elias Nehme aparece sem inscrições nas paredes, ao contrário da imagem acima onde já constam inscrições com o nome de “Bar, Restaurante e Armazém Mar e Terra”, além de informações sobre alguns itens vendidos. Dentre as pessoas que podem ser identificadas, João Sabino Abdalla é o terceiro da esquerda para a direita (calça marrom). Os demais eram amigos dele, de Santos ou de São Paulo, segundo me relatou Dulce Bittencourt Abdalla.

Avenida Vicente de Carvalho: na sequência, os estabelecimentos comerciais de João Sabino, Faninho, Elias Nehme e Miguel Bichir. Foto de 1947 do acervo pessoal de Jamilson Lisboa Sabino.

Em “Bubuia do Tempo”, de Miguel Seiad Bichir Neto, o armazém do seu avô, Miguel Bichir, na década de 1940, na atual Avenida Vicente de Carvalho. Na foto, da direita para a esquerda, Miguel Bichir é o quarto em pé, o mais alto, no meio da porta. Detalhe para a propaganda da Coca-Cola, do açúcar União e da cachaça produzida pela família Bichir. No extremo direito da foto, é possível ver parte da casa onde residia a família de Epiphânio Batista (Faninho).

Rua Júlio Prestes, no centro de Bertioga, na década de 1940: do lado esquerdo ficava a venda de Faninho e do lado direito a venda de Elias Nehme. Ao fundo, do lado esquerdo: a Igreja, a propriedade de Nestor Pinto Florêncio de Campos e sua antiga venda. Algumas décadas antes, a área compreendida entre os fundos da venda de Faninho e a igreja era ocupada por João Estevam de Paula, que residiu com a esposa (Maria Loiola de Andrade) e filhos (Brasílio, Nair, Marina e Manoel). Ele também teve uma lavoura ali entre as décadas de 1910 e final da década de 1930. A casa dele era de pau-a-pique e ficava onde está a igreja. Eles tinham apenas a posse e saíram dali pressionados pelos proprietários Joaquim Tavares e depois Cristovam Ferreira de Sá, segundo se interpreta da entrevista de Nair Estevam de Paula ao Jornal da Baixada e as ações judiciais que tramitaram na época.

Igreja Católica São João Batista, na Rua Júlio Prestes, em Bertioga, em foto registrada no ano de 1944.

Avenida Tomé de Souza, em frente à praia, muitas décadas antes de ser asfaltada e urbanizada em foto do final da década de 1940. O prédio novo da Escola Isolada Vicente de Carvalho, inaugurado em 1942, está no canto esquerdo da imagem, aparecendo parcialmente, com a cerca e o portão. Atualmente, recebe o nome de Casa da Cultura Emancipadora Professora Norma dos Santos Mazzoni e já passou por diversas modificações estéticas e estruturais. Ali já funcionou a Escola Dino Bueno e durante alguns períodos esteve cedido para o Lions Club de Bertioga. É possível ver ao fundo da imagem o Morro da Senhorinha.