A terceira fortaleza: construída por ordem do Rei de Portugal – 1557/1560

Diante desse conflito chocante e preocupado em defender as terras recém-descobertas, o Rei de Portugal Dom João III manda construir uma fortaleza de pedra. É a primeira construção oficial da Coroa Portuguesa no Brasil. Ficou como responsável por coordenar a construção o nobre português Antônio Rodrigues de Almeida. Por Provisão Régia de 18 de junho de 1551, o Rei Dom João III determinou que no local fosse erguida uma fortaleza, destinando recursos para essa finalidade. O historiador Affonso d’Escragnolle Taunay escreveu que era tão importante a posição da fortificação que o próprio Rei de Portugal, Dom João III, ordenou “que se refortificasse a barra da Bertioga autorizando o Governo Geral do Brasil a despender a esta obra a soma enorme para a época, de três mil cruzados”.

Dom João III, Rei de Portugal, de 1521 a 1557.

Embora a moeda oficial de Portugal fosse o “real”, nas transações comerciais da Coroa Portuguesa com outras nações a moeda aceita era o “cruzado de ouro”, moeda comemorativa, que se tornou forte e respeitada. No tempo do Rei Dom João III, cada moeda de “cruzado de ouro” equivalia a 400 “reais” (moeda oficial de Portugal). A moeda era cunhada toda em ouro e pesava quase um grama.

 
Moeda portuguesa chamada de “cruzado de ouro”. Embora a moeda oficial de Portugal fosse o “real”, era comum os documentos da época mencionarem os valores em “cruzados”.

Com grandes divergências entre os autores, a construção foi concluída total ou parcialmente em 1560, recebendo o nome de Forte São Thiago (Forte São João), em homenagem a Capela de São Thiago, anexa ao prédio do quartel. Nessa mesma época, são erguidos o Forte São Felipe (Forte São Luís) e a Capela de Santo Antônio do Guaíbe, na Ilha de Santo Amaro.  

Sem mencionar o nome de São Thiago, o Padre Fernão Cardim, acompanhando em 1585 o Padre Christovão Gouvêa à São Vicente, narra a existência de uma estrutura em Bertioga. Disse ele: a fortaleza é coisa formosa, parece-se ao longe com a Torre de Belém e tem outra menor de fronte (Forte São Felipe), e ambas se ajudavam uma à outra no tempo das guerras.

A fortaleza de 1531, chamada de “Torre da Bertioga”, por Frei Gaspar da Madre de Deus, e a fortaleza de 1547, indicada como sendo uma “paliçada com a casa forte ao centro”, conforme relatou Hans Staden, não possuíam uma denominação. Não há nenhum registro histórico sobre isso.

A denominação São Thiago surge a partir da fortaleza de alvenaria, erguida conforme Provisão Régia de Dom João III. No entanto, esse documento oficial não citava o nome que seria atribuído a nova fortaleza.

No “Translado da Nomeação” do Padre Fernão Luiz Carapeto para a Vila de Bertioga, de 22 de dezembro de 1555, consta a sua designação para a “Vigairaria de Santigo da Britioga”. Estava se referindo a Capela de São Thiago, parte integrante do quartel da fortaleza. Os historiadores apresentam datas divergentes, mas presume-se que mesmo antes da conclusão das obras da fortaleza, em 1560, construída por ordem do Rei de Portugal, já se atribuía o nome de São Thiago a sua capela.

Pela ausência de documentos oficiais, é provável que a partir da denominação da capela é que a fortaleza passou a ser chamada de São Thiago. 

Um dos registros históricos mais antigos da fortaleza é o “Mapa de São Vicente”, de Luis Teixeira, de 1574, indicando a existência do Forte São Thiago (Forte São João) ou, como denomina, “Fortaleza de S. Thiago”:

 

Mapa de São Vicente, de Luis Teixeira, de 1574. Detalhe para a Fortaleza de S. Thiago (Forte São Thiago/Forte São João).

