A fundação da Vila de Bertioga – 1547/1553
É um desafio afirmar a data de fundação da Vila de Bertioga, pela absoluta ausência de documentação específica sobre esse ato oficial. Até mesmo designar Bertioga como uma “vila” é opção deste autor que não tem aceitação unânime.
Washington Luís, historiador e ex-Presidente do Brasil, no seu livro “Na Capitania de São Vicente”, toma o cuidado de advertir que existe diferença entre um “povoado” e uma “vila”. As povoações são os lugares habitados, sem nenhuma jurisdição administrativa ou judiciária. A vila é uma povoação com administração e justiça local. Por essa interpretação, Bertioga somente teria se tornado uma vila com a criação do Distrito de Bertioga em 1944 e a instalação da primeira subprefeitura em 1946. Acontece que o próprio Washington Luís, no mesmo livro, menciona que em 1º de junho de 1553, Thomé de Sousa escreve carta ao Rei de Portugal, Dom João III, mencionando as duas vilas existentes (Santos e São Vicente) e que criou mais três, sendo uma delas Bertioga. Descreve Thomé de Sousa sobre Bertioga, que o Rei: “mandou fazer, que está a cinco leguas de S. Vicente na boca (dum) rio por onde os indios lhe faziam muito mal”. É uma carta oficial, original, da principal autoridade do Brasil, endereçada ao rei português, afirmando que ele, Thomé de Sousa, fez a Vila de Bertioga que o rei ordenou, na entrada de um rio (a barra de Bertioga) em um lugar de conflito com os povos indígenas. Thomé de Sousa foi Governador Geral de 1549 a 1553. Foi neste período que a Vila de Bertioga teria sido criada por Thomé de Sousa, mas logicamente sem atender a conceituação de “vila” defendida por Washington Luís. Era apenas um povoado, sem administração ou jurisdição na concepção de estrutura de Estado. No entanto, o Forte São Thiago (Forte São João) sempre teve um comandante, que também era responsável por manter a ordem e o cumprimento da lei no povoado de Bertioga.
Uma tese possível é que o povoado de Bertioga foi formado a partir de 1547, com a família de Diogo de Braga e indígenas colaboradores, reconhecida posteriormente como Vila no governo de Thomé de Sousa, entre 1549 e 1553, mesmo sem possuir câmara municipal ou juiz, sem os elementos que a doutrina da época exigia para a qualificação como vila. Inquestionavelmente, Thomé de Sousa, ocupando o maior cargo no Brasil, declarou que Bertioga era uma vila por ele criada, cumprindo a determinação real.
Muitas publicações antigas e recentes referem-se à Bertioga como “vila”. Os antigos moradores chamavam o centro da cidade de “vila”. Parece que Bertioga era reconhecida como uma vila, mesmo que de modo popular.
Há um outro aspecto, essa vila foi abandonada na década de 1560. A Confederação dos Tamoios tornou inviável a manutenção de ocupações na região. Era uma área de conflito.
Conta Washington Luís que em 24 de junho de 1562 os Oficiais da Câmara de São Paulo, Antônio de Mariz, Diogo Vaz, Luís Martins e Jorge Moreira dão a João Ramalho o cargo de capitão da guerra, com poderes de aplicar a penalidade de degredo para Bertioga quem descumprisse suas ordens.
O historiador e membro da Academia Paulista de Letras Nuto Sant’anna, comenta que degredar significa rebaixar, representando a ideia de penalidade. O degredo aparece frequentemente nas atas antigas da Câmara de São Paulo, ora como ameaça de pena futura, ora como medida aplicada. Existem diversos documentos nos arquivos históricos da Câmara de São Paulo determinando a aplicação da pena de degredo para Bertioga para aqueles que cometessem crimes ou para aqueles que descumprissem as ordens das autoridades constituídas. Bertioga era um local disputado pelos conflitos indígenas incentivados pelos europeus. Era uma linha de fronteira na disputa pela propriedade e poder territorial. Existia temor em relação aos Tupinambás, que tinham a fama de devorar os inimigos.
Afonso d’Escragnolle Taunay, historiador, reforça isso e cita uma dessas medidas, de 7 de abril de 1588, que previa o degredo para Bertioga por um ano caso ocorresse desrespeito à hierarquia, críticas ao rei de Portugal e às duas decisões.
Esses fatores resultam no abandono da Vila de Bertioga, fundada por Thomé de Sousa, caindo por muitas décadas em um período de verdadeiro esquecimento, apagamento das lembranças e do interesse em ocupar as terras litorâneas.