A Vila de Bertioga - 1910
Até o início do século XX, o Canal de Bertioga recebia a denominação de “Rio da Bertioga”. Foi a partir da instalação da Usina Hidrelétrica de Itatinga, na década de 1910, e dos estudos e projetos para que as linhas de transmissão passassem por cima do “Rio da Bertioga”, que este passa a ser denominado nos documentos oficiais como Canal de Bertioga, já que rio não é, pois não possui uma nascente. E o nome Canal se adequa melhor a ideia de curso d’água natural, destinado a navegação.
A orla do Canal de Bertioga, até o final da década de 1910, não possuía uma “ponte de atracação”, “trapiche” ou “embarcadouro”, isto é, uma estrutura de madeira avançada sobre as águas do canal para o embarque e desembarque de passageiros. O nome “ponte de atracação” é citado no último contrato de concessão do serviço à “Santense” (1952). A Prefeitura de Santos, quando construiu a estrutura de concreto, deu o nome de embarcadouro (1971).
Sem possuir ainda uma “ponte de atracação”, as embarcações maiores permaneciam fundeadas no Canal de Bertioga, enquanto as canoas podiam permanecer sobre o “barranco” das margens do Canal ou recolhidas nos ranchos de pescadores, como expressou Benedito Calixto, possivelmente retratando Bertioga em 1907:
Cartões postais da década de 1910 expressavam a tranquilidade e beleza das águas do Canal de Bertioga:
No entanto, em 1911, foi produzido pelo “Ministério da Agricultura” um relatório alertando para a destruição dos mangues de Bertioga. Esse relatório foi produzido a partir de estudos desenvolvidos pela “Comissão Geográfica e Geológica do Estado de São Paulo” no ano de 1903:
Rareando já de um modo sensível e assustador, longe talvez não esteja o dia em que, dos outr’ora, tão frondosos mangues de Santos, só restarão uns arbustos rachiticos e chloroticos, enfraquecidos nesta lucta desigual e sem tréguas contra a ganancia humana, sem dó nem piedade, e, o que é peior, sem consciencia do grave mal que causa a si mesma e aos vindouros.
Como prova mais eloquente do que avançamos, basta citar o significativo facto de que em toda a área dos mangues de Santos, inclusive Bertioga, Jurubatuba, Rio Branco e Piassabussú, não nos foi possível encontrar uma só siriúba, um só pé de mangue virgem e de porte typico, para ser fotografado.
Nesta época, ainda não havia a ideia de “meio ambiente” como um “direito” ou “ciência”. O propósito era de natureza econômica, impedindo a extração ilegal de madeiras. O relatório aponta para a urgência em proteger os bosques marítimos, os manguezais, que por longos anos foram entregues aos machados dos lenhadores.
Extração de madeira nos manguezais do Canal de Bertioga – cartão postal – 1912
Outro grande problema eram os cercos de pesca. Esse assunto foi tema de debate na Câmara Municipal de Santos, pois em 1883 veio uma ordem do Presidente da Província (Governador do Estado) para que esses cercos e currais fossem destruídos. Ficou encarregada da diligência a Capitania dos Portos. Numa ação fiscalizatória, com o exercício do “poder de polícia”, foram destruídos 33 cercos pelo Canal de Bertioga. Teve despesas aos cofres públicos essa ação. E, logo depois, o próprio Poder Público conferiu novas licenças, para quem os interessava, discutiram os Vereadores santistas. Era raro promover essas ações fiscalizatórias e quando executadas não conseguiam o objetivo almejado. Os cercos, também chamados na época de cercados ou “curraes” de pesca eram proibidos por norma federal, pois eles impediam que os peixes circulassem pelo Canal de Bertioga e seus manguezais, fundamentais para a reprodução de diversas espécies, tal como as tainhas. Além disso, os cercos provocavam o assoreamento do Canal, a formação de lodo e vegetação, perigo a navegação e impacto ambiental.
Cerco de pesca na orla do Canal de Bertioga
Em 1915 não existia a ponte de atracação, a Avenida Vicente de Carvalho e a escola, apenas alguns casebres e ranchos de pescadores, onde alguns anos depois as novas famílias de comerciantes se instalariam.
Rancho de pesca – 1915
Rancho de pesca e visão da atual Avenida Vicente de Carvalho e do Forte – 1915
Antiga orla do Canal de Bertioga (Avenida Vicente de Carvalho) – 1915
