O desastre ecológico - 1983
Um fato esquecido pela imprensa foi o maior derramamento de petróleo da história do Brasil, talvez somente superado pelo misterioso derramamento de petróleo cru ocorrido em 2019 no litoral do Norte e Nordeste do Brasil. Em Bertioga, o derramamento do óleo, além de atingir as praias, atingiu um ecossistema extremamente importante para a vida marinha, os manguezais.
O acidente ocorreu no dia 14 de outubro de 1983, no quilometro 93 da Rodovia Rio-Santos, numa área localizada aproximadamente entre Monte Cabrão e o Rio Itapanhaú. O óleo vazado percorreu os rios Irerê e Itapanhaú, invadindo o Canal de Bertioga e alguns pontos do mar.

Jornal “A Tribuna de Santos”
A causa foi uma rocha de aproximadamente 20 toneladas que desabou da encosta do morro e rompeu o oleoduto que envia, por 128 quilômetros, petróleo do Terminal São Sebastião para a Refinaria de Cubatão. A PETROBRAS se disse vítima na época, afirmando que iria responsabilizar a empreiteira FIRPAVI, pois foi em função da explosão de dinamite na sua pedreira que houve o deslocamento da rocha. Nesta época, a FIRPAVI também atuava em um importante projeto, que era a conclusão da última etapa da Rodovia Rio-Santos.
Não teve vítimas humanas. O grande afetado foi o meio ambiente, com a destruição de inúmeras espécies da fauna e flora da marinha costeira.
O Chefe da Divisão de Engenharia, Segurança e Meio Ambiente da PETROBRAS, na época, disse que o petróleo que vazou é do tipo árabe que, ao se espalhar, forma uma fina película.
Neste evento foram derramadas 2.500 toneladas (cerca de 3 milhões de litros) de petróleo produzido na Bacia de Sergipe-Alagoas. Este tipo de petróleo apresenta uma alta densidade específica, sendo considerado como um produto persistente, segundo a classificação adotada pela CETESB.

Tubulação rompida

Tubulação rompida
Imediatamente após o derramamento de óleo no manguezal do Rio Iriri, foi observado o murchamento das folhas e uma acentuada taxa de desfolhação das árvores.
Além da vegetação do manguezal, vários outros organismos foram atingidos pelo vazamento de óleo, tais como crustáceos, moluscos, aves, algas bentônicas e gramíneas.
A CETESB usou doze barcos de alumínio para a retirada do óleo dos manguezais e construiu diques de areia para impedir que os efeitos da maré contaminassem ainda mais o interior do manguezal.
A PETROBRAS contratou uma empresa para realizar o transporte do óleo recolhido, mas também teve problemas de logística, pela localização dos mangues e porque trouxe mangueiras muito curtas.
O Prefeito de Santos, Paulo Gomes Barbosa, não viu razão para que fosse decretado estado de calamidade pública em Bertioga, pois segundo entrevista ao jornal A Tribuna de Santos as praias foram limpas rapidamente e o maior problema estava concentrado nos mangues, sem atingir diretamente o cotidiano da população.
Os poucos funcionários da Administração Regional e voluntários batalharam para limpar as praias e os mangues de Bertioga. A Prefeitura de Santos não enviou reforços. A população criticava, noticiou o jornal A Tribuna de Santos, em 25 de outubro de 1983, em matéria de capa.

Flutuante da balsa e os serviços de recolhimento do óleo

Os manguezais de Bertioga foram severamente atingidos pelo desastre ecológico
A PETROBRAS foi multada

As praias de Bertioga foram interditadas, tomadas pelo óleo. A natureza sofria silenciosamente. Os trabalhos de limpeza das praias de Bertioga duraram dez dias.
O vazamento de óleo ocorreu numa sexta-feira, mas somente atingiu a praia da enseada na madrugada de domingo. Foi um cenário de desolação. Enquanto as praias do Guarujá atraiam milhares de turistas pelo forte sol no domingo, em Bertioga o cenário era de batalhões de homens de capacetes e macacões sujos de óleo que operavam as máquinas da Prefeitura para limpar a areia, construindo verdadeiras dunas. Centenas de curiosos acompanhavam essas operações, mas ninguém se arriscava a entrar no mar, cujas ondas traziam cada vez mais o óleo que provocava um forte odor na região. Luiz Carlos Rachid, Administrador Regional, acompanhava pessoalmente os trabalhos e demonstrava grande preocupação com os pescadores artesanais, impedidos de trabalhar e ameaçados com a qualidade do pescado.
Calculava-se que 80% do óleo ficou contido nas areias dos manguezais e o restante atingiu o Canal de Bertioga e a Praia da Enseada, até o Jardim Vista Linda, com alguns pontos isolados nas praias de São Lourenço e Indaiá.
As praias foram limpas com o uso de quatro caminhões, duas máquinas niveladoras e duas pás-carregadeiras. A Prefeitura se encarregou, a pedido da CETESB, de cortar todo o mato roçado dos terrenos baldios para que, após seco, fosse empregado na absorção do óleo.
Foi formado o “Comitê de Defesa do Litoral – CODEL”, que em 24 de novembro de 1983 deu início a limpeza dos costões dos mangues de Bertioga, visando acelerar o processo biológico de recuperação da área, atingido por 2.500 toneladas de petróleo, no dia 14 de outubro, mais de um mês depois.
Mas os flutuantes e as pedras que contornam o Forte São João e as outras relíquias históricas da Vila precisaram esperar um pouco mais pela limpeza, neste caso realizada por uma máquina de jateamento de água emprestada pela PRODESAN. Acontece que em alguns locais distantes seria preciso um gerador de energia a diesel, pois a máquina só funcionava com eletricidade, o que também atrasou os trabalhos.
Algumas empreiteiras de Bertioga ajudaram na limpeza das praias de São Lourenço, Itaguaré, Guaratuba, Boracéia, embora tenham sido atingidas em menor impacto, ao menos visualmente. A DERSA emprestou um caminhão para ajudar, além da balsa e do flutuante. Era tudo muito improvisado e as notícias da época revelavam a indignação da população e da imprensa com o descaso das autoridades santistas e estaduais com o desastre em Bertioga. O tema foi duramente debatido em diversas oportunidades na Câmara Municipal de Santos. Alguns Vereadores questionavam a omissão dos governos.
Os pescadores locais afirmavam que a vida marinha foi parcialmente extinta em consequência do acidente e temiam pela subsistência de seus filhos devido a falta de espécimes antes corriqueiros, como o parati, o bagre e caranguejo. O mangue das margens está morto, dizia um dos pescadores da época. Os comerciantes donos de restaurantes tiveram suas vendas reduzidas. Os poucos clientes que apareciam perguntavam se tinha óleo nas ostras ou nos mariscos. Todo o comércio de restaurantes da Vila de Bertioga e ao longo do Canal, do lado do Guarujá, sofreram duramente os impactos sociais do desastre ambiental.
O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE realizou o mapeamento por satélite do deslocamento da mancha de óleo desde a foz do Rio Irerê, passando pelo Canal de Bertioga e o mar.
Não havia qualquer plano de emergência do Poder Público ou das empresas responsáveis. Das notícias o que se observa são muitos técnicos dando os mais diferentes palpites de como deve se proceder a limpeza, propondo meios inovadores, mas o tempo passava e o impacto ao microssistema deve ter sido arrasador.
Muitos estudos já foram realizados, especialmente por instituições de ensino. As mais recentes identificaram locais ou poços onde o óleo está armazenado, impedindo o desenvolvimento da vegetação ou alterando a forma das espécies.

Manguezais encontram-se entre os mais produtivos ecossistemas da biosfera, apresentam condições propícias para alimentação, proteção e reprodução de muitas espécies animais, sendo considerado importante transformador de nutrientes em matéria orgânica e gerador de bens (produtor de bases da pesca comercial e artesanal, fornecedor da maior parte das proteínas da dieta alimentar das populações ribeirinhas) e serviços (filtro biológico, berçário de recursos pesqueiros, recreação, turismo, pesquisa e educação ambiental). São “áreas de preservação permanente”, protegidas pela Lei Federal nº 12.651/12.
Referente ao impacto de petróleo no manguezal do Rio Iriri, foi realizado estudo pela Universidade Estadual Paulista – UNESP, em conjunto com L.C.M. Santos, Cunha-Lignon e Schaeffer-Novelli, onde concluem que a “R. Mangle”, espécie de vegetação, foi extinta dos manguezais de Bertioga, sendo substituída pela espécie L. Racemosa:
O derramamento de cerca de 3,5 milhões de petróleo bruto, ocorrido em outubro de 1983, causou um impacto nos bosques de mangue do Rio Iriri, gerando alterações espaço-temporais na cobertura vegetal. Antes do derrame observou-se padrões de textura e tonalidade que podem indicar bosques de mangue de estrutura desenvolvida. Após o derrame, constatou-se diferentes padrões de textura e cor, presença de solo exposto entre a vegetação, cobertura vegetal menos uniforme, bem como uma área mais fortemente atingida pelo óleo, onde ocorreu mortandade total da espécie R. mangle. Considera-se que nessa área possa estar ocorrendo recomposição natural por outra espécie vegetal típica de mangue, L. racemosa

Espécie extinta dos mangues de Bertioga: R. Mangle