O Tratado Descritivo do Brasil, obra de Gabriel Soares de Sousa, de 1587, também é um documento peculiar na história de Bertioga, pois se refere a fortificação como “S. Thiago”, confirmando o seu nome primitivo, e que estaria armado com “bombardeiros e artilharia”. Por volta de 1760, isto é, dois séculos depois, é ampliado o Forte São Thiago (Forte São João) de 100 m² para 250m². Desde então, mantém o mesmo desenho e estrutura, com algumas restaurações. O Forte foi construído originalmente com blocos de pedras e argamassa, composta de sambaqui e areia. Na ampliação e restauração do século XVIII foi usado o mesmo tipo de material, além de óleo de baleia. Já na restauração de 1941, parte das “cortinas” que estavam deterioradas foram cobertas com “cal de marisco”, em substituição ao “sambaqui”. Essa restauração manteve muito das características da fortificação reformada e ampliada no século XVIII.

Forte São João em detalhes: as cortinas, a plataforma de armas/terrapleno, o quartel (museu) e a tenalha (muro de pedras). 

O Forte São Thiago (Forte São João) é formado por duas estruturas principais:

a) o terrapleno, também chamado de plataforma de armas ou baluarte, é a estrutura retangular de pedras, armada com canhões, e com as duas guaritas;

b) o quartel (atual Museu João Ramalho), é uma casa com paredes de pedra e cal, e com telhado de cerâmica, que servia como alojamento para os soldados, para o armazenamento da pólvora e demais instrumentos de artilharia, além de contar com a Capela de São Thiago.

O terrapleno possuía uma estrutura central retangular de pedras e era revestido por uma parede também de pedras, chamada de “cortina”, com aproximadamente 50 centímetros de largura. A “cortina” era coberta por uma parede caiada, de no máximo cinco centímetros, preparada originalmente a partir da “cal de sambaqui”.

O telhado do quartel era de “duas águas”, diverso do telhado atual, que possivelmente após uma reforma no século XVIII passou a ser de “quatro águas”.

Além disso, na fortaleza construída em 1560, não existia a “tenalha”, isto é, o muro de pedras ao redor do quartel, em formato de “rabo de peixe”, que somente foi incluído em reforma posterior.

Em 1751 foi elaborada uma planta por Luís Antônio de Sá Queiroga com o projeto de reforma do Forte. Reproduzindo essa planta na imagem abaixo, está indicada em “azul” a área da antiga fortaleza quinhentista de 100 m² e em “vermelho” a área que seria ampliada para os 250m² atuais:

A planta acima demonstra a ampliação do Forte. Não indica sua demolição ou reconstrução. É possível que existam partes do Forte São João que sejam originais, especialmente a matéria-prima e parte das rochas que seriam, naturalmente, reaproveitadas em uma reconstrução. Já o prédio do quartel (onde atualmente é o Museu João Ramalho), não houve modificação na planta original, mas em razão de muitas reformas, somete uma de suas paredes conserva a estrutura original do século XVI.

Uma interpretação possível de como deveria ser a estrutura original, construída por ordem do Rei de Portugal, é que seria muito semelhante a fortaleza atual, no mesmo local e formato, com duas guaritas, revestido o terrapleno com uma parede caiada, com três principais diferenças: a) o terrapleno ou plataforma de armas era menor, com apenas 100m², menos da metade do tamanho atual; b) o telhado do quartel era de “duas águas”, mas o prédio deveria ser do mesmo tamanho do atual; c) não existia a tenalha (muro de pedras em formato de rabo de peixe, no entorno do quartel).

Segundo o artigo “Aspectos geológicos, históricos e estado de conservação das fortificações da Baixada Santista”, de autoria de Vanessa Costa Mucivuna, Eliane Aparecida Del Lama e Maria da Glória Motta Garcia, publicado na Revista do Instituto Geológico da USP, atualmente, pouco resta da construção original de 1560 (século XVI), que era feita essencialmente de pedras. Apenas a escada que dá acesso à plataforma das armas, parte de uma das paredes do quartel (Museu João Ramalho), dois parapeitos de janelas e um batente de porta.

O IPHAN afirma que o terrapleno (isto é, o Forte São João), foi reconstruído no século XVIII, não sendo ele estrutura original do século XVI. Nosso entendimento é que o Forte foi apenas ampliado, de 100 m² para 250m², sem que isso importasse em sua total reconstrução.