A orla do Canal de Bertioga. Terreno próximo ao atual Pier Licurgo Mazzoni. Rancho de pesca e casa de madeira ao fundo. Década de 1910. Foto da Coleção de Luiz Gonzaga de Azevedo, adquirida pela Fundação Roberto Marinho e doada ao Museu Paulista, da USP. Colorizada por História de Bertioga.
Cartão postal de 1919 mostra a orla do Canal de Bertioga ainda com sua vegetação rasteira e as canoas, algumas abandonadas, apodrecendo, outras aguardando a próxima pescaria:
Orla do Canal de Bertioga – cartão postal – 1919
Cais do Forte São João – 1905.
Rancho de pesca. Bairro da Cachoeira. Canal de Bertioga – Cartão postal de 1905.
Rancho de pesca. Bairro da Cachoeira. Canal de Bertioga – Cartão postal de 1905.
A Prefeitura de Santos, através da Recebedoria de Rendas, publicou em 1917, na imprensa oficial, os nomes dos proprietários de terras em Bertioga, que deveriam recolher o imposto territorial. São eles: Carolina Augusta de Menezes (Rio da Bertioga), Claudino I. da Rocha (Itatinga), Convento do Carmo (Rio da Bertioga/Praia da Bertioga), Bento Thomaz de Oliveira (Rio da Bertioga), Augusto Marinangili (Rio da Bertioga), Antonio Eustachio Largacha (Rio da Bertioga), Domingos Vicente de Oliveira (Rio da Bertioga), Damião José de Oliveira (Rio da Bertioga), Francisco Miraglia (Bertioga), Feliciano Baptista dos Santos (Rio da Bertioga), Florisbella Zacharias (Itatinga), Guilherme Santos (Rio da Bertioga), Gabriel Bento de Oliveira (Rio da Bertioga), Gabriel Garcez (Praia de Bertioga), Giuseppe Affonso Pelegrini (Rio da Bertioga), João dos Santos Moura Junior (Rio da Bertioga), Basilio dos Santos (Bertioga), João Euzebio dos Santos (Rio da Bertioga), José Ribeiro Coelho (Praia de Itaguaré), José da Cruz e irmão (Praia de Guaratuba), Joaquim Tavares (Bertioga), Luiz José de Mattos (Praia de Itaguaré), Manoel Augusto Alfaya (Rio da Bertioga), Norberto Luiz (Bertioga, Praia de Bertioga, Praia de Itaguaré), Martim Francisco e Jose Bonifacio de Andrada (Bertioga), Margarida Theodora de Campos (Bertioga), Sergio de Andrade (Rio da Bertioga), Prudente da Silva Bellegarde (Praia de Boracéia), Tiburcio Rodrigues de Souza (Rio da Bertioga), Uriel dos Santos Gaspar (Itapanhaú), Waldomiro Campos Luiz (Praia de Bertioga).
Além desses nomes, reconhecidos oficialmente pela Prefeitura de Santos, existiam inúmeros posseiros ou locatários, trabalhando no seu sustento e no desenvolvimento de Bertioga.
Na primeira metade do século XX (1901/1950) existiram diversas fazendas de bananas em Bertioga. As bananas eram levadas ao Porto de Santos, para exportação. Um dos principais bananicultores de Bertioga foi José Vergara, que no início da década 1910 adquiriu da Companhia Docas de Santos, diretamente de Eduardo Guinle, uma parte da Fazenda Pelaes, a 500 metros da Usina de Itatinga. Ainda na década de 1910 José Vergara deu início nessas terras a um próspero negócio de bananicultura. Segundo Eliana Ribeiro Vergara, neta de José Vergara, em entrevista ao jornal “Costa Norte”, sua família viveu o auge da produção de bananas principalmente entre as décadas de 1930 e 1970. Toda a colheita era transportada em troles, puxados a mão por linha férrea. Existia uma linha de trilhos por onde passavam os troles até chegar ao Rio Itapanhaú, onde eram depositadas as bananas em batelões (barcaças) que deslizavam lentamente em direção ao Porto de Santos, via Canal de Bertioga.

Fazenda Pelaes e o transporte das bananas por troles. Foto do cervo da família Vergara.

Os pequenos agricultores de Bertioga, tal como os de banana, como Orestes Amparo, iam comercializar sua produção em Santos, no Mercado Municipal do Macuco. Fonte: Fundação Memória e Arquivo de Santos.

Embarque no cais de Santos realizado pela água. Fonte: Fundação Memória e Arquivo de Santos.

As bananas eram cobertas por uma palha, para que fossem preservadas. Embarque no cais de Santos realizado por terra. Fonte: Fundação Memória e Arquivo de Santos.

Cais do Forte São João – 1905.
Rancho de pesca. Bairro da Cachoeira. Canal de Bertioga – Cartão postal de 1905.
Rancho de pesca. Bairro da Cachoeira. Canal de Bertioga – Cartão postal de 1